Shashá: Guerreira

Acompanhada de parentes, Shashá ergue o troféu/Foto: Mariana Capra

Sexta-feira, 18 de dezembro de 2020. Camisa sete das Gurias Coloradas, Shaiane Pedrozo acorda para mais um dia de treinos preparativos para a grande final do Gauchão. Antes de partir para o gramado, a atleta, como fizera ao longo de toda a semana, telefona para sua mãe, Sandra, internada por complicações pulmonares. Tranquilizada após receber boas notícias, Shashá, assim conhecida por colegas e torcida, segue até o campo.

Shashá em atividade das Gurias Coloradas/Foto: Mariana Capra

Famosa pelo estilo extrovertido com que sempre contagia o dia a dia das Gurias Coloradas, já no retorno para o quarto Shashá carregava fisionomia bastante carregada. A situação piorara, e logo ela descobriria que sua mãe seria entubada. Colega de quarto da atacante, a defensora Ari acompanhou a crescente tensão que tomou conta de sua companheira.

“Ela voltou pro quarto falando que a mãe estava mal, mas sem saber de mais nada. Aí, começou a conversar com as irmãs por chamada de vídeo e soube que a mãe tinha tido uma parada respiratória, mas que estava em avaliação. Diziam que não tinha como falar que ela estava bem no momento, mas que iria melhorar.”

Ari

Quieta, Shashá partiu para o almoço. Preocupada, a atleta quase não se alimentou, apesar dos pedidos de suas amigas. De volta para o quarto, tomou um banho e, logo depois, recebeu a infeliz notícia de que sua mãe havia partido. Às lágrimas, foi prontamente consolada, primeiro por suas colegas de quarto, na sequência pelo grupo inteiro.

“Naquela hora, passa na cabeça
todo o tempo que a gente fica fora de casa.
Todo mundo se põe no lugar uma da outra.

Ari

A resposta da comissão técnica foi imediata. Liberada das demais atividades do dia, Shashá também recebeu dispensa do treino de sábado e, inclusive, do Gre-Nal decisivo de domingo. Mais do que isso, o Clube tratou de providenciar meio de transporte que levasse a atleta até São José do Norte, sua cidade natal. Técnico das Gurias Coloradas, Maurício Salgado acompanhou tudo de perto.

“Quando a gente soube, primeiro agilizamos um transporte para que ela voltasse para lá rapidamente. Deixei ela totalmente tranquila em relação a priorizar a família, a gente sabe da importância que a mãe dela tem até na construção da carreira da Shashá. Jogaríamos por ela.”

Maurício Salgado

Localizado no extremo sul gaúcho, o município de São José do Norte fica a mais de quatro horas e meia de distância de Porto Alegre, longo trajeto que justificou a agilidade para colocar Shashá na estrada. Ao lado de Ari, na própria sexta-feira a atleta partiu em direção à terra natal. Por lá, mais do que se despedir de Dona Sandra, encontrou também força nos braços da família.

“Como conheço há quatro anos a Shaiane, nós já somos muito próximas e nos juntamos uma com a família da outra. Chegando lá, o bonito foi ver que a família dela é muito unida. Se ajudaram.”

Ari

Domingo, 20 de dezembro de 2020. Na Arena Cruzeiro, em Cachoeirinha, Inter e Grêmio se preparam para disputar a final do Gauchão Feminino. Uma hora antes da partida, marcada para as 10h, o Clube do Povo divulga sua escalação. No ataque, chama atenção o nome escalado para o corredor direito: Shashá.

“Quando foi para o interior, ela já manifestou que voltaria, porque era o desejo da mãe dela. Depois, mandou mensagem dizendo que ia retornar. Deixamos muito pelo julgamento dela. O que ela decidisse, nós aceitaríamos. E ela decidiu por retornar e jogar.

Maurício Salgado

Em momento algum Shashá cogitou desfalcar as Gurias na decisão. A vontade de sua mãe, a atacante sabia, era de ter a filha em campo, levantando a taça. Dona Sandra sempre apoiou, com muito orgulho, a trajetória de Shaiane rumo à profissionalização, e serviu de alicerce perfeito para o início de carreira da então jovem atacante. Na semana anterior à finalíssima, a progenitora chegou a reforçar seu desejo durante visita que recebeu da camisa sete colorada.

“Ela sabia que a mãe queria que ela jogasse. Todos eles queriam. A Dona Sandra sempre teve muito orgulho dela, correu pra cima e pra baixo quando a Shashá começou a carreira, só queria ver ela jogando, só isso. E a Shashá sempre manteve a palavra, no próprio velório falou que iria jogar pela Dona Sandra. Foi muito, muito bonita essa atitude dela.”

Ari
Shashá atordoou a zaga gremista/Foto: Mariana Capra

Assim que Leandro Vuaden apitou pela primeira vez, as dúvidas acerca da capacidade de Shashá encarar a decisão foram completamente dissipadas. Peça fundamental no time de Maurício Salgado, a polivalente avante, capaz de atuar nas duas pontas e também compor o meio de campo, deu trabalho para a marcação gremista desde o minuto inicial. Logo aos 9, por exemplo, a camisa sete costurou pelo centro, ajeitou para a perna direita e finalizou colocado. No ângulo, a goleira rival voou para impedir a pintura.

Imagens: RBSTV

O ritmo de Shashá foi acompanhado pelas companheiras de equipe. Usando uma faixa preta na parte superior da camiseta, símbolo do luto compartilhado pelo elenco, as Gurias Coloradas dominaram o início do confronto não apenas nas ações dentro de campo, mas também animicamente. A mobilização era evidente, bem como os motivos para tamanha disposição.

“A gente acaba ficando tanto tempo juntas que todo mundo vira família. A dor de uma é a dor de todas. Antes de começar o jogo, eu falei algumas coisas na roda e citei a Shashá como exemplo, disse que jogaríamos por ela. Ela merecia esse título, e acredito que foi algo que nos deu ainda mais força para buscar a vitória.”

Bruna Benites
Gurias atuaram com faixa preta na altura do ombro

O triunfo de 2 a 1 começou a ser construído aos 28 da etapa inicial. Rafa Travalão disparou pela direita e cruzou com excelência para Djeni, que de cabeça, livre, completou para as redes. Na comemoração, o primeiro abraço recebido pela artilheira foi justamente o de Shashá, cena parecida à atestada na etapa final, quando a camisa sete celebrou efusivamente o gol de Byanca, marcado aos oito.

Shashá voltou a flertar com as redes aos 12 do segundo tempo. Caindo pela direita, ela deixou a marcação para trás, chegou à linha de fundo e, sem deixar a bola sair, cruzou fechado. A bola encobriu a arqueira rival, mas explodiu no travessão. O gol, sonhado e merecido, infelizmente não sairia. A taça, porém, maior homenagem possível, foi conquistada. Pelo Inter. Por Shaiane. Para Dona Sandra.

“Se não fosse ela, eu não estaria aqui. O que ela fez por mim, ninguém faria. Eu não iria desistir disso porque o sonho dela era me ver dentro de campo, e eu acho que o nosso time todo ganhou, venceu, por ela. Jogando por ela.”

Shashá

Emocionada, a camisa sete se atirou ao chão assim que ouviu o apito final. Deitada, pôde aproveitar o sentimento de dever cumprido durante os breves segundos que passou sozinha antes de receber o carinho de Gabi Luizelli. Pouco depois, o elenco inteiro já festejava com a atacante, simbolizando os milhões de abraços que colorados e coloradas do mundo inteiro gostariam de dar em sua guerreira.

Ao lado de Gabi Luizelli e no colo de Ju Ferreira, Shashá festeja a taça/Foto: Mariana Capra

Parabéns pela conquista, Shashá. Sabemos que, de onde estiver, Dona Sandra está comemorando mais uma grande conquista de sua filha, motivo de orgulho para os Pedrozos e também para a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande. Estamos contigo neste momento difícil, guerreira. No Colorado, nada nos separa.

Shashá (E), Ari (C) e Carol Gomes (D) comemoram o título/Foto: Mariana Capra