Conheça a história de Vicente Rao, torcedor símbolo da essência popular colorada e que completaria hoje 112 anos
O futebol é muito mais do que um jogo. O Inter, mais do que um time – quem vive o Colorado sabe. Neste dia 4, data em que o Clube do Povo completa 111 anos de história, relembramos, com justiça, os muitos feitos relevantes que, através de gols e milagres, nos transformaram em uma glória do desporto nacional. Não paramos, no entanto, por aí. A data, nostálgica como costumam ser os aniversários, também nos permite evocar todo o significado social que nosso alvirrubro tom ostenta. Significado, este, que o irônico destino parecia saber que assumiríamos ainda antes de sermos fundados. Afinal de contas, também no quarto dia de abril, mas de 1908, nasceu torcedor que serviria de símbolo perfeito para a essência popular e plural que marca o Internacional. Seu nome? Vicente Rao.
Sócio do Inter a desde 1931, mesma temporada na qual o Estádio dos Eucaliptos fora fundado, Rao sempre foi muito famoso em Porto Alegre, especialmente nas comunidades festivas e efervescentes. Rei Momo de nossa capital por 22 anos, desenvolveu seu coloradismo ao longo de toda a década de 20. Nesta época, seu primeiro contato mais intenso com o Clube do Povo se deu como jogador, lutando por uma vaga entre os titulares, posição que jamais alcançou.
Felizmente, o brilho que faltava em seus pés para chutes sobrava no momento de sambar, e a frustração futebolística em nada afetou sua paixão pelo Alvirrubro. Assim, em 1940 levou, em definitivo, sua experiência dos bailes e desfiles carnavalescos para as arquibancadas coloradas, criando a primeira torcida organizada do Internacional, o Departamento de Cooperação e Propaganda, famoso DCP.
Acima de tudo um colorado fervoroso, Rao sempre traçou comparações entre Clube do Povo e Carnaval. Para ele, as duas instituições possuíam grande vocação pioneira e popular, além de um inegável compromisso social. Como revelou em entrevista para a Revista do Inter em 1958, Vicente entendia que Colorado e samba uniam as pessoas na mesma medida. “Escolhi o Inter por muitas razões, entre as quais por ser o Clube mais democrático do Brasil. Ele é o autêntico Clube do Povo, dos grandes e dos pequenos, dos humildes e dos poderosos, pouco importa a condição social de cada um. Ele tem um poder extraordinário, pois nos aproxima, fazendo-nos membros de uma só e grandiosa família, que é, sem dúvida, a inigualável Família Colorada. Tanto faz ser Governador como simples engraxate, todos, indistintamente, lutam lado a lado, como um só homem, ao redor de sua gloriosa bandeira. Como é grande o Internacional em tudo e por tudo. Salve ele!”
Inicialmente ridicularizado, depois imitado, o DCP prontamente se transformou em um décimo segundo jogador dos esquadrões colorados, sempre encarregado da trilha sonora que embalou cada um dos atropelos promovidos por Rolo e Rolinho no Estádio dos Eucaliptos, melodia tradicionalmente acompanhada dos espocos de foguetes, serpentinas e confetes. Bem-sucedida, a iniciativa do Departamento consagrou, com perfeição equiparável apenas à canhota de D’Alessandro, aos cabeceios de Fernandão, aos desarmes de Figueroa e aos voleios de Falcão, a popularidade do Internacional, característica ampliada na era do Beira-Rio.
De Coreia às arquibancadas, o Gigante surgiu ainda mais efusivo e eufórico do que seu predecessor. Sempre tomado pelo povo colorado, historicamente ritmado por bumbos, surdos, repiniques e metais, o número 891 da Padre Cacique se converteu, ao longo de seus quase 51 anos de história, no palco ideal para a mais alvirrubra das festas, constantemente convertida, a cada quarta e domingo, em pressão sobre os adversários. Um legítimo templo do futebol, mas também de alegria e samba, feitos por todos, sem qualquer discriminação, como sonhara Rao.
A contribuição de Vicente não ficou restrita ao cimento da arquibancada. Em 1947, juntamente com o professor Jofre Funchal e o descobridor de talentos Abilio dos Reis, Rao criou as Escolinhas de Futebol do Inter, atual Escola Rubra. Assim, além de reforçar o caráter de um Colorado do povo, também catapultou nossa tradição enquanto instituição de Ases Celeiro. Mundialmente reconhecida pelas dezenas de astros que já ofereceu ao futebol, a base alvirrubra foi revolucionada pelo trabalho do trio, que também ajudou a rejuvenescer nossa torcida, conquistando novos jovens apaixonados pelo Inter.
Primeiros campos do Celeiro de Ases Rao, uniformizado, em frente a elenco campeão juvenil
Inter é Rao, e Rao, por óbvio, é Inter. Inter é dominar o Rio Grande, conquistar o Brasil, libertar a América e, contra tudo e todos, conseguir se impor sobre o mundo todo. É ser referência no futebol desde sempre. Com esquadrões memoráveis, desde Rolo e Rolinho, passando por Academia do Povo, até os mais internacionais. É ser anfitrião de de Copa do Mundo, em 50 e 2014. Mas Inter também é Povo. Alegria, juventude, malemolência, festa. ‘Loucurada’, como diriam hoje. É dos humildes e dos poderosos, como dizia Rao. Quem veste nossa camisa conhece essa história, e sabe que ela não tolera o ódio. Nosso Clube é da alegria. É da efervescência. É de gigantes, sejam eles jogadores, e destes não faltam ídolos, ou torcedores. Como Vicente.