Gol do Dia – Andrezinho elimina o Flamengo

De frente para a meta flamenguista, Andrezinho encarou, mais do que o goleiro Bruno, um aglomerado de alvirrubros, e pareceu entender o que diziam os olhos de cada colorado que o mirava. Por breves segundos, a saudosa meta do Placar se tornou o epicentro do futebol brasileiro. Autorizado, o meio-campista respirou e deu início ao mais longo de seus caminhares. Pouco depois, o Beira-Rio tremeu.

Guadalajara colorada: há 10 anos, cidade mexicana virava o Beira-Rio

A caminhada não foi simples. Se em 2006 a campanha alvirrubra ficou marcada pela soberania com que o Colorado despachou um rival após o outro, o trajeto rumo ao Bi da América exigiu, através de suas sinuosas curvas, ainda mais sofrimento do povo vermelho. Definidas nos últimos instantes, as fases de oitavas, quartas e semifinais testaram o coração da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande.

O aprendizado oferecido por tamanho drama, enfim, pôde ser atestado na partida de ida da decisão continental. Disputado há 11 anos, o confronto entre Inter e Chivas, em Guadalajara, até ofereceu grande susto, mas foi superado pelo gigantismo do dono do Beira-Rio.


A força do nosso povo


O Gigante fez a diferença para o Colorado na Libertadores de 2010. Nas seis partidas anteriores à finalíssima que disputou como mandante no torneio, o Clube do Povo conquistou 18 pontos, garantindo irretocável aproveitamento de 100%. Sempre empurrado por um Beira-Rio lotado, o Inter se mostrou capaz de superar qualquer adversário do continente. A partir da classificação para a final, todavia, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande tratou de aumentar o raio de seu apoio. Da Padre Cacique, partiu a contagiar todo o território de Porto Alegre.

Heroicos, os últimos 90 minutos das semifinais continentais ocorreram diante de um Morumbi lotado. Dono da casa, o São Paulo até deixou o campo vitorioso, placar de 2 a 1, mas o triunfo foi insuficiente para tirar a vaga das mãos alvirrubras. Apoiado no regulamento, o Inter, que massacrara os paulistas no Beira-Rio – onde conquistou magro 1 a 0 que em nada refletiu seu domínio sobre as ações do jogo -, avançou para a decisão. No desembarque em Porto Alegre, realizado em 6 de agosto, um dia após o jogo, centenas de colorados e coloradas criaram um clima de Beira-Rio na zona norte de Porto Alegre, região do Aeroporto Salgado Filho, endereço que teve seu saguão completamente tomado.

Dando continuidade à agitada maratona que sucedeu a classificação para a final da América, o elenco colorado, após aproveitar folga na tarde de sexta-feira, retomou os trabalhos, com vistas à decisão, no sábado dia 7 de agosto. Realizadas em dois turnos, as atividades consistiram, inicialmente, em exercícios físicos.

Depois, ocorreu treino com bola, realizado no gramado do Beira-Rio e aberto para a torcida. A consequência? Mais de duas mil pessoas presentes nas arquibancadas do Gigante, dispostas a superar o frio do inverno gaúcho para contagiar o grupo antes do embarque para o México.

“Falo por todos no grupo para agradecer o público que se fez presente aqui no Beira-Rio. Eles podem ficar tranquilos que nós faremos o melhor dentro de campo para atingir o sonho de todo colorado”

D’Alessandro, após o treino

O Inter embarcou rumo ao México na manhã do domingo 8 de agosto. Novamente local na zona norte, a torcida colorada demonstrou que o treino de sábado, com portões abertos, não havia sido suficiente. Ansiosos, cerca de 200 torcedores e torcedoras fizeram festa quando o ônibus alvirrubro apontou no Salgado Filho. O principal cântico entoado, é claro, misturava tons proféticos a outros eufóricos: “seremos campeões!”.

No trajeto até Guadalajara, o Inter ainda fez escala na cidade de São Paulo, onde treinou, durante a tarde de domingo, no corintiano Parque São Jorge. O relógio já passava das 22h45 quando o avião colorado finalmente partiu rumo à nação norte-americana. Na bagagem, junto das energias positivas irradiadas pela torcida, o técnico Celso Roth levava séria interrogação. Sem Tinga, suspenso após injusta expulsão diante do São Paulo, o comandante teria de escolher um único substituto entre Andrezinho, Giuliano e Wilson Mathias. A final estava cada vez mais próxima!

“Estamos concentrados para este confronto. O pensamento é de retornar para Porto Alegre com um resultado positivo. Todos aqui sabem da relevância que tem levantar uma taça como essa”

Renan, durante a viagem


Desafio sintético


Construir uma grande atuação na finalíssima não era tarefa simples. Embora as coincidências entre as campanhas de 2010 e 2006 servissem de alento, diversas novidades inusitadas perturbavam o sono da torcida colorada. No México, o Inter encararia, no Estádio Omnilife, o desafio de atuar em gramado sintético. Também por isso, o Clube do Povo obteve, junto à CBF, o adiamento de sua rodada do final de semana válida pelo Brasileirão. Assim, ganhava mais tempo para se adaptar às exigências do piso guadalajarense.

Verdade seja dita, afora o gramado o Inter não tinha motivos para reclamar do palco da partida. Moderno, aconchegante e muito bonito, o Estádio acabara de ser inaugurado. O duelo entre Colorado e Chivas, inclusive, seria apenas o segundo da história do Omnilife, sucedendo o inaugural amistoso disputado pelo time da casa contra o Manchester United. Ocorrido no dia 30 de julho, o festivo embate foi encerrado com triunfo local por 3 a 2.

O Inter teve seu primeiro contato com o tapete mexicano no dia 9 de agosto, data em que comemorava quatro anos da inesquecível vitória sobre o São Paulo, no Morumbi, conquistada na abertura da decisão da Libertadores de 2006. No Omnilife, Celso Roth comandou treino em campo reduzido, dividindo o grupo em três times. Um dia depois, o Clube do Povo encerrou a preparação para o duelo diante do Chivas com novas atividades realizadas no palco da final. Faltavam míseras 24 horas para o confronto.


Rival mobilizado


Hoje, a humanidade encara com braveza e mobilização a pandemia de Covid-19. Inimigo invisível, o novo coronavírus já vitimou mais de 730 mil vidas, uma centena de milhares apenas no Brasil. Sem precedentes na história recente da humanidade, a doença tem revolucionado o modo de vida das mais diversas sociedades. Há 11 anos, contudo, o México também encarava grave crise sanitária, esta causada por uma epidemia, localizada, mas também aterrorizante, de Febre Amarela.

Chivas na Libertadores de 2010/Foto: Divulgação, MedioTempo

O caos na saúde do país obrigou Chivas e San Luis, as equipes mexicanas presentes nas oitavas de final da Libertadores de 2009, a abandonarem o torneio. Como contrapartida, estas receberiam vaga para a mesma fase da competição no ano seguinte. Desta forma, o time de Guadalajara disputou apenas seis partidas continentais antes de chegar à decisão contra o Inter.

No caminho até a final, os comandados de José Luis Real superaram, respectivamente, Vélez Sarsfield, da argentina, Libertad, do Paraguai, e os chilenos da La U, comandada por Jorge Sampaoli. Assim, descansado e credenciado por breve – e brava – campanha, o adversário colorado chegava ao último capítulo de luta pela taça.

Federado à CONCACAF, o norte-americano Chivas Guadalajara sabia que, mesmo triunfo sobre o Inter, não garantiria vaga no Mundial de Clubes. Integrante da CONMEBOL, portanto, o Clube do Povo já tinha participação assegurada no maior torneio interclubes do planeta. A impossibilidade de disputar o certame internacional, todavia, em nada diminuía a empolgação dos mexicanos, que sonhavam dia e noite com a taça da Libertadores. No país, o adversário colorado contava com a simpatia da maioria dos rivais, assumindo-se, assim, enquanto representante de todo o México.

“O campo deixa a bola rápida e eles têm a velocidade como principal característica.”

Alecsandro, em Guadalajara

Dentro de campo, eram muitas as armas do adversário. Forte no contra-ataque, o Chivas estava invicto no segundo semestre de 2010, e contava com os ameaçadores Bautista e Omar Bravo na linha de frente. Vivendo bom momento, a equipe estaria apoiada por mais de 50 mil pessoas, multidão que prometia atordoar as tramas coloradas. Um duelo inesquecível, sem sombra de dúvidas, estava por começar.


Futebol solto para libertar a América


No gol, pela terceira vez consecutiva na Libertadores, Renan. Em frente ao arqueiro, Nei ocupava a faixa direita, Kléber a esquerda e Bolívar e Índio o centro. Abrindo o meio de campo, Sandro e Guiñazú, afinados como poucos volantes estiveram na história colorada, davam tranquilidade à defesa e, simultaneamente, sustentação ao ataque.

Pela direita da linha de três meio-campistas, D’Alessandro vestia a 10. No flanco esquerdo, Taison levava a 7. Por dentro, substituindo Tinga e dando fim ao mistério, Giuliano empunhou a 11. Completando o escrete escalado por Celso Roth, Alecsandro, com a 9, entrava em campo pela 100ª vez com o manto alvirrubro. O Inter estava pronto para a decisão!

Os 11 heróis de Guadalajara/Foto: Divulgação

O Inter começou a partida controlando a posse de bola. Quando não tinha controle sobre a redonda, a equipe colorada encurralava o Chivas, impedindo aos mandantes o direito de trocar mais de três passes. Visivelmente, os dois dias de trabalhos no gramado sintético surtiam efeito na mecânica do Clube do Povo, que não sofria com os distintos piques e velocidade tomados pela bola no piso do Omnilife.

Como de costume, D’Alessandro coordenava cada movimento da região nevrálgica colorada. Afinado com Giuliano, alternava entre o flanco direito e a zona central, construindo combinações tanto com o camisa 11 quanto com Nei. Pela esquerda, Taison e Kleber exibiam entrosamento cada vez maior. Veloz e dono de grande habilidade para o drible, o jovem atacante caía com frequência sobre a linha lateral, abrindo vazio perfeito para as infiltrações do construtor companheiro canhoto. Exatamente a partir de tabela da dupla, o Inter criou, aos 4, a primeira chance da noite. Lançado pelo 7, o lateral invadiu a área e finalizou aberto. A bola explodiu no poste e saiu pela linha de fundo!

“Realmente estou muito motivado. Foi muito bom ter chegado a um clube como o Internacional, que sempre está disputando títulos. Meu pensamento é de retribuir isso sagrando-se campeão contra o Chivas. Quero saber qual é o gosto de vencer uma Libertadores.”

Não existia porquê o Inter adotar postura descontrolada no ataque. Contando com jogadores de altíssimo quilate, o Clube do Povo podia se dar ao luxo de dominar a partida sem a necessidade de imprimir ritmo excessivamente intenso. Atuando em casa, o Chivas sabia da importância de largar em vantagem e, esperava-se, cederia espaços em busca de um gol. Assim, o Colorado tratava de cozinhar o jogo, não oferecendo qualquer espaço para os mexicanos, e aguardar pela escapa fatal, que quase chegou aos 28.

Taison, Alecsandro e Giuliano trocaram passes em velocidade para chegar às cercanias da área mexicana. Na altura da meia-lua, o camisa 7 recebeu do centroavante e driblou Reynoso, capitão do Chivas. A cria do Celeiro, porém, não conseguiu finalizar a jogada devido a carrinho do zagueiro rival.

Falta perigosa, foi cobrada, com grande precisão de parte do camisa 9, direto no travessão do goleiro Luis Michel. Perceptível no banco de reservas colorado, a lamentação ficou ainda maior depois que Alecsandro sentiu lesão muscular e precisou ser substituído. Em seu lugar, veio Everton a campo.

Alecsandro participou ativamente dos 30 minutos que disputou da partida/Foto: Divulgação

Inalterado o panorama da partida permaneceu até os minutos finais do primeiro tempo. Percebendo que o corredor esquerdo vinha rendendo grandes frutos ao Colorado, Giuliano passou a construir, pelo flanco, dobradinha tão insinuante quanto a que possuía ao lado de D’Ale. Aos 41, foi exatamente o camisa 11 quem, de calcanhar, acionou Kleber. Rente à linha de fundo, o lateral teve tempo para dominar, pensar e, passados bons segundos, cruzar bola açucarada para Taison, que chegou cabeceando. Batido no lance, o goleiro muito comemorou o corte providencial de seu zagueiro.

Pouco depois, aos 45, Bautista, até então sumido no jogo, anulado por excelente marcação individual de Sandro, recebeu cruzamento da direita e, por cobertura, marcou de cabeça. Criminosa injustiça, a bola na rede foi a única de um primeiro tempo marcado por supremacia total alvirrubra. Para a etapa final, seria necessário manter o controle da partida, é claro, mas revolucionar a postura na linha de frente. Mais do que ingrato, o revés era inaceitável.


Virada absoluta


O gol não abalou o Inter. De volta para o segundo tempo com os mesmos 11 nomes que encerraram a etapa inicial, o Clube do Povo finalizou pela primeira vez, com Giuliano, logo aos 50 segundos. Menos de cinco minutos depois, o talismã colorado na Libertadores de 2010 derivou do centro para a direita e, lançado por Nei, cruzou, já dentro da área, rasteiro. Antes de Everton, Luis Michel foi ao chão para defender.

Mais ofensivo, o Inter também passou a correr maiores riscos na defesa. Aos 9, por exemplo, Omar Bravo, jogador que marcou época na Seleção Mexicana, pegou a sobra de corte parcial e, de fora da área, chutou cruzado. A bola assustou Renan, mas saiu em tiro de meta. Taticamente, Roth inverteu Giuliano e D’Ale, acrescentando velocidade ao corredor direito e maestria à zona central. Responsável também pelas bolas paradas, o craque e camisa 10 colorado aplicou lindo La Boba, aos 12, e cruzou para o 11, que testou por cima. A dupla, ficava claro, começava a assumir, no lugar do flanco esquerdo, o protagonismo das tramas ofensivas alvirrubras.

O Chivas cresceu no jogo ao longo da segunda dezena de minutos da etapa final, aumentando seu percentual de posse de bola e, especialmente, a frequência com que ocupava a intermediária ofensiva. Maduro, o Inter respondeu com precisão milimétrica à simpatia dos mexicanos pelo jogo. Primeiro, aos 23, D’Ale mandou um canhotaço que tirou tinta do travessão rival. Depois, aos 26, Sobis entrou na vaga de Everton. A alteração, registre-se, aconteceu imediatamente após excelente cruzamento de Kleber passar reto pelo atacante, que mais cedo entrara na vaga de Alecsandro, e por Giuliano. A sorte, contudo, não voltaria a sorrir para os rivais daquela noite.

Rafael Sobis é um legítimo Senhor Libertadores. Revelado pelo Celeiro de Ases, o atacante conhece os atalhos da competição como poucos. Vestindo a camisa colorada, então, torna-se fatal especialista. Em sua primeira participação no confronto, o camisa 23, caindo pela direita, recebeu arremesso lateral de Nei. Genial, demonstrou a mesma sagacidade que exibira na primeira partida da decisão de 2006, contra o São Paulo, para matar dois marcadores com imprevisível corta luz.

Com espaço, o menino de Erechim avançou para as proximidades da grande área, cortou para dentro e, de trivela, inverteu jogo com o Guiñazú, livre. De Cholo ela seguiu até Kleber, que cruzou da altura da quina do retângulo mexicano. Açucarada, a bola encontrou a cabeça de Giuliano, posicionado exatamente sobre a marca do pênalti. Desta vez, ele não perdoou. Desta vez, o talismã artilheiro mandou testaço preciso para as redes guadalajarenses. Tudo igual no Omnilife!

Giuliano? Empatou/Imagens: Rede Globo

O empate devolveu ao Inter a tranquilidade exibida na etapa inicial. Somava-se agora, ao jogo de autoridade desempenhado pelo Colorado, o brilho de Sobis. Atuando como referência no ataque, mas tendo a costumeira liberdade para se movimentar e fazer combinações com Taison, o ídolo vermelho tabelou, aos 29 minutos, com outra divindade de nossa história. D’Alessandro, também centralizado, recebeu do parceiro e percebeu Giuliano na direita. O camisa 11 dominou, costurou, esperou e, na hora certa, soltou para Nei, que somente deixou de invadir a área por conta de puxão do lateral Fabián. Falta, quase pênalti, em favor do Clube do Povo.

Responsável pela cobrança, D’Ale, tirando proveito do ângulo ideal para uma batida fechada, tentou cobrar direto. Reboteada pela barreira, a posse retornou ao domínio do 10 colorado. Na quina da grande área, como também estivera Kleber mais cedo, mas agora pela direita, o craque, danado, usou do La Boba para ganhar espaço.

Com o drible, abusou da precisão de sua canhota. Aberto, o cruzamento encontrou Índio que, de cabeça, serviu Bolívar. Entre o retângulo menor e a marca do pênalti, o capitão alvirrubro, como se fora um centroavante, desferiu inesquecível peixinho. Afobado em sua saída de gol, o arqueiro nada pôde fazer. Picando, a bola beijou as redes do Chivas. Virávamos.

Bolívar, de sua parte, virou/Imagens: Rede Globo

A caminhada do Colorado como visitante na Libertadores de 2010 servia, até aquele momento, de antítese perfeita à impecável campanha construída pelo Clube do Povo no Beira-Rio. O Inter, nas seis jornadas que disputara longe do Gigante, ainda não conquistara triunfo algum. Motivo para nervosismo? Não ao calejado elenco alvirrubro, que, demonstrando péssimos modos, impediu qualquer novo sorriso dos donos da casa. Os 15 minutos finais correram rapidamente. Apenas as faltas cavadas pelo impiedoso D’Alessandro, ou a entrada de Wilson Mathias, na vaga de Taison, interromperam o correr da bola. Nervoso, o Chivas não conseguia assimilar a virada alvirrubra. Em um piscar de olhos, de vencedores passaram ao posto de vencidos.

“Tivemos muita disposição e qualidade. Mesmo jogando fora de casa, conseguimos criar muitas oportunidades. Agora vamos fazer um bom jogo no Beira-Rio para fechar a campanha com chave de ouro”

Bolívar, após a partida

O terceiro dos últimos três sopros de apito desferidos pelo argentino Héctor Baldassi chegou aos 47 minutos e 58 segundos. O estridente som, muito comemorado, oficializou mais uma coincidência entre as histórias de nossas conquistas continentais. De novo, vencíamos os primeiros 90 minutos da decisão. Uma vez mais, fora de casa. Novamente, por 2 a 1. Para encerrar a lista de encontros, restava, apenas, a taça. Ansiosas as noites que dormimos até a chegada dela. Em uma semana o Beira-Rio ergueria, uma vez mais, o principal troféu da América do Sul.

No horizonte colorado, despontava um Beira-Rio lotado e um continente por ser liberto/Foto: Ricardo Duarte

Vantagem de fogo: com show da torcida, há 10 anos Inter vencia o São Paulo nas semis da Libertadores

Dono de um elenco formado por jogadores selecionáveis e abrilhantado por nosso Eterno Capitão, o adversário era tido como favorito. Responsável por construir a segunda melhor campanha da fase de grupos, ele teria a vantagem de decidir em seus domínios a vaga para a final. Cenário, para muitos, completamente adverso. Para o Inter, motivador. Apostando na força de nossa casa, explorando a qualidade de um grupo sedento pela América e abusando das superstições, largamos na frente no caminho rumo à decisão. Há 10 anos, Clube do Povo e São Paulo abriam as semifinais da Libertadores!


A Campanha colorada


O Colorado construiu campanha segura nos grupos da América. Invicto, conquistou três vitórias sob o comando de Jorge Fossati, além de empatar as rodadas que disputou fora de casa. Com 12 pontos, avançou para as oitavas, quando sofreu o primeiro baque – duro.

O Inter abriu a fase eliminatória encarando o Banfield, fora de casa. No alçapão Florencio Sola, os mandantes, beneficiados por seguidos erros de arbitragem, marcaram três vezes, mas Kleber, que depois seria injustamente expulso, anotou valioso gol para o Colorado. Assim, embora retornasse a Porto Alegre na obrigação de triunfar, o Clube do Povo poderia garantir a vaga com uma nem tão improvável vitória por 2 a 0 – exatamente o que aconteceu. Regido por D’Alessandro, o Beira-Rio explodiu com Alecsandro, no primeiro tempo, e Walter, no início da etapa final, para comemorar, em êxtase, a classificação para as quartas.

A luta por vaga entre as quatro melhores equipes do continente foi aberta no Beira-Rio. De um lado, o Inter, embalado pela recente classificação. Do outro, o Estudiantes, atual campeão da América. Reedição da final da Sul-Americana de 2008, torneio vencido pelo Clube do Povo, o confronto foi encerrado, em seus 90 primeiros minutos, com triunfo alvirrubro. Já nos instantes finais, Sorondo marcou, de cabeça, o único gol da noite gaúcha.

Na semana seguinte, o Estádio Centenário, em Quilmes, recebeu a partida de volta. Incendiado por sua torcida, o Estudiantes adotou postura agressiva desde o apito inicial e, liderado por Verón, conseguiu abrir 2 a 0 antes dos 25 minutos de jogo. O resultado foi mantido, mais uma vez, até os últimos instantes, iludindo a torcida da casa, que com sinalizadores festejava a iminente classificação. Para a infelicidade destes, porém, Walter, após dominar lançamento de Abbondanzieri, aguardou a chegada de um segundo marcador para lançar Andrezinho. Inteligente, o meia se livrou de adversário e ganhou espaço para pensar, ao mesmo tempo em que Giuliano se projetou sobre a retaguarda rival. Percebido, o talismã recebeu a assistência e, no meio da neblina de fogos de artifício, iluminou o caminho colorado rumo ao topo da América. Gol do Inter, vaga também!


Novo semestre, velhos conhecidos


Em virtude da disputa da Copa do Mundo da África do Sul, a Libertadores foi paralisada após o encerramento da fase de quartas de final, ocorrido ainda em maio. A retomada da competição, principal do continente, levaria mais de dois meses para acontecer. Antes do Mundial, cinco rodadas do Brasileirão ainda seriam jogadas, sequência que, nos arredores do Beira-Rio, era tida como fundamental para dar continuidade ao embalo do elenco alvirrubro. As expectativas, todavia, foram frustradas e, como consequência, Jorge Fossatti deixou o comando do Clube do Povo. Em seu lugar, assumiria Celso Roth.

O novo comandante foi oficialmente anunciado em 12 de junho, apenas seis dias após a disputa da rodada anterior à Copa do Mundo. Pouco depois, no dia 18, o elenco colorado se reapresentou para dar início à intertemporada. Entre os atletas, três reforços chamavam a atenção: Oscar, promessa vinda do São Paulo, e os velhos conhecidos Renan, goleiro, e Tinga, meio-campista. Oxigenado, o grupo ainda receberia, no mês de julho, outro jogador que já ostentava linda história no Clube do Povo. Rafael Sobis, grande herói da vitória por 2 a 1 sobre o São Paulo, na abertura da decisão da Libertadores de 2006, retornou ao Inter ansioso para conquistar o Bicampeonato.

Encorpado por Sobis e Tinga, o Inter passava a contar com praticamente todos os atletas que haviam marcado na decisão de quatro anos antes. Restava “apenas” Fernandão, atacante que também iria a campo nas semifinais continentais. Desta vez, para enfrentar o Colorado, integrando o poderoso elenco do São Paulo. Ao seu lado estavam nomes como Dagoberto, Marlos, Hernanes, Richarlyson, Miranda, Cicinho, Rogério Ceni, Alex Silva, Jorge Wagner e Ricardo Oliveira.

O Tricolor paulista gozava de grande prestígio junto à crítica nacional. Após encerrar a fase de grupos com a segunda melhor campanha da Libertadores, somando 13 pontos de 18 possíveis, a equipe do Morumbi eliminou, nas oitavas, o Universitário-PER, embate decidido nas penalidades. A vítima seguinte foi o Cruzeiro, que sucumbiu tanto no Mineirão, quanto na capital paulista, ambos confrontos finalizados em 2 a 0 para o São Paulo. Um grande duelo, portanto, despontava no horizonte.


Julho otimista


O Inter voltou aos gramados em grande estilo. Antes de entrar em campo pela Libertadores, o Clube do Povo, que durante a intertemporada conquistara, sobre o Peñarol, a Taça Fronteira da Paz, encarrilhou quatro vitórias consecutivas no Campeonato Nacional. A primeira vítima foi o Guarani, seguido por Ceará, Atlético Mineiro e, enfim, Flamengo. Dos triunfos, dois aconteceram no Beira-Rio, enquanto Galo e Bugre foram derrotados em seus domínios.

Os resultados positivos consagraram as alterações realizadas na equipe titular, motivando os jogadores a acreditarem no novo trabalho. A variação de esquemas, por exemplo, antes regra, foi abandonada. No lugar da alternância entre três zagueiros, fora de casa, e duas linhas de quatro, no Beira-Rio, o Inter se aproximou de uma grande tendência que começava a surgir no futebol do início dos anos 2010: o 4-2-3-1. Taison, que após um 2009 de altíssimo nível vinha figurando no banco de reservas, ganhou nova chance entre os 11 iniciais, agora atuando pela esquerda. Na função, foi eleito o melhor jogador contra Guarani e Flamengo, partidas nas quais também balançou as redes.

Tinga também ganhou minutos na região central, valiosos para estabelecer entrosamento com D’Alessandro, o maestro do time, encarregado de circular entre o meio e, principalmente, a direita, seu corredor preferido. Na frente, Alecsandro foi mantido, enquanto Índio, na zaga, ganhou, em definitivo, o lugar de Sorondo, lesionado. Por fim, Renan garantiu, no final de semana anterior à jornada continental, a titularidade da meta colorada.

Tradicionais na história alvirrubra, as peças pregadas pelo destino se fizeram presentes antes da abertura das semifinais da América. Arrasador, Tinga parecia ser o titular necessário para o Clube do Povo encarar o São Paulo. A 10 minutos do fim do duelo contra o Flamengo, contudo, o meio-campista precisou ser substituído com dores na perna direita. Constatado edema na coxa, virou desfalque para o embate continental. As atenções, assim, voltavam-se ao trio Giuliano, Wilson Mathias e Andrezinho. Afinal de contas, quem iniciaria a jornada diante dos paulistas?


As Ruas de Fogo


Porto Alegre jamais havia presenciado festa igual à organizada pela torcida colorada naquele mágico 28 de julho. Decidido a jogar com o Inter desde muito antes do primeiro apito, o povo vermelho queria fazer a diferença. Durante os 90 minutos, sabia-se, gramado e cimento teriam de estar perfeitamente sincronizados, em matrimônio. Nada melhor, portanto, do que selar a união ainda no asfalto da Padre Cacique.

Quem pôde, abriu mão de viver naquela tarde de quarta-feira. Toda ela foi encarada como prólogo de uma épica batalha, que teria seu primeiro capítulo disputado em gigante templo. Nos arredores do Estádio, muito mais intenso do que o passar dos minutos era o caminhar da multidão, que não parava de crescer. Praticamente todo colorado e toda colorada partiram para o Beira-Rio vestindo vermelho, carregando uma bandeira e munidos de sinalizadores.

Nos dias que antecederam a partida, a torcida se programara para recepcionar de maneira inédita o ônibus colorado, criando o evento ‘Ruas de Fogo’. A partir dele, seria organizado, da entrada do pátio do Beira-Rio até a porta dos vestiários, um túnel vermelho, de artefatos pirotécnicos e fogos de artifício, responsável por acender o caldeirão alvirrubro. Em chamas nossa casa abraçaria seus heróis, aquecendo cada um dos escalados para o duelo da noite.

Por mais audaciosos que fossem, os planos do povo alvirrubro se provaram humildes quando comparados ao ambiente criado para o desembarque da delegação do Inter. A partir da chegada do ônibus ao pátio do Gigante, nada mais pôde ser visto. Incendiária, a Avenida Padre Cacique se converteu em um portal, transportando atletas e torcedores para um ambiente sagrado. Da cidade, partiram em direção a um verdadeiro um oásis, que de miragem não tinha nada. Nos braços de sua gente, o Colorado foi conduzido até os portões do paraíso. Faltava pouco para adentrarem, juntos, na eternidade.

Na 12, Bandeirão desfraldado. O mais afinado sopro de metais soando na Fico. Rubros sinalizadores emoldurando a Nação, e bandeiradas incessantes da Força Feminina. Na curva do sul da Popular, delírio total. Em cada canto ocupado pelas 48.166 pessoas presentes no estádio, euforia. Sem parar de cantar, o Beira-Rio viveu a entrada do Clube do Povo, seu melhor amigo, em campo. Fora das quatro linhas, a vantagem era grande, e vinha sendo honrada há algumas horas. Agora, chegava o momento de ser presenciada também no gramado verde do Gigante. Era noite de Libertadores, de semifinal de Copa. Era noite de Inter. Dale, Colorado!


Atuação de gala


Renan; Nei, Bolívar, Índio e Kleber; Sandro, Guiñazú, Andrezinho, D’Alessandro e Taison; Alecsandro. Estes foram os 11 escolhidos por Celso Roth para representar o sonho de milhões de colorados e coloradas espalhados pelo planeta. Um a um, tiveram seus nomes ovacionados pelo Estádio, que trepidou com especial sinergia durante os inesquecíveis cantos de Guiñazú e D’Alessandro. Do outro lado, Ricardo Gomes escalou Ceni; Alex Silva, Miranda e Richarlyson; Jean, Rodrigo Souto, Hernanes, Marlos e Júnior César; Dagoberto e Fernandão.

Confira especial da Rádio Colorada sobre a partida:

Empurrado por sua gente, que implorava pelo Campeonato e por ele afirmava estar disposta a dar a vida, o Inter tentou encurralar os paulistas desde cedo. Para tanto, contava com a agressividade de Taison, pela esquerda, e a genialidade de D’Alessandro, aberto na direita. No meio, Andrezinho percorria toda a intermediária, ajudando na transição ofensiva.

De modo a confundir a defesa adversária, André e D’Ale, sempre próximos na região central, trocavam constantemente de posição. Acompanhando a dupla estava, de longe, Nei, encarregado de oferecer amplitude, permanecendo em cima da linha lateral. Na esquerda, era Taison quem jogava aberto, explorando o flanco como um legítimo ponteiro, enquanto Kleber tinha liberdade para se aproximar dos armadores e apoiar na construção de jogadas.

Por sua vez, o São Paulo, completamente retraído no campo de defesa, variava, a partir dos recuos de Jean e Júnior, da ala para a lateral, e de Dagoberto para a meia-direita, do 3-5-2 para o 5-4-1. Na frente, um isolado Fernandão era constantemente acionado a cada falta, lateral ou mesmo tiro de meta, mas sofria para fazer o pivô em meio aos amigos Bolívar e Índio, conhecedores da genialidade do atacante.

O jogo de ataque contra defesa funcionou para os visitantes ao longo do primeiro terço de partida. Embora inexistente no campo ofensivo, o São Paulo dificultou as tramas da linha de frente colorada, colhendo frutos com seu ferrolho. Madura, porém, a equipe alvirrubra soube se adaptar às circunstâncias do embate, e passou a apostar em cruzamentos e arremates de longa distância, armas que garantiram as primeiras boas chegadas do Inter. Das arquibancadas, simultaneamente, a torcida fazia questão de tranquilizar seus atletas, afirmando que, haja o que houver, seguiria fiel no apoio, independente do que passasse.

Toda a imprevisibilidade que faltara ao Inter nos instantes de abertura da partida, e que começara a surgir a partir dos 15 minutos, aflorou na segunda metade da primeira etapa. O responsável, como não poderia deixar de ser, foi o grande craque daquela Libertadores: Andrés Nicolás D’Alessandro. Gênio, ídolo, amor ou divindade, trate-o como quiser, o argentino, um dos maiores de nossa história, assumiu o papel de protagonista que dele se esperava. Travesso, convidou os marcadores para o dramático bailar do tango, e passou a percorrer toda a extensão do campo, causando um alvoroço nos desorientados beques que, atordoados, deram espaços aos outros craques vermelhos.

Consicente da necessidade da vitória, o Clube do Povo seguiu martelando até o apito final, que encerrou um primeiro tempo de placar em branco no Beira-Rio. Resultado que passava longe do ideal, o empate não conseguiu retratar, na frieza de seus números, a superioridade alvirrubra, mas nem por isso foi lamentado.

O Colorado partiu para os vestiários ainda mais preparado para buscar o triunfo, como comprovou o primeiro minuto sucessor ao intervalo. Embalado por estridente ‘Vamo, Vamo, Inter’, Andrezinho pegou a sobra de tabela entre Taison e Kleber e, da esquerda, bateu colocado, com curva, exigindo milagre de Ceni.

Torcida deu espetáculo nas arquibancadas do Beira-Rio/Foto: Divulgação

Definitivamente, Taison viveu uma noite inspirada contra os paulistas. O camisa 7, que seria escolhido pela torcida o melhor em campo, não se satisfez com a boa exibição que construira na etapa inicial e retornou a campo ainda mais inquieto. Aos cinco, o atacante serviu Kleber, que invadiu a área e finalizou abafado por Rogério, grande nome dos visitantes. No lance seguinte, Alex Silva pareceu se inspirar no arqueiro e bloqueou, com a mão, cabeceio de Bolívar. Pênalti claro, ignorado pela arbitragem. O erro colocou ainda mais pólvora no caldeirão da beira do Guaíba, que pedia, uníssono, por uma vitória capaz de honrar a briosa tradição do Rio Grande, e também nosso louco amor colorado.

Tentando oferecer ao flanco direito fôlego equiparável ao visto no corredor oposto, Roth sacou, aos 18 do segundo tempo, Andrezinho. Aplaudido, o meio-campista deu lugar a Giuliano, grande herói da classificação colorada às semifinais. Com o talismã, esperava-se, D’Alessandro voltaria a construir grandes combinações no lado que sempre lhe serviu de melhor morada – e assim aconteceu.

Cheio de gás e iluminado pela mítica camisa 11 que levava às costas, Giuliano conseguiu, logo de cara, injetar novo ânimo na armação colorada. Buscando a bola entre os zagueiros, passou a abrir espaços na zona central de um paredão tricolor que, apostando em encaixes individuais, mostrava-se hesitante para acompanhar a movimentação do substituto. Aos 22, a consequência das dúvidas paulistas foi fatal. Após receber bom passe vertical de Bolívar, o meio-campista abriu o jogo com Nei e fingiu disparar para a ponta. Segundos depois, esbanjou grande agilidade para fintar com o corpo e retornar em direção à intermediária, livre. Novamente acionado, costurou para o meio e tentou servir Sandro. Rebatida pela marcação, a bola sobrou para D’Ale.

El Cabezón é um jogador diferente, não se pode questionar. Capaz de antever inúmeras situações, raramente recebe a bola sem ter certeza de seu próximo movimento. O camisa 10 é um daqueles atletas que transforma segundos em eternidade, centímetros em hectare. Sagaz, o argentino sequer dominou a espirrada sobra da defesa são-paulina e, com a canhota, serviu Alecsandro. Centroavante clássico, especialista no jogo aéreo e dono de grande pivô, o 9 alvirrubro superou a marcação com o corpo, deixando para Giuliano. Como um segundo atacante, o camisa 11 lembrou Sobis para entortar o zagueiro. Perdido no giro do jovem colorado, Miranda por pouco não assistiu, deitado, ao arremate do artilheiro, que, milésimos depois de dominar, soltou a bomba de pé direito. Cruzada, a finalização primeiro beijou o poste de Ceni para, enfim, morrer nas redes paulistas. Inter na frente!

Talismã Giuliano/Imagens: Rede Globo

Em dívida no escore, o São Paulo precisou mudar – e o fez em dobro. Na vaga de Richarlyson, entrou Cleber Santana, reestruturando a equipe em duas linhas de quatro. Já na frente, Dagoberto deu lugar a Ricardo Oliveira. As alterações na nominata, contudo, em nada afetaram o roteiro da partida. Aos 27, D’Alessandro, gozando da mesma liberdade que tivera em seus melhores momentos na etapa inicial, caiu pela ponta-esquerda e aplicou La Boba perfeito para superar a marcação, inclusive colocando a bola entre as pernas de Rodrigo Souto. Com espaço, cruzou forte, fechado. Rogério espalmou, e a sobra foi de Kleber que, embora diante do gol aberto, precisou arrematar com a direita, tirando tinta do travessão. (D’ALE 2)

Como joga, D’Alessandro, por favor!/Imagens: Rede Globo

Embebedada de alegria, a torcida colorada rememorava os inesquecíveis dias vividos ao lado do Inter quando, aos 33, Renan fez sua primeira defesa no jogo, impedindo que chute de Ricardo Oliveira, travado por Bolívar, saísse em escanteio. Minutos depois, com o Gigante em festa e o povo completamente ‘doidão’, Taison desconcertou Alex Silva, invadiu a área e, a centímetros do pequeno retângulo, chutou de direita. Com o pé, Ceni operou mais uma defesa salvadora.

Muito mais do que um vício ou amor, o Rolo Compressor seguiu alucinante. D’Ale aprontou nova La Boba aos 38, desta vez pela direita, e cruzou, de imediatado, buscando a segunda trave. Soberano, Alecsandro subiu muito mais do que Jean e, pisando na pequena área, testou forte, por cima. Logo depois, Fernandinho entrou no lugar de Marlos, enquanto Rafael Sobis, extremamente festejado pelo público que lotava as arquibancadas do Beira-Rio, veio a campo no lugar de Taison. Exaurido, o camisa 7 deixou o gramado de maca, e também recebeu o devido reconhecimento. Já nos acréscimos, Hernanes desferiu o primeiro chute a gol do São Paulo no jogo, seguramente defendido por Renan. Os paulistas ainda desperdiçaram, antes dos 48, instante do apito final, um escanteio, igualmente encaixado pelo goleiro alvirrubro.

Barato para os vistantes, surpreendente para os críticos e festejado pela torcida, o 1 a 0 garantiu importante vantagem para o jogo de volta. É bem verdade que a atuação magistral, somada ao apoio do povo vermelho, mereciam mais, mas a vitória, sem nenhum gol sofrido, mantinha muito vivo o sonho da reconquista continental. No Morumbi, caberia ao Inter fazer, mais uma vez, história contra 70 mil. Felizmente, não existe time mais lapidado para encarar caldeirões do que o Clube do Povo, dono do temido Gigante da Beira-Rio.

Parabéns, Nilmar! Ídolo completa 36 anos; relembre sua trajetória pelo Inter

Nilmar Honorato da Silva é um gigante na história alvirrubra. Nascido em 1984 no paranaense município de Bandeirantes, chegou ao Inter ainda garoto, acreditando, como muitos em nosso país, no sonho da profissionalização no futebol. Hoje (14/07), data em que celebra 36 anos de vida, o craque certamente pode se orgulhar da carreira que construiu por gramados Brasil afora. No Clube do Povo, foi soberbo, e marcou gerações de colorados e coloradas. Confira especial da Rádio Colorada sobre o ídolo e relembre, abaixo, sua trajetória no Beira-Rio:

Sport Club Internacional · Rádio Colorada: Especial Nilmar Honorato

Surge o craque


Honrar posto já ocupado por gigantes como Flávio Minuano, Claudiomiro e Escurinho não é tarefa simples. Nilmar fez parecer. De cria do Celeiro à figura incontestável na lista de maiores atletas da história colorada, o atacante construiu linda biografia com a camisa vermelha. Revelado em 2003 por um Inter que se transformava, tinha a responsabilidade de, junto a seus companheiros, não somente fazer a torcida esquecer do panorama negativo deixado pela temporada predecessora, como também reconduzir o Clube do Povo ao caminho das grandes conquistas.

Foto: Divulgação

Após flertar com o descenso até as últimas rodadas do Brasileirão de 2002, o Inter, sob o comando de Muricy Ramalho, abriu o novo ano apostando no sempre fértil Celeiro de Ases como espinha de uma nova geração. Os gêmeos Diego e Diogo representavam a maior esperança do Clube do Povo, mas não eram as únicas promessas alvirrubras. Na linha de frente, o jovem Nilmar, de 18 anos, também alimentava o sonho de novos dias vencedores no horizonte do colorado, bem como Daniel Carvalho, já frequente entre os titulares desde a temporada anterior.

Foto: Correio do Povo

A história de Nilmar com a camisa vermelha foi oficialmente inaugurada no dia 15 de março. Nesta data, o Inter recebeu o Juventude em partida que encerrou a primeira fase do Gauchão. Titular, o jovem atacante sofreu um pênalti e criou jogada que originou outro, assim desempenhando papel fundamental no triunfo parcial do Clube do Povo, por 3 a 0, conquistado antes mesmo do intervalo. Na segunda etapa, os visitantes até buscaram a igualdade, resultado que, embora lamentado, em nada afetou a classificação alvirrubra para a fase final, feito que garantiu três meses de descanso no Estadual.

A boa exibição diante do Papo ajudou o atleta a ganhar importantes pontos com Muricy Ramalho. Após atuar em confrontos da Copa do Brasil, o atacante fez sua estreia no Brasileirão em duelo contra o Bahia, válido pela terceira rodada do Nacional. O Inter já vencia por 1 a 0 quando, aos 31 minutos da etapa final, Diego arrancou pela ponta direita e cruzou rasteiro para Nilmar, que acabara de entrar, marcar, em sua quarta partida com a camisa colorada, o primeiro gol como profissional. A jovem promessa precisou de apenas mais três jornadas para voltar a balançar as redes, desta vez contra o Vitória, em Salvador. Alçado a campo na segunda etapa, foi o grande nome do jogo, anotando dois dos três tentos alvirrubros no triunfo por 3 a 0 sobre os baianos.

Muito graças ao Celeiro de Ases, o Clube do Povo encerrou o mês de abril vivendo o seu melhor momento nos últimos anos. Entre as promessas que brilhavam, obviamente, estava Nilmar. Habituado a ouvir seu nome gritado pela torcida em todos os jogos do Colorado no Beira-Rio, no dia 18 de maio, contra o Athletico-PR, o jovem fez sua segunda partida como titular alvirrubro. Destaque do confronto, marcou gol no injusto empate de 1 a 1, resultado que em nada transpareceu a supremacia vermelha nas ações do jogo.

Nimar galgou posições na hierarquia do grupo alvirrubro em ritmo comparável apenas ao de suas meteóricas arrancadas. Em junho, já era titular absoluto do time de Muricy, a ponto de disputar – com notoriedade – seu primeiro Gre-Nal, válido pelo Brasileirão e encerrado sem gols. Exatos três dias após o clássico, o atacante produziu, contra o São Gabriel, em duelo de volta das semifinais estaduais, verdadeira obra de arte. O placar de 2 a 0 para o Colorado não parecia satisfazer o inquieto paranaense, que, logo no reinício da partida, invadiu a área adversária pela esquerda, driblou dois marcadores e tocou por cima do goleiro, de cobertura, fazendo delirar a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande. Vitorioso por 4 a 1, o Clube do Povo avançou para a decisão gaúcha, realizada diante do XV de Novembro e iniciada, em Campo Bom, com novo triunfo vermelho, agora por 2 a 0, também marcado por pintura da cria do Celeiro, agora de letra.

A grande fase individual de Nilmar foi recompensada com convocação para a Seleção Brasileira Sub-23 que disputaria, entre os dias 12 e 27 de julho, a Copa Ouro, no México. Antes de se apresentar à esquadra nacional, o jovem conquistou, no terceiro dia do sétimo mês do ano, o Gauchão, segundo consecutivo do Inter, sua primeira taça como profissional e a última comemorada pela saudosa Coreia do Beira-Rio. Com a Canarinho, foi vice-campeão do torneio realizado em território norte-americano, e desfalcou o Clube do Povo ao longo de seis rodadas. No retorno, marcou, contra o São Paulo, no Morumbi, mais um golaço, o seu sétimo na temporada, logo sucedido, na jornada seguinte, por tento marcado sobre o Coritiba.

O elenco campeão gaúcho de 2003. Nilmar é o terceiro da esquerda para a direita

Cada vez mais entrosado com Daniel Carvalho e Diego, Nilmar marcaria, ainda em agosto, seu nono gol pelo Inter. A vítima? O Bahia, exatamente o time que sofrera, no primeiro turno, o tento de número um da carreira do paranaense. Em setembro, como reflexo das artilheiras atuações que vinha construindo ao lado dos companheiros de juventude, a promessa colorada ocupava a sétima colocação na corrida pela Bola de Ouro, tradicional ranking da Revista Placar. Entre os atacantes, o paranaense era o quarto melhor do Brasileirão, e Daniel, seu companheiro, o oitavo.

Imagens: Rede Globo

Não foram só notícias positivas, todavia, que formaram o nono mês do ano para Nilmar, que sofreu delicada injúria no joelho. Inicialmente, o atleta foi preservado de três partidas, voltando aos gramados no dia 4 de outubro, data de empate do Clube do Povo com o Paysandu. Cinco dias depois, contra o Criciúma, o atacante esbanjou oportunismo para, pegando rebote de cabeceio de Jéfferson Feijão na trave, emendar rápido carrinho em direção às redes. O que poderia significar um regresso avassalador, contudo, precisou ser interrompido, uma vez mais, por conta da lesão. O retorno definitivo ocorreu apenas no mês de novembro, em duelo diante do Atlético-MG, fora de casa.

Enfrentando adversário direto na luta por vaga na Libertadores, o Clube do Povo sabia da importância da vitória, e chegou a ela através de Nimar. Como se os 28 dias em que ficara afastado dos gramados fossem revertidos em fome de gols, o atacante deu show no Estádio Independência, abrindo o placar aos cinco minutos de jogo. Aos 14, o artilheiro acertou linda cabeçada para voltar a balançar as redes. Protagonista no triunfo alvirrubro por 2 a 1, foi convocado para a disputa do Mundial Sub-20, que seria realizado, entre os dias 27 de novembro e 19 de dezembro, nos Emirados Árabes. A situação muito desagradou ao Inter, que perderia o atleta, junto de Daniel Carvalho, também chamado, nas três rodadas finais do Brasileirão.

O Clube do Povo bem que tentou, recorrendo à CBF, mas não teve seus anseios atendidos. Sem Nilmar e Daniel, somou quatro pontos nos últimos nove, e terminou o Brasileiro na sexta colocação, a um ponto do Coritiba, quinto, primeiro classificado para a Libertadores. O sonho de retornar à elite continental e finalizar hiato iniciado no ano de 1993, portanto, era adiado. Ao mesmo tempo, a vaga na Sul-Americana servia de grande consolação, capaz de alimentar os sonhos colorados de brilho em terriório latino.


‘Triturante’ homem Gre-Nal


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Marcados por intensa dedicação ao Brasil, os meses último de 2003 e primeiro de 2004 não permitiram descanso para Nilmar. O atacante, primeiro, conquistou o Mundial de juniores, competição na qual anotou três gols e foi um dos destaques. Logo depois, integrou a delegação Sub-23 que disputou o Pré-Olímpico. Em compensação à exaustante maratona de jogos, o jovem recebeu, junto de Daniel Carvalho, seu companheiro nas empreitadas selecionáveis, tempo especial de folga concedido por Lori Sandri, novo comandante alvirrubro.

Já desacompanhado de Daniel, vendido para o futebol russo, Nilmar se reapresentou em 4 de fevereiro. Cinco dias depois, estreou, como titular, na temporada colorada – e o fez em grande estilo. No Beira-Rio, o atacante marcou os dois gols do Inter no empate com o Santa Cruz, chegando a 14 com a camisa do Clube do Povo. Passada menos de uma semana, voltou a campo para participar, ativamente, de empate por 1 a 1 com o Grêmio, no Gigante. O clássico serviu de estreia para Oséas, centroavante que, ao longo do primeiro semestre de 2004, consolidaria-se como dupla ofensiva da jovem promessa alvirrubra.

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Houve quem acreditasse que o Inter seria triturado no Gre-Nal 358, disputado em 7 de março de 2004. Integrante do segundo turno do Gauchão, o clássico esteve marcado, ao longo de toda a semana que lhe serviu de véspera, por relativa arrogância de parte do lado azul, que cantou vitória, por dias, aos quatro cantos. Dentro de campo, porém, o roteiro foi bastante diferente daquele esperado pelos mandantes.

Após Elder Granja abrir o placar na etapa inicial, aos oito do segundo tempo Wellington escapou em grande arrancada pelo meio e lançou Nilmar, nas costas do marcação. Endiabrado como de costume, recebendo bola na medida para aprontar das suas, o jovem velocista, de frente para o gol, dominou de esquerda e, com a direita, tocou na saída do arqueiro. O Inter marcava o segundo, garantindo vitória até diminuída no escore por Christian, mas nem por isso menos comemorada pelos cerca de oito mil colorados e coloradas presentes no campo da Azenha. Com os três pontos, o Clube do Povo praticamente garantia a liderança da Chave B.

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Nilmar também brilhou na segunda fase da Copa do Brasil, marcando os dois gols colorados na vitória por 2 a 0 sobre o Prudentópolis, triunfo suficiente para classificar o Clube do Povo sem a necessidade do jogo de volta. Protagonista, voltou a fazer o Grêmio de vítima no dia 4 de abril, data em que o Inter completou 95 anos de história.

Válido pela decisão da primeira fase do Gauchão, o Gre-Nal 359 foi disputado em Bento Gonçalves, no Estádio Montanha dos Vinhedos, e teve seu placar inaugurado aos 18 do primeiro tempo por Luciano Ratinho, atleta gremista. Persistente, o Inter não se deixou abalar, empatando, 11 minutos depois, com Edinho, em bonito cabeceio. Inalterado ao longo de toda a etapa final, o escore igualado exigiu a disputa da prorrogação.

Com Sobis na vaga de Oséas, o Inter mostrou o porquê de Paulo Paixão, seu preparador físico, ser um dos melhores que já desempenharam a função na história do futebol brasileiro. Voando em campo, ao ritmo da jovem dupla de ataque, o Clube do Povo amassou o rival, que nada pôde fazer quando, aos 22 do tempo extra, Nilmar, em cabeceio milimétrico, venceu Tavarelli. A taça era nossa, assim como a vaga na fase final do Estadual!


Nilmaravilha


Ainda sofrendo para digerir injusto revés sofrido diante do Figueirense, fora de casa, na abertura do Brasileirão, o Inter recebeu, no dia 25 de abril, o Palmeiras, em partida da segunda rodada do Nacional. Na raça, Nilmar marcou, aos 37 da etapa inicial, o único gol da ensolarada tarde gaúcha. Para tanto, o insistente atacante precisou interceptar a saída de jogo do goleiro Marcos e dividir com o arqueiro do Penta antes de mandar às redes. Os três pontos eram alvirrubros!

Imagens: Rede Globo

Nilmar seguiu voando nas rodadas seguintes, cavando pênalti na terceira, contra o Coritiba, e servindo assistência milimétrica para Granja, na quarta, diante do Paysandu. Com os arranques do atacante, o Inter chegou a sete pontos somados em 12 disputados, confirmando o bom início de Brasileirão. No confronto com os paraenses, entretanto, o avante sofreu grave lesão muscular, injúria responsável por retirar a promessa dos gramados por um mês. Em seu retorno, no dia 2 de junho, o Clube do Povo garantiu vaga na decisão estadual após superar, nos pênaltis, o Glória, em duelo realizado no Beira-Rio.

Os patrões do Rio Grande em 2004. Cabeludo, Nilmar está agachado no centro

Junho, dia 6. Sediado em Canoas, o Complexo Esportivo da Ulbra recebeu a finalíssima do Gauchão. Contra os donos da casa, o Inter sofreu para impor seu estilo de jogo, especialmente nos primeiros movimentos. Ao mesmo tempo, a equipe da região metropolitana levava bastante perigo, especialmente em bolas aéreas. Exatamente de um cruzamento, Alex Martins, aos 20, marcou o primeiro gol do jogo, suscitando dúvidas na torcida alvirrubra, mas que pouco duraram.

Recém-chegado ao Clube do Povo, Alex deu uma das primeiras mostras do poderio de sua perna canhota aos 30, quando cobrou falta na cabeça de Oséas. Soberano, o centroavante escorou para a confusão, onde Edinho, avassalador, surgiu fuzilando para as redes. O empate permaneceu até o segundo tempo, marcado por expulsão precoce de Alexandre Lopes, que deixou o Inter com um a menos. Felizmente, Nilmar, um craque já afirmando, mostrou-se capaz de jogar por dois.

Aos 15 minutos, Bolívar costurou da direita para o centro e lançou o atacante em profundidade. Genial, o camisa 11 deixou a bola passar entre suas pernas para então fazer o giro e correr em direção à redonda, que atingiu, antes de goleiro ou zagueiro, já na altura da pequena área. Preciso, com a canhota deu toque sutil para encobrir o arqueiro Rafael e virar o jogo. Inter 2 a 1. Inter, tricampeão estadual, dono do Rio Grande pela 36ª vez em sua história. Nilmar? Escolhido o melhor atacante do campeonato!

Imagens: Rede Globo

Embalado pela coroa gaúcha, Inter esteve sublime na rodada seguinte do Brasileirão. Azar do Galo, que não teve chance diante da exuberante atuação alvirrubra no Beira-Rio. Depois de descer para os vestiários com o placar igualado em 1 a 1, o Colorado desempatou, logo aos 4, com Nilmar, que ganhou na velocidade de Luiz Alberto, driblou o goleiro Eduardo e mandou rasteiro para a cidadela mineira.

Golaço, foi respondido pela torcida com os gritos de “Uh! Terror! O Nilmar é matador!”. O segundo do atacante no jogo, terceiro do Clube do Povo, veio aos 31. Também belíssimo, o tento serviu de antítese perfeita ao anterior, posto que, no lugar do jeito, a promessa usou da força para, da entrada da área, mandar arremate indefensável e garantir a vitória, que ainda foi encerrada, nos acréscimos, por Gavilán.


A breve parceria com o Capitão


Nilmar voltou a sofrer grave lesão após o show diante do Atlético-MG, desfalcando o Inter em sete rodadas do Brasileirão. Voltou à ativa somente no dia 20 de julho, em duelo contra o Corinthians, no Pacaembu. Encerrado com o placar em branco, o confronto teve como grande destaque a composição do ataque colorado, também formado por Fernandão, recém-chegado e já credenciado pelo Gol Mil, e Sobis, cada vez mais afirmado.

O técnico alvirrubro, diga-se, também era outro: no lugar de Lori, Joel Santana. Na volta de Nilmar ao Beira-Rio, a assistência do atacante para Danilo acabou ofuscada por infeliz revés diante do Juventude, vencedor por 2 a 1. O reencontro com as redes, em compensação, foi muito festejado. Aos 42 da etapa final, o atacante completou, de cabeça, cruzamento de Gavilán, virando para o Inter sobre o Paraná e encerrando um jejum de seis partidas sem vitória.

Imagens: Rede Globo

Imagens: Divulgação/CBF

O gol marcou, em definitivo, o início de nova fase iluminada na carreira do artilheiro. Primeiro, no dia 13 de agosto de 2004, Nilmar foi convocado para a Seleção Brasileira que disputaria, em Porto Príncipe, amistoso contra o Haiti, naquele que ficou conhecido como o ‘Jogo da Paz’, responsável por catapultar forte campanha desarmamentista em país que se encontrava mergulhado em grave crise política.

Já com a camisa colorada, o bom momento foi comprovado em partida contra o Figueirense, realizada no Beira-Rio. Imparável, Nilmar participou do tento de Fernandão, segundo da jornada, e ainda marcou dois na vitória por 4 a 0 sobre os catarinenses – o último de letra. Verdadeira obra de arte, a pintura correspondeu à 25ª bola na rede do artilheiro pelo Inter, e serviu de carimbo perfeito no passaporte do atacante que, do Gigante, partiu direto para a concentração da Seleção. Com o Brasil, inclusive, o craque também anotaria gol, o sexto no festivo triunfo sobre os caribenhos.

Desfalque na jornada de meio de semana válida pelo Brasileirão, Nilmar retornou para Porto Alegre em tempo de defender o Inter, contra o Coritiba, em confronto da terceira rodada do returno nacional. Na ocasião, formou dupla de ataque com Fernandão, e assistiu, de posição privilegiada, à bicicleta inesquecível do camisa 9, que abriu o placar no empate de 1 a 1. Breves 72 horas depois, o craque voltou a campo para, com o Clube do Povo, estrear na Sul-Americana.

Modorrenta, a igualdade sem gols com o Figueirense, em Florianópolis, serviu de injusto ponto final à empolgante e avassaladora primeira passagem de Nilmar pelo Inter, oficialmente terminada no dia 28 de agosto, quando o Clube do Povo oficializou a venda do atacante para o Lyon-FRA. De coração partido, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande se despediu do craque entristecida, é claro, mas também convicta de que aquele não era um adeus, e sim até logo. Em breve, todos sabiam, o gramado do Beira-Rio reencontraria um de seus mais letais avantes. Nosso tapete, era fato, não aguentaria muito tempo longe de um dos maiores nomes nele escrito.


O retorno


Poucos atletas simbolizam o crescimento vivenciado pelo Inter na primeira década do século XXI com precisão comparável a Nilmar. Personificação ideal do gigantismo colorado, o atacante possui trajetória com a camisa alvirrubra que se confunde à história que trilhamos rumo ao topo. Curiosamente, exibe este posto mesmo sem ter participado das principais conquistas do Clube do Povo nos anos passados. Pelo menos, dentro de campo. Afinal, torcedor que é, jamais esteve completamente afastado do Beira-Rio.

“Comecei com 18 anos aqui.

Agora estou de volta, mais maduro

e consciente de que é preciso

dar ao máximo cada dia.

Me sinto em casa.”

NILMAR, NO RETORNO AO INTER

Na exata temporada em que Nilmar foi negociado, o Inter voltou a frequentar a elite do futebol latino, brilhando na Sul-Americana. Simultaneamente, o atacante dava seus primeiros passos por campos europeus, sempre na luta por vaga na Seleção Brasileira. Três anos depois, o craque retornou para sua casa, sediada no mesmo número 891 da Padre Cacique, mas completamente revolucionada em sua estrutura interna, agora campeã de América e Mundial. Boa parte das mudanças, inclusive, consequência do valor arrecadado pelo Clube com a negociação do atacante. Também ele, diga-se, era outro. Antes revelado como parte de geração promissora, agora desembarcava em Porto Alegre com o status de estrela, responsável por formar, junto de Fernandão e Iarley, uma nova linha de frente multicampeã com o Alvirrubro.

Nilmar foi oficialmente apresentado como reforço colorado no dia 17 de setembro de 2007. Encarando o estágio final de recuperação de cirurgia no joelho, o atacante sabia que, embora a velocidade fosse sua principal característica, desta vez era a cautela sua melhor aliada. Com ela, em menos de 30 dias realizou seu primeiro treino com bola e, na abertura de novembro, mês seguinte, estava relacionado para uma partida. Diante do Vasco faria, no dia 4, sua reestreia.

E que atuação! Todos acreditavam que a reestreia aconteceria apenas no segundo tempo, menos Abel. O comandante colorado, que escalou o Inter no 3-5-2, com Nilmar e Iarley formando dupla ofensiva municiada por Fernandão, teve sua ousadia recompensada cedo. Logo aos 7, o novo reforço alvirrubro superou a marcação com linda finta de corpo e, cara a cara com o goleiro, tentou por cobertura, por cima. Aos 14, o atacante desarmou o zagueiro adversário na entrada da área e driblou o arqueiro, mas, por detalhe, chegou atrasado para a finalização. Um minuto depois, decidiu ser garçom, e serviu assistência açucarada para Fernandão abrir o placar.

“O talento do Nilmar é incrível.

Ele é fora de série.

Com o que joga, merece Seleção”

FERNANDÃO, APÓS PARTIDA CONTRA O VASCO

Nilmar seguiu jogando em alto nível, apesar da forte chuva que caía em São Januário, até os 15 minutos da etapa final, quando foi sacado para a entrada de Roger. Do banco, viu seu substituto cavar pênalti convertido pelo Eterno Capitão, gol que garantiu importante triunfo. Empolgante, a atuação do craque foi escolhida pela torcida como a melhor da vitória colorada. Animadas, quase 30 mil pessoas encheram as arquibancadas do Beira-Rio para prestigiar o retorno oficial da cria ao Gigante, ocorrido em duelo contra o Cruzeiro.

“Está passando um filme na minha cabeça. Toda vez que vou treinar, olho para a concentração onde morei aqui no Beira-Rio. Aprendi a valorizar muito este clube. Vai ser um jogo especial para mim!”

Nilmar sobre a reestreia no Gigante

Dentro de campo, Nilmar atuou durante toda a primeira etapa, causando estresse à defesa mineira. Sacado no intervalo, comemorou, do banco de reservas, o gol de Alex, único da partida, marcado nos acréscimos do confronto. A aparição contra o Cruzeiro, inclusive, foi a última do atacante na temporada, uma vez que, com incômodo no ombro, o camisa 7 não participou das duas últimas partidas do Clube do Povo no ano, de modo a garantir que, no retorno aos trabalhos, previsto ainda para o mês de dezembro, consequência da disputa da Dubai Cup, estivesse em suas melhores condições.

Os atletas colorados se reapresentaram para a pré-temporada em 26 de dezembro. Uma semana depois, no dia 2 de janeiro, ocorreu o desembarque nos Emirados Árabes. A estreia na Dubai Cup, por sua vez, aconteceu no dia 5, diante dos alemães do Stuttgart. Válido pela semifinal, o confronto de alvirrubros foi encerrado com triunfo do Clube do Povo, placar de 1 a 0, gol de Alex. Titular, Nilmar formou, com Fernandão, a dupla de ataque do Inter, sustentada por um losango no meio de campo, de Maycon no vértice mais baixo, Magrão, na direita, Guiñazú, pela esquerda, e Alex, no topo.

Depois de enfrentar um irmão de cores na semifinal, o Clube do Povo lutou pela taça, no dia 7 de janeiro, contra seu xará italiano. Para o duelo, Abel Braga repetiu quase todo o time que superara o Stuttgart, à exceção de Índio. Lesionado, o xerife goleador deu lugar a Sidnei, que formou a defesa com Wellington Monteiro, na direita, Orozco, zagueiro, e Marcão, lateral-esquerdo, além do goleiro Renan.

Matador como sempre, Fernandão inaugurou o placar logo a um minuto, acertando lindo voleio de fora da área. Aos 40, os italianos da Internazionale empataram com Jimenez, após assistência de Ibrahimovic. Fazia-se necessário, portanto, vazar novamente o catenaccio milanês, lacrado por nomes como Júlio César, Maicon, Materazzi, Iván Córdoba, Burdisso e Javier Zanetti. Felizmente, o Inter também contava com grandes estrelas.

Nilmar, uma das principais, fez questão de deixar isso claro aos 19 minutos da etapa final, quando Marcão escorou de cabeça para a área, na medida para o camisa 7 emendar bicicleta cinematográfica direto para as redes rivais. Pintura, 26ª marcada pelo atacante com a camisa alvirrubra, foi a primeira depois de seu retorno e garantiu o título colorado, por isso sendo comemorada com lágrimas.

De volta ao Rio Grande do Sul, o Inter disputou a primeira rodada do Gauchão no dia 20 de janeiro. Após conquistar o Tetra entre os anos de 2002 e 2005, o Clube do Povo desejava encerrar o jejum de dois anos sem levantar a taça estadual. Para tanto, visitou o Inter-SM com o que tinha de melhor, formação que garantiu importante igualdade de dois gols para cada lado. Já o retorno para Beira-Rio, ocorreu no dia 24.

Contra o Veranópolis, vitória por 2 a 0, e Nilmar, garçom de Iarley no primeiro gol, escolhido o melhor em campo. Três dias depois, no Passo d’Areia, a goleada de 4 a 1 confirmou o grande início de temporada colorado. Infelizmente, no entanto, o confronto contra o São José-POA esteve marcado, também, por lesão muscular do jovem atacante, que se tornou desfalque para os meses de fevereiro e março.


Recuperação compressora


Nilmar voltou aos gramados em 5 de abril, dia seguinte ao aniversário de 99 anos do Clube do Povo. Contra a Ulbra, entrou no segundo tempo do confronto de volta das quartas estaduais e precisou de somente quatro minutos para, em uma de suas muitas arrancadas, ser derrubado dentro da área. Pênalti assinalado e, por detalhe, desperdiçado por Fernandão. A oportunidade não fez falta para o Colorado, que avançou com vitória por 3 a 2, agregado de 7 a 3.

Empolgante, o retorno deu para Abel a confiança necessária para escalar o atacante como titular. Assim ocorreu nos dois confrontos semifinais contra o Caxias, finalizados com classificação alvirrubra, e também nos duelos das oitavas da Copa do Brasil, diante do Paraná. Encarando o Tricolor da Vila, o camisa 7 cavou novo pênalti, este convertido por Fernandão, que garantiu o 5 a 1 para o Clube do Povo.

Na decisão gaúcha, frente ao Juventude, o atleta formou dupla de ataque com Fernandão, municiada, no confronto de volta, disputado no Beira-Rio, por Alex, que vivia grande fase. Com o trio atuando junto, o Clube do Povo superou o Papo por 8 a 1, e Nilmar, além de servir assistência para o Eterno Capitão anotar o segundo, marcou o sexto. A taça foi a terceira do camisa 7 com o Clube do Povo, que também passava a somar 27 bolas na rede com a camisa colorada.


Segundo semestre goleador


A empolgação colorada com o título estadual durou pouco. Na contramão da arrasadora goleada sobre os caxienses, as partidas seguintes foram frustrantes para a torcida alvirrubra. Na Copa do Brasil, o Inter foi eliminado para o Sport, enquanto, no Brasileirão, três rodadas sem vitória custaram a permanência de Abel Braga. Apesar do cenário conturbado, porém, Nilmar seguiu como uma das melhores notícias dos meses de maio e junho do Clube do Povo, marcando dois gols, contra Flamengo e Portuguesa, e servindo uma assistência nas cinco primeiras jornadas do Nacional.

Se a fase individual de Nilmar já era boa, a partir da chegada de Tite o coletivo também cresceu. Com problemas musculares, o atacante não foi a campo na estreia do novo comandante, ocorrida, com vitória por 2 a 1 sobre o Botafogo, no dia 14 de junho de 2008, marcante data em que Fernandão se despediu do Inter. Na rodada seguinte, consciente da cobrança ainda maior por ocupar papel de protagonista no elenco colorado, o artilheiro, novo dono da camisa 9, retornou aos gramados marcando o gol alvirrubro em injusto revés para o Vitória, na Bahia. Uma semana depois, no Olímpico, teve participação direta no tento de Índio, o único do Clube do Povo no empate contra o maior rival.

Coroando o momento garçom, Nilmar também brilhou nas duas primeiras partidas do mês de julho. Contra o Coritiba, sofreu pênalti que Alex converteu – o camisa 10 fez os três gols do Clube do Povo no jogo. Já diante do Goiás, também no Gigante, o camisa 9 serviu Adriano, autor do único tento da invernal noite gaúcha. O reencontro com as redes aconteceu na 12ª rodada, quando o Inter superou o Atlético-MG, por 1 a 0, no Beira-Rio, que esteve tomado por 27 mil pessoas. O gol, de cabeça, saiu logo aos 6 da etapa inicial, após excelente cruzamento de Marcão. Na jornada seguinte, frente ao Náutico, o atacante liderou um Inter desfalcado, repleto de jovens, incluindo Walter e Taison, futuros campeões da América, e marcou o de empate no Recife.

A iluminada sequência de Nilmar atingiu ponto alto na noite do dia 23 de julho. Diante de um Beira-Rio lotado por mais de 40 mil pessoas, o centroavante balançou as redes do São Paulo em duas ocasiões na vitória colorada por 2 a 0. Com os gols, isolou-se ainda mais na artilharia alvirrubra na competição, chegando a sete no torneio. Pelo Clube do Povo, já eram 34.

O início de agosto também foi especial para o ídolo colorado. Logo no segundo dia do mês, o atacante encerrou sequência de duas derrotas consecutivas ao marcar dois contra o Fluminense, no Maracanã, e garantir a primeira vitória do Inter como visitante no Brasileirão. Duas rodadas depois, o camisa 9 reencontrou as redes para anotar o de empate contra o Figueirense, no Beira-Rio. Singular, o confronto diante dos catarinenses marcou a reestreia de Daniel Carvalho e Bolívar com o manto alvirrubro. Ex-companheiros de Nilmar, retornavam para garantir um segundo semestre de resultados ainda melhores ao Clube do Povo. A grande cereja do bolo, contudo, veio do exterior. Após desembarcar em Porto Alegre no dia 30 de julho, Andrés Nicolás D’Alessandro estrearia na rodada inaugural da Sul-Americana, marcada por clássico Gre-Nal no Gigante. Uma geração inesquecível, aos poucos, começava a ser montada.

É bem verdade que, com desconforto na panturrilha, Nilmar não foi a campo na estreia de D’Ale pelo Inter. A primeira partida dos dois juntos, inclusive, ficou marcada por dolorida derrota para o Vasco, no Rio de Janeiro. Até por isso, a expectativa da torcida era grande para o duelo entre Inter e Palmeiras, que ocorreria, no Beira-Rio, no dia 20 de agosto. Dentro de campo, o camisa 9 entraria em campo pela 100ª vez com o manto colorado. Somando 37 gols em duas passagens, o ídolo lutava, com seus 10 tentos, pela artilharia do Brasileirão, estando a quatro de Kléber Pereira, o goleador de então.

“Vem um filme na cabeça, lembrar que a carreira começou aqui, onde fiz meus primeiros jogos como profissional. Apesar de jovem, hoje já tenho um certo nome no futebol, sou reconhecido graças, ao Internacional. Devo muito a esse Clube. Não poderia ser outro melhor para ter a oportunidade de comemorar 100 jogos. Espero que eu possa jogar muitos mais pelo Inter!

Índio, Bolívar e Marcão na zaga. Magrão, Guiñazú e D’Alessandro no meio. Alex e Nilmar na frente. Debaixo de fina chuva, uma formação de altíssimo quilate foi a campo no Beira-Rio e patrolou o adversário paulista. A vitória colorada por 4 a 1 contou com participação do camisa 9, que tabelou com Alex antes deste marcar, em um foguete, o segundo vermelho, e sofreu falta que originou o terceiro alvirrubro, de autoria de Índio. O 11º gol do ídolo no Brasileirão saiu quatro dias depois, também no Gigante. Prejudicado pela arbitragem, o Clube do Povo jogou melhor, mas não saiu do 1 a 1 com o Flamengo.

De volta à Sul-Americana, no dia 28 de agosto o Olímpico virou Beira-Rio, com o Inter avançando às oitavas após empate de 2 a 2. Nilmar, depois de driblar diversos marcadores, abriu o placar no antigo estádio gremista. Em justo reconhecimento ao grande ano do atacante, 24 horas mais tarde ele seria convocado para a Seleção Brasileira do técnico Dunga.

Imagens: Rede Globo

Sem seus camisas 9 e 15, entregues às respectivas seleções de Brasil e Argentina, o Inter superou, no Beira-Rio, a Portuguesa, placar de 1 a 0. Quando Nilmar e D’Ale retornaram, o técnico Tite já havia promovido alteração importante no esquema colorado. No lugar do 3-5-2, o Clube do Povo vinha atuando com duas linhas de 4, estruturado em um losango, exata formação que enfrentou, no Rio de Janeiro, o Botafogo.

Como ocorrera ainda em janeiro sob o comando de Abel, Magrão e Guiñazú fizeram os lados direto e esquerdo do meio de campo. Na base esteve Edinho, verdadeiro cão de guarda, enquanto o armador foi D’Ale, que esbanjou grande entrosamento junto à dupla Alex e Nilmar. Dos pés do trio, inclusive, saiu o primeiro do Inter. D’Alessandro lançou o camisa 9 na linha de fundo, dentro da área carioca. Antes do goleiro, ele chegou na bola e colocou, com toque sutil, para o retângulo pequeno, na medida para o gol do 10. No segundo tempo, o argentino ainda faria o segundo do Clube do Povo, seu primeiro com o manto alvirrubro, último da vitória por 2 a 1 no Engenhão.

O Inter alcançou, na 26ª rodada, seu terceiro triunfo consecutivo no Brasileirão. Contra o Vitória, no Beira-Rio, Nilmar sofreu pênalti que Alex cobrou para marcar o único do Colorado na partida. Uma semana depois, após empatar, no dia 25, com a Universidad Católica, na abertura das oitavas da Sul-Americana, em 1 a 1, o Clube do Povo recebeu, em 28 de setembro, o Grêmio, atual líder do Brasileirão. A boa fase do rival motivou o presidente Paulo Odone a afirmar, antes do clássico 373, que os visitantes passariam a máquina sobre o Alvirrubro. Para sua infelicidade, o coitado mandatário acabou conhecendo a força do Rolo Compressor.

Uma seleção abraçada por seu povo, com Nilmar agachado, o segundo da direita para a esquerda

Logo aos 4, D’Alessandro, grande nome da partida, abriu o placar após voleio de fora da área. Aos 18, Tcheco até empatou, mas a igualdade durou míseros 10 minutos, tempo necessário para Alex, servido por El Cabezón, recolocar o Inter à frente no marcador. Nova assistência do argentino, aos 40, encontrou a cabeça de Índio, que fez o terceiro. Antes do intervalo, Nilmar, também completando cruzamento do camisa 15, marcou o seu 12º no Brasileirão e fechou o caixão gremista.

Inaugurado com classificação às quartas da Sul-Americana, outubro contou com dois gols de Nilmar para o Inter. O primeiro saiu no dia 4, quando o Clube do Povo foi derrotado, fora de casa, para o Coritiba, por 4 a 2. Já no dia 18, contra o Atlético Paranaense, o camisa 9 abriu o placar na vitória colorada por 2 a 1 no Beira-Rio. A partida mais emocionante do décimo mês do ano, todavia, foi disputada pelo torneio continental.

Mais de 36 mil colorados e coloradas lotaram o Beira-Rio na noite de 22 de outubro para empurrar o Inter em busca da vitória na partida de ida das quartas de final da Sul-Americana. Em campo, Clube do Povo, campeão da América em 2006, e Boca Juniors, vencedor da Libertadores de 2007, prometiam um duelo do mais alto nível. Recentemente, as duas equipes já haviam se enfrentado em confrontos eliminatórios válidos pelo mesmo torneio, integrantes das edições de 2004 e 2005 e encerrados, os dois, com o agregado de 4 a 2 para os hermanos. Demonstrando ter tirado importantes aprendizados dos encontros passados, o Colorado encurralou os visitantes desde o primeiro momento e, contando com show de Alex, venceu por 2 a 0, os dois gols marcados pelo camisa 10.

La Bombonera. Palco dos mais temidos do mundo, foi determinante para as classificações xeneizes sobre o Inter nos anos anteriores. Credenciado pela grande vitória do Beira-Rio, o Clube do Povo até tinha a vantagem para o jogo de volta, mas, calejado pelas frustrações passadas, sabia que regulamento algum poderia transformá-lo em favorito no palco hermano. Para sair com a vaga nas semifinais, a atuação precisaria ser irretocável, épica. E assim foi.

O Inter deu exemplo de raça, talento e organização na inesquecível noite de 6 de novembro. Inábalavel, ignorou o pulsar do caldeirão hermano, muito graças à genialidade do técnico Tite, que escalou o time com formação inédita. Na defesa, Álvaro integrou o miolo com Índio, enquanto Marcão e Bolívar fizeram as laterais. No gol, esteve Lauro. Do meio para a frente, foi repetida a poética nominata de sempre, com Edinho, Magrão, Guiñazú e D’Alessandro; Alex e Nilmar. Depois de uma etapa inicial sem gols, o Clube do Povo abriu o placar ainda no primeiro minuto do tempo final. Responsável por, com sua velocidade e disposição, causar pesadelos à zaga argentina desde a semana retrasada, o camisa 9 colorado foi lançado pela direita e cruzou açucarada para Magrão. Com a canhota, o meio-campista mandou no travessão. A bola picou dentro, mas, por via das dúvidas, o próprio concluiu, de cabeça, para as redes, garantindo o tento. Riquelme ainda empatou para os locais aos 12, mas Alex, completando grande tabelinha com D’Alessandro, marcou, aos 27, o último do jogo. Que viesse o Chivas!


Campeão do continente


Uma vez garantido entre os quatro melhores da Sul-Americana, o Inter passou a encarar o torneio como obsessão. A tangibilidade do título, distante apenas quatro partidas, motivou o Clube do Povo a tratar a competição como principal objetivo para o final do ano. O ineditismo da taça, também. Nunca conquistada por uma equipe brasileira, a competição era a única, entre as de elite, que faltava no museu colorado.

Como a partir do duelo de ida das semifinais os confrontos eliminatórios seriam jogados semanalmente, sem tempo para respiro, uma equipe alternativa, repleta de grandes valores como Andrezinho, Sandro e Taison, assumiu a responsabilidade de disputar o Brasileirão. Ao mesmo tempo, a escalação estreada por Tite contra o Boca, formada por quatro zagueiros na linha defensiva, virou a titular, logo se provando capaz de brindar o povo vermelho com atuações sempre melhores a cada nova jornada.

Embora desfalcado por D’Alessandro, o Inter abriu em grande estilo o duelo por vaga na decisão continental. Em Guadalajara, o Clube do Povo anulou completamente as ações ofensivas do Chivas. Ao mesmo tempo, contando com o apuro de Andrezinho na armação, os comandados de Tite apresentaram contra-ataques tão afinados quanto o sistema defensivo, e perturbaram a defesa mexicana com as escapadas conduzidas pelo ritmo da dupla Alex e Nilmar, sempre acompanhada dos incansáveis Guiñazú e Magrão. Desta forma, aos 24 da etapa final, o camisa 9 colorado abriu o placar.

Após troca de passes rápidos na intermediária ofensiva, Andrezinho criou espaço percebido por Magrão. O camisa 11 se lançou pelo centro e, na hora certa, abriu o jogo com Nilmar, que dominou, no mano a mano, pela esquerda da área adversária. Lépido, chamou o zagueiro Reynoso para dançar, cortou para a direita e mandou rasteiro, no contrapé do goleiro. Inter na frente!

Menos de 10 minutos depois, Índio lançou o artilheiro nas costas da marcação, que só conseguiu conter o paranaense com falta. De muito longe, Alex assumiu a responsabilidade e mandou direto, surpreendendo o goleiro Hernández. No placar, 2 a 0, e a vantagem garantida para a volta.

O decênio inaugural do século XXI brindou a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande com diversos esquadrões inesquecíveis. Na memória dos adultos, estas formações, campeãs de Libertadores e Mundial, somaram-se à Academia do Povo da década de 70 para ocupar lugar privilegiado na nostalgia colorada. De sua parte, os mais antigos, frequentadores do Estádio dos Eucaliptos, também não pouparam comparações entre os escretes dos anos 2000 e Rolo Compressor ou Rolinho. Fértil, portanto, a mitologia alvirrubra não carece de gerações mágicas, o que evidencia o futebol encantador praticado pela de 2008. Afinal de contas, para muitos torcedores e torcedoras trata-se, graças ao seu toque de bola hipnótico, da melhor formação de nossa história – pelo menos recente. Certamente, as quase 40 mil pessoas que encheram o Beira-Rio no dia 19 de novembro compartilham desta certeza.

Diante do Chivas, o Inter foi a campo decidido a confirmar sua vaga na final com autoridade. Mais do que ratificar o grande momento da equipe, uma vitória correspondia à única homenagem possível para Arthur Dallegrave, histórico dirigente alvirrubro falecido dois dias antes do duelo. Contando com o retorno de D’Alessandro, o Clube do Povo teve como único desfalque Alex, convocado para a Seleção Brasileira. Na vaga do camisa 10 entrou Taison, oferecendo ao público um prelúdio do que ele e Nilmar seriam capazes de produzir no ano do Centenário vermelho. Embalado pela dupla de ataque, que atuou na mesma intensidade do Beira-Rio, frenético, o Colorado abriu o placar aos 19 minutos com D’Ale, cobrando pênalti que ele mesmo sofrera. Aos 35, o argentino voltou a balançar as redes, desta vez em batida de falta.

Ainda antes do intervalo, a dobradinha alucinante converteu seu primeiro tento na partida, terceiro do Inter. Aos 43, Taison cobrou escanteio fechado, buscando olímpico. Atento, Hernandez impediu o golaço com tapa de grande reflexo, mas, para sua infelicidade, a sobra ficou na medida para Nilmar. De cabeça, o camisa 9 se atirou em direção à bola e, com ela, estufou as redes mexicanas.

A proximidade da final, que teria sua disputa aberta em apenas sete dias, motivou o time colorado a reduzir a intensidade para o segundo tempo. No lugar dos arranques, brilharam os passes, delirantes para uma torcida que respondeu à ilusão das triangulações com uma outra tão bela quanto: a ola. Vivo, o Beira-Rio assistiu à assistência milimétrica de Taison, aos 25, acionando Nilmar. Imaginando ter encontrado o antídoto perfeito para conter o camisa 9 alvirrubro, o goleiro adversário deixou o gol em alta velocidade, como que tentando superar o pique de nosso ídolo. Ao desespero rival, o craque respondeu com sua tradicional genialidade e, por cobertura, marcou o quarto e último do Inter, seu quarto na Sul-Americana e 45º com o manto vermelho.

Os pincharratas tomaram o Estádio Ciudad de La Plata, na noite de 26 de novembro, convictos de que o Halloween argentino seria comemorado com um mês de atraso. Certos de que la brujita Verón causaria pesadelos à zaga colorada, apostavam na enfeitiçada perna canhota do craque para largar em vantagem na luta pela taça latino-americana. Não contavam nossos vizinhos, contudo, com a força do folclore brasileiro. Às maldições que tentaram pregar, o Inter respondeu honrando o Saci que tem como mascote. No lugar da perna, apenas, o que nos faltou foi um jogador, pois Guiñazú, injustamente, foi expulso aos 24 da primeira etapa. Cenário dramático? Ao Clube do Povo, nada mais do que motivação para aprontar em terras castelhanas.

Ludibriado Estudiantes, acreditou que a superioridade numérica cobraria menor dedicação defensiva, e se lançou ao ataque sem qualquer pudor. Fechado em duas linhas de quatro, a segunda formada por D’Alessandro, Magrão, Guiñazú e Alex, o Inter se retraiu sorridente, tranquilo. Por quê? Bom, acontece que, para quem tem Nilmar, qualquer centímetro de espaço vira latifúndio.

O relógio indicava 32 minutos quando D’Alessandro recuperou a posse para o Inter, ainda no campo de defesa, e tentou armar contra-ataque. O gringo, ainda vestindo a 15, entortou dois marcadores e cavou arremesso lateral, que o pressionado Bolívar cobrou em direção ao ataque. Após corte parcial da zaga, Nilmar deixou com El Cabezón. De primeira, com a canhota, o argentino devolveu para o avante, lançando em profundidade. O camisa 9 chegou nela antes de Desábato, que não aceitou comer poeira e desferiu um pontapé no jovem colorado. Pênalti, que Alex cobrou duas vezes para valer.

Gigante travessura era forçar o adversário a furar uma retaguarda de Bolívar, Índio, Álvaro e Marcão. Pelo chão, o espaço inexistia. No alto, conseguir vantagem sobre os xerifes não passava de delírio. De longa distância, os arremates normalmente explodiam na muralha. Pior ainda, quando superavam o quarteto era preciso vazar um iluminado Lauro. Ao mesmo tempo, o trio de ouro formado por Alex, D’Alessandro e Nilmar produzia tudo que o rival sonhava em criar. Assim, a derrota por 1 a 0 acabou ficando barata para os mandantes, que escaparam de perder o título ainda nos 90 minutos iniciais.

Nada passou pela defesa colorada

Não existia assunto mais comentado entre os latinos ao longo do dia 3 de dezembro de 2008 que a final da Sul-Americana. No Brasil, a crônica esportiva celebrava a iminente conquista do Clube do Povo, afirmando que, ao erguer o troféu, o Inter se tornaria o único brasileiro Campeão de Tudo, dono de todas as taças possíveis para um time da elite de nosso continente. Com a mesma confiança, 51.803 colorados e coloradas lotaram o Beira-Rio e transformaram nossa casa em um verdadeiro caldeirão, decidido a cozinhar o Estudiantes.

Terceiro em pé da esquerda para a direita, Nilmar disputou sua primeira final continental pelo Inter

A euforia dos de fora, é bom registrar, somente era convertida em motivação pelos colorados, tanto torcedores quanto atletas. O clima de ‘já ganhou’ passava longe da Padre Cacique, onde a decisão foi disputada no limite até o último apito. Melhor em campo na primeira etapa, o Inter não conseguiu ampliar sua vantagem nos 45 minutos iniciais. Por outro lado, o Estudiantes aproveitou seu principal momento no jogo para, aos 20 do segundo tempo, balançar as redes alvirrubras, igualar o escore da partida de ida e obrigar a disputa da prorrogação.

Só o Inter jogou no tempo extra. Praticamente reduzido ao retângulo de sua área, o Estudiantes sofria para respirar, tamanha a pressão colorada. Orquestrado por D’Alessandro, que tinha a companhia dos recém-entrados Sandro e Gustavo Nery, o Clube do Povo encurtou o campo de jogo pela metade, com Danny Morais e Álvaro, os zagueiros titulares da decisão, atuando postados na altura do grande círculo. Bolívar e Marcão alternavam no apoio, atendendo aos movimentos de El Cabezón, enquanto Taison, que substituira Alex, e Nilmar tratavam de abrir espaços no ferrolho argentino. Mesmo assim, apesar do bombardeio alvirrubro e devido a milagre do goleiro Andújar, os primeiros 15 minutos não alteraram o placar.

Os comandados de Tite seguiram martelando na etapa final. Qualquer cruzamento ou passe vertical, contudo, parecia carregar, mais do que o cansaço de quase duas horas de partida, a pressão das penalidades. Tão grande quanto a vontade de vencer era o receio de permitir uma escapa rival. Diante de tamanha tensão, somente a leveza e a alegria típicas da juventude poderiam fazer diferença. Taison aceitou sua responsabilidade e, representando o Celeiro de Ases, partiu para cima de dois marcadores, cavando escanteio.

O relógio apontava 8 minutos e 5 segundos quando D’Alessandro fez a cobrança. Na entrada da pequena área, a bola encontrou a cabeça de Danny, que testou para baixo. Andújar, milagroso, voou para espalmar, mandando a redonda em direção ao travessão. Na frente de Gustavo Nery ela picou, ao que o atleta respondeu emendando de voleio. Uma vez mais, o goleiro salvou, mas dando rebote. Na frente do gol aberto. Na frente da abençoada goleira do placar. Na frente do pé esquerdo de Nilmar.

Imagens: Rede Globo

Pouco mais de cinco anos após ser revelado por um Inter que lutava para voltar ao topo, Nilmar tinha, diante de sua canhota, a oportunidade perfeita para colocar o Clube do Povo no mais alto posto do continente. No Estádio que lhe servira de casa, podia virar herói e fazer explodir como nunca as arquibancadas sob as quais no passado dormira. Demonstrando o faro artilheiro tão bem conhecido pela Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, não perdoou. Gol! Gol chorado, suado, brigado, lutado e, sem sombra de dúvidas, colorado. Gol de título, que valeu por todos os outras. Incontestavelmente, virávamos campeões de tudo! E o Beira-Rio? Ficou catártico!

Nilmar encerrou o ano amplamente requisitado pelo futebol estrangeiro. Artilheiro, ao lado de Alex, na conquista da Sul-Americana, o atacante ainda foi eleito o melhor em campo da finalíssima continental. Mais do que isso, diante do Estudiantes fechou a temporada da mesma maneira que abrira, ainda em janeiro: com gol de título. Ao todo, ao longo de doze meses mandou 21 bolas às redes rivais, totalizando 46 tentos com o manto colorado. O risco de perder o craque, consequentemente, era alto. Mas o ídolo decidiu ficar para o Centenário do Clube do Povo.


Ídolo renascentista


O Inter abriu 2009 com uma grande novidade para o ataque. Após se destacar como alternativa de velocidade para a linha de frente na temporada anterior, Taison iniciou com tudo o ano do Centenário colorado. Na quarta rodada do Gauchão, assumiu a titularidade da equipe, transformando o antigo trio de ouro em um poderoso quarteto ofensivo. Neste mesmo confronto, jogado contra a Sapucaiense, no Beira-Rio, Nilmar marcou seus primeiros tentos depois das férias, o segundo recebendo assistência da jovem promessa, demonstrando o entrosamento crescente da dupla, que na semana seguinte encararia seu maior teste.

A cidade de Erechim recebeu, no dia 8 de fevereiro, o Gre-Nal 374. Primeiro clássico da temporada, lotou as arquibancadas do Colosso da Lagoa, que estiveram divididas pela metade. Dentro de campo, o Inter contou com Lauro; Danilo, Índio, Álvaro e Marcão; Magrão, Guiñazú, D’Alessandro e Alex; Taison e Nilmar. Cedo na partida, El Cabezón cobrou falta da intermediária ofensiva, pela esquerda, com veneno. Viva, a bola triscou a cabeça de Wiliam Magrão e morreu nas redes tricolores. A vantagem colorada perdurou até os 16 da etapa final, quando Jonas empatou para os azuis, deixando o duelo completamente em aberto. Nos espaços criados, quem brilhou foi a dupla de ataque do Clube do Povo.

Aos 37 minutos, depois de cobrança de falta que explodiu na defesa alvirrubra, Taison ficou com a sobra e disparou em altíssima velocidade. Apenas um atleta, dentre os 22 que estavam em campo, conseguiu acompanhar seu ritmo: Nilmar. Como um raio, o camisa 9 abriu pela direita e foi percebido pelo 7, que ofereceu assistência primorosa. Sem nem dominar, o autor do gol do título da Sul-Americana soltou a bomba da entrada da área e mandou no ângulo de Victor. Vitória colorada!

Que não tratem Nilmar como grosseiro. Duas rodadas após a vitória no Gre-Nal, o camisa 9 retribuiu a generosidade de Taison servindo um par de assistências para o camisa 7, que brilhou na goleada por 5 a 1 sobre o Caxias. Escalado entre os 11 iniciais na ocasião, o lateral-esquerdo Kleber, recém-chegado, fez uma de suas primeiras partidas com a equipe titular, e soube explorar o ritmo alucinante da veloz e furiosa dupla de ataque do Clube do Povo. A sinfonia alvirrubra ficava cada vez mais afinada, e nem mesmo a saída de Alex, negociado com os russos do Spartak de Moscou, abalou a dinâmica da equipe. No lugar do canhoto, entrou Sandro, encorpando o meio de campo nas quartas e semis do turno estadual. Para chegar à decisão, inclusive, o Colorado voltou a contar com seu centroavante, que marcou bonito gol sobre o Novo Hamburgo, abrindo a vitória por 2 a 0.

A finalíssima foi de novo clássico. Homem Gre-Nal que era, Nilmar, por incrível que pareça, passou em branco, embora tenha causado problemas para a defesa gremista. Por sorte, a ausência de seus gols foi compensada pelo faro artilheiro da dupla Índio e Magrão. Com um gol cada, garantiram a vitória por 2 a 1 e a Taça Fernando Carvalho. O goleador voltou a marcar na segunda rodada do returno, contra o Brasil-Pel. No Bento Freitas, deu uma assistência e anotou um tento, seu quinto no Gauchão. Os números só não seguiram crescendo nas jornadas seguintes pois o paranaense recebeu folga, no início da segunda metade de março, para celebrar seu casamento.

Parecia impossível, mas o matrimônio conseguiu melhorar ainda mais a fase de Nilmar. Na primeira partida que disputou levando a aliança no dedo, o camisa 9 marcou três gols no passeio colorado em Bento Gonçalves, finalizado com vitória de 6 a 2 sobre o Esportivo. Taison, contando com duas assistências de sua dupla ofensiva, marcou outra trinca, comprovando que, dentro de campo, o casamento de atacantes alvirrubros também vivia grande momento.

Quatro dias depois de atropelar o Esportivo, o Inter voltou a brindar os fãs do bom futebol com novo confronto emocionante. O empate de 3 a 3 com o Juventude, em Caxias, garantiu a primeira colocação do grupo e a certeza de que o Beira-Rio sediaria todas as partidas eliminatórias da Taça Fábio Koff. Tudo isso, entretanto, ficou em segundo plano. O grande destaque no Alfredo Jaconi foi, como de costume, Nilmar, que marcou dois gols para o Colorado, o primeiro inspirado na genialidade de Pelé. Como fizera o Rei na decisão da Copa de 1958, nosso camisa 9 aplicou lindo chapéu no marcador, após receber passe de Taison, e, sem deixar a bola picar, emendou de primeira, com a direita. Uma pintura, tão bela quanto as de Michelangelo ou Da Vinci, mas longe de ser a mais bonita que o craque produziria na temporada.

Nas quartas de final do segundo turno, outro clássico Gre-Nal foi disputado no Beira-Rio. Desta vez, ainda mais especial do que o confronto era a data em que a partida ocorreria. Apenas 24h após completar 100 anos de história, o grupo alvirrubro foi a campo, no dia 5 de abril, consciente de que a vitória correspondia ao melhor parabéns possível para a biografia do Clube do Povo. Apoiado por cerca de 45 mil colorados e coloradas, o Inter não se abalou com o gol de Tcheco, abrindo o placar para os visitantes aos 18, e, ainda no primeiro tempo, viu Nilmar enozar a coluna de Thiego. Irritado, o zagueiro respondeu com um carrinho. Pênalti e gol de Andrezinho. Na etapa final, D’Alessandro deixou Índio na frente de Victor, e o defensor artilheiro não titubeou, mandando de cobertura para as redes.

Contra a Ulbra, nas semifinais, o camisa 9 voltou a marcar. De cabeça, fez o primeiro dos quatro gols colorados no Beira-Rio. Com a goleada, o Inter garantia vaga na decisão do segundo turno. Vencedor do primeiro, caso levantasse nova taça seria, também, campeão gaúcho. Rodeada de expectativas, a finalíssima foi disputada, em 19 de abril, no Gigante, que, apesar do frio e da chuva, recebeu um público de quase 40 mil pessoas. Repetindo o escore do ano anterior, o Clube do Povo teve atuação perfeita para despachar o Caxias por 8 a 1. Nilmar, que marcara nas finais de 2003, 2004 e 2008, fez dois, chegando a 13 no Gauchão, e ainda deu assistência para Guiñazú. Magrão, duas vezes, Álvaro, Taison e D’Alessandro fecharam o espetáculo.

Encerrado o Gauchão, Nilmar decidiu que era hora de balançar redes em outras competições. Na abertura das oitavas da Copa do Brasil, anotou o primeiro da vitória colorada por 3 a 0 sobre o Náutico, no Recife. Além dele, Taison e Marcelo Cordeiro garantiram importante vantagem, aumentada, na volta, após triunfo por 2 a 0 no Beira-Rio, gols de D’Alessandro e Taison. Superado o Timbú, era hora de encarar o Flamengo.

Antes do confronto de quartas de final diante dos cariocas, aconteceria a abertura do Brasileirão. Em São Paulo, Inter e Corinthians realizaram duelo de campeões estaduais, que teve o 1 a 0 para os visitantes como placar final. Não é a frieza dos números, contudo, quem melhor narra o que ocorreu naquela tarde de Pacaembu. Tudo começou com um bom lançamento de D’Alessandro para Nilmar, aos 9 minutos do primeiro tempo. O atacante recebeu pela ponta direita e, distante de seus companheiros, apostou na velocidade para encarar a defesa corintiana. Liso, passou por um, dois, três, quatro, cinco marcadores até pisar na área. Dentro do retângulo alvinegro, teve tranquilidade para brecar o embalo com que percorrera o campo e dar um corte no sexto defensor. Com ângulo para o pé direito, chutou rasteiro, colocado, direto no canto do goleiro Felipe. Uma peça de antologia, um gol de gênio, construído com toques mais belos do que qualquer afresco, quadro ou tela jamais foi capaz de conhecer.

Após boa atuação no empate que abriu a disputa por vaga nas semifinais nacionais, e participar do gol de D’Alessandro, segundo na vitória do Inter por 2 a 0 sobre o Palmeiras, em partida da segunda rodada do Brasileirão, Nilmar jogou o fino da bola no épico triunfo do Clube do Povo sobre o Flamengo, conquistado nos últimos minutos diante de um Beira-Rio lotado. Inteligentíssimo, o camisa 9 percebeu erro de passe do lateral Juan e, antecipando-se à marcação, disparou em velocidade com campo livre, pela esquerda. Já dentro da área, rolou para Taison, que marcou o primeiro de jogo que teria em Andrezinho o grande protagonista. No dia seguinte à classificação, o craque colorado foi convocado, junto do companheiro Kleber, para duas jornadas das eliminatórias da Copa do Mundo e, também, para a Copa das Confederações de 2009.

Antes de se apresentar à Seleção, Nilmar voltou a ser garçom de Taison, acionando o camisa 7 para que este marcasse o primeiro gol do Inter contra o Coritiba. Válido pelas semifinais da Copa do Brasil, o confronto foi encerrado com vitória de 3 a 1 do Colorado. Já com a Amarelinha, o camisa 9 do Clube do Povo marcou gol no duelo frente ao Paraguai, integrante das Eliminatórias. Na campanha vencedora da Copa das Confederações, foi a campo em uma ocasião, contra a Itália.

De volta ao Beira-Rio, Nilmar marcou dois gols na primeira partida que disputou pelo Brasileirão. Em Recife, foi o artilheiro solitário da vitória colorada sobre o Náutico, anotando o primeiro como centroavante, na pequena área, e o segundo em lindo chute no ângulo da meta adversária. Uma semana depois, contra o Athletico-PR, em Curitiba, o atacante descontou no revés de 3 a 2 para os locais. Também foi dele a bola na rede gremista no clássico 377, realizado no Olímpico.

Aos 25 anos, somando 64 gols em 150 partidas disputadas com a camisa colorada, Nilmar foi vendido para o Villareal no dia 24 de julho. Na primeira passagem, após surgir como promessa, foi vendido com status de craque. Assim retornou, para então ser negociado já enquanto ídolo. Nas graças da torcida, fez questão de se despedir através de comunicado endereçado ao povo vermelho. Feliz com a oportunidade de brilhar em uma das principais ligas do futebol mundial, não escondeu a dor por deixar amigos em Porto Alegre, nem a vontade de, no futuro, retornar para o Beira-Rio. Atitude gigante, como sempre foram suas atuações.

“Vou sempre estar torcendo pelo Inter, que foi muito especial na minha vida. Quero agradecer por tudo que a torcida fez por mim. Não sou gaúcho, mas vou morar em Porto Alegre no futuro. Sou colorado graças ao carinho que sempre tive aqui. Quero deixar um agradecimento, que o Inter continue crescendo cada vez mais. Nós, jogadores, estamos de passagem, mas o Clube continua com seus 100 anos de história. Espero que brilhe cada vez mais”


De volta para casa


Diferente do que os desavisados possam ter imaginado, a sexta-feira 19 de setembro de 2014 não foi um dia de jogo do Inter em Porto Alegre. Mesmo assim, o Beira-Rio recebeu grande público na data, que entoou, ao longo de toda a tarde, canto dos mais clássicos destinado a um atleta colorado. Uníssonas, mais de quatro mil pessoas bradavam que ali estavam para ver os gols de Nilmar. O motivo? A volta do craque ao seu clube de coração.

Anunciando como reforço no dia 16 de setembro, Nilmar retornou ao Inter com um currículo ainda mais encorpado. Jogador de Copa do Mundo, convocado para a edição da África do Sul, desembarcou, aos 30 anos, em um estádio de nível internacional, que recentemente sediara a disputa de cinco jogos do Mundial do Brasil. Também o Clube do Povo, então bicampeão de Libertadores e Recopa, demonstrava, ao atacante, estar em contínuo crescimento. Além disso, não era só a torcida que estava empolgada com o retorno do ídolo, como comprova o vídeo abaixo.

Vindo do banco, Nilmar reestreou pelo Inter no dia 9 de outubro, fora de casa, diante da Chapecoense. Comandando por Abel Braga, na rodada seguinte pôde, contra o Fluminense, reencontrar o gramado do Beira-Rio. Uma semana depois, foi titular contra o Corinthians, e balançou as redes ao marcar o gol colorado na derrota por 2 a 1. Entre os 11 inicias seguiu na jornada posterior, disputada contra o Flamengo, no Maracanã.

O segundo gol marcado por Nilmar em sua terceira passagem pelo Inter saiu contra o Bahia, no Beira-Rio. Aos 38 da primeira etapa, o camisa 7 tabelou com Jorge Henrique, recebeu na altura da marca do pênalti, dominou com a canhota, fez o giro e soltou a bomba de pé direito. O tento foi último da partida, vencida por 2 a 0, escore que recolocou o Clube do Povo no G-4. O atacante também foi titular em duelo frente ao Santos, na Vila, quando o Colorado encerrou jejum de 25 anos sem vitórias no Alçapão praiano, bem como no Gre-Nal 403, disputado na Arena, e no clássico nacional frente ao São Paulo, no Morumbi. Neste, sofreu lesão muscular na coxa direita, que o tornou desfalque para as últimas rodadas do Brasileirão.

Classificado para a fase de grupos da Libertadores após encerrar o Brasileirão na terceira posição, o Clube do Povo abriu o ano de 2015 realizando amistoso com o Juventude, em Caxias. Acostumado a aprontar no Jaconi, Nilmar marcou o primeira na vitória por 3 a 1 sobre o Papo. Um possível início de ano artilheiro, contudo, foi abreviado por problemas físicos, que tornaram o atacante desfalque para muitas das rodadas iniciais do Gauchão. Mesmo assim, retornou em grande estilo para os confrontos decisivos, e brilhou, como de costume, na decisão, disputada contra uma de suas principais vítimas, o Grêmio. Na finalíssima, sediada no Beira-Rio, o camisa 7 marcou o primeiro e deu assistência para Valdívia anotar no segundo e garantir a 44ª taça estadual do Clube do Povo, quinta consecutiva.

A Copa Libertadores de 2015 foi a primeira que Nilmar disputou com a camisa colorada. Campeão continental em 2008, quando marcou o gol do título da Sul-Americana, o camisa 7 jamais havia entrado em campo, vestindo o manto vermelho, para uma partida do principal campeonato das Américas. Na campanha que deu ao Inter a terceira colocação no torneio, o atacante encontrou grande destaque principalmente na fase de grupos, onde marcou três gols, dois deles na goleada por 4 a 1 sobre a Universidad de Chile, em Santiago, e outro no Gigante, diante do Emelec, após assistência mágica de D’Alessandro. Na partida de ida das semifinais, o craque ainda teve participação fundamental nos gos de El Cabezón e Valdívia.

O craque também marcou seus gols no Brasileirão. Logo na terceira rodada, fez o do Inter no empate por 1 a 1 com o Vasco, em São Januário. Na comemoração, reverenciou a estátua de Romário, localizada atrás de uma das metas do campo alvinegro. Na sexta jornada do Nacional, o Camisa 7 voltou a balançar as redes, desta vez contra o Coritiba, em partida disputada exatamente um ano após o falecimento de Fernandão, Eterno Capitão colorado e ex-companheiro de Nilmar. Seu terceiro e último tento na competição saiu no duelo posterior ao realizado contra os paranaenses. No Itaqueirão, abriu o placar, diante do Corinthians, depois de linda tabela com Rafael Moura, aos 40 da etapa inicial.

Nilmar provavelmente não sabia, mas disputou sua última partida com a camisa colorada em 26 de julho de 2015, quando Inter e Ponte Preta empataram sem gols no Moisés Lucarelli. Poucos dias depois, foi selada a venda do atleta para o Al Nasr, equipe de Dubai. Menos artilheira do que suas predecessoras, a terceira passagem do ídolo pelo Beira-Rio contou com 10 gols marcados em 35 jogos disputados, números que em nada deixaram de ser positivos, comprovando a facilidade para balançar redes que sempre acompanhou a cria do Celeiro de Ases.

Ao todo, foram 185 aparições com o manto do Clube do Povo e 64 as bolas na rede. Mais do que isso, inúmeras as lágrimas que em sua face deixou correr, e em nossos olhos fez surgir. Jogador decisivo, identificado com nossas cores e história, protagonista nos grandes momentos e companheiro de paixão e arquibancada. Referência, ocupa posto de luxo em nossa biografia, e é um dos maiores que tivemos o privilégio de assistir ao longo de ricos 111 anos de vida. Ídolo na acepção da palavra. Colorado, também. Eterno, por óbvio. Obrigado por tudo, Nilmar!

A neblina de Quilmes

Diferente do que a invicta conquista colorada possa sugerir, a edição da Sul-Americana de 2008 não foi nada fácil. Pelo contrário, raras foram as ocasiões em que o torneio reuniu tantas equipes tradicionais brigando pelo título. Entre os semifinalistas, por exemplo, além do Inter estiveram River Plate, campeão do Torneo Clausura da época, Estudiantes de La Plata, que viria a conquistar a Libertadores no ano seguinte, e o gigante mexicano Chivas Guadalajara. O alto nível dos clubes, inclusive, tornava no mínimo provável que estes voltassem a se encontrar em um futuro não muito distante, brigando por outros títulos continentais.

Quis o destino que os argentinos do Estudiantes fossem os primeiros conhecidos a voltar a cruzar o caminho do Clube do Povo, desta vez nas quartas-de-final da Libertadores de 2010. E se o confronto de duas temporadas antes fora emocionante, se estendendo para além dos tradicionais 180 minutos para ser decidido apenas no segundo tempo da prorrogação, após Nilmar marcar o gol do título do Inter, o duelo disputado há exatos 10 anos, no dia 20 de maio, não ficou para trás.


Os truncados 90 minutos iniciais

O Inter chegou entre os oito melhores do continente depois de eliminar, nas oitavas de final, o Banfield-ARG, em confronto que teve seus últimos 90 minutos disputados no Beira-Rio. A emocionante classificação vermelha motivou a crítica esportiva a apontar o Colorado como um time em franca ascensão no principal torneio do continente. Para chegar às semifinais, contudo, seria necessário superar equipe tida como a melhor das Américas. Mais do que isso, o duelo de volta aconteceria na Argentina. Fazer o resultado no Beira-Rio, portanto, era uma obrigação, apesar do alto nível rival.

Diante de mais de 40 mil colorados e coloradas, Jorge Fossati mandou a campo, na noite de 13 de maio, o que tinha de melhor à disposição. Habituado a alterar a formação de jogos como mandante para partidas longe de casa, o uruguaio escalou o Inter no 4-4-2. Abrindo o escrete estava Abbondanzieri, contratado no início do ano com a responsabilidade de conferir experiência ao time que sonhava com o bicampeonato. Nei, Bolívar, Sorondo e Kleber compunham a defesa, sempre protegida pelos volantes Guiñazú e Sandro, entrosados desde a temporada passada. Na frente, D’Alessandro e Andrezinho tinham a missão de furar a linha de 5 defensores argentinos e municiar a dupla de atacantes formada por Walter e Alecsandro.

Duríssimo, o confronto se desenrolou marcado pela escassez de espaços. Rondando constantemente a área argentina, o Inter sofria para criar chances reais, ficando entregue a chutes de longa distância e bolas alçadas na área. Do outro lado, o Estudiantes apostava todas suas fichas em um possível contra-ataque letal armado pela genialidade de Verón, que também não era encaixado. O cenário emaranhado persistiu até os 20 da etapa final, quando Taison, endiabrado, entrou na vaga de Walter e deu novo ímpeto à linha de frente alvirrubra. A partir de então, durante 20 minutos Orión operou milagres, a arbitragem ignorou lances duvidosos e, ainda, Alecsandro balançou as redes, mas teve impedimento assinalado. O empate sem gols parecia inevitável, até que o centroavante colorado cavou falta na intermediária.

O relógio indicava exatos 46 minutos e 26 segundos quando Andrezinho levantou bola perigosa na área visitante. Açucarada, a redonda viajou precisa até a cabeça de Sorondo, que se atirou em obstinado peixinho na direção do pequeno retângulo platense. Fatal, o desvio do zagueiro impediu qualquer reação do arqueiro argentino, que, de joelhos, assistiu ao tento colorado. Inter 1 a 0, e a vantagem era nossa!


A epopeia em território hermano

O jogo de volta foi disputado no Estádio Centenário, localizado na cidade de Quilmes, uma vez que a casa do Estudiantes, em La Plata, passava por reformas. Enfrentando o atual campeão da América, o Inter sabia que, para triunfar contra um adversário temido por quase todo o continente, seria necessário pôr à prova a tradicional mística colorada. Exatamente por isso, quando os onze titulares de Jorge Fossati entraram em campo, a torcida pôde acreditar que aquela seria uma noite especial.

Volante Sandro, sinônimo de segurança na faixa central

Por ironia do destino, como o Estudiantes tinha no vermelho a cor predominante de seu uniforme, o Inter não teve alternativa senão ir a campo todo de branco, assim como na decisão do Mundial. A sorte parecia abraçar a equipe gaúcha, fazendo sorrir a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, que lembrava dos feitos de Fernandão, Iarley, Gabiru e companhia. Ficava claro que, se os argentinos mereciam respeito e atenção, não menos importante era a história multicampeã do Inter. Se o acanhado estádio lotado e a camisa adversária assustavam, também aterrorizados os locais deveriam se sentir enfrentando o Clube do Povo do Rio Grande do Sul, que iniciou o duelo com Abbondanzieri; Bolívar, Sorondo e Fabiano Eller; Nei, Sandro, Guiñazú, Andrezinho, D’Alessandro e Kleber; e Alecsandro.

“Há de se enaltecer o elenco.

O Internacional cresce

em decisões!”

ANDREZINHO, DEPOIS DO APITO FINAL

Os primeiros minutos de partida, todavia, obrigaram a torcida colorada a abandonar a nostalgia das boas lembranças do passado, dando lugar ao nervosismo. O Estudiantes, incendiado por sua torcida, desde o início do jogo adotou postura agressiva e, regido por Verón, conseguiu abrir 2 a 0 antes dos vinte e cinco minutos do primeiro tempo. Como o resultado já garantia a classificação do time da casa, os argentinos passaram a cozinhar o jogo, seguindo à risca a cartilha ‘matreira’ que faz parecer que os hermanos nasceram prontos para jogar a Libertadores.

Mesmo com as mudanças do técnico Jorge Fossati, que deixaram o Inter mais ofensivo, o panorama da partida não foi alterado no segundo tempo. Os minutos passavam, a tensão crescia, e a classificação parecia cada vez mais distante. À exceção de falta cobrada por Andrezinho e de bom chute de Walter, que substituira Nei, o Colorado tinha dificuldades em chegar ao ataque.

O caldeirão de Quilmes fervilhava com a festa da torcida da casa, comemorando vaga que já parecia garantida. Os próprios jogadores do Estudiantes inflavam seus torcedores, que retribuíam acendendo cada vez mais sinalizadores. O goleiro Orión mal podia ser visto em meio à espessa nuvem de fumaça que partia da multidão localizada atrás de seu gol. Enquanto isso, Verón prendia a bola, cavando faltas e laterais, deixando o tempo passar. Aos 43 minutos, entretanto, La Brujita errou.

Talismã, Giuliano foi alçado a campo na vaga de D’Alessandro

Embora fosse uma lenda viva, o capitão do Estudiantes não conseguiu superar a força da tradição colorada, que não deixaria passar impune sua disparate tentativa de imitar o que Iarley e Rubens Cardoso haviam feito com maestria no Japão quando, vestindo o mesmo branco que o Inter usava em Quilmes, prenderam o Barcelona em seu campo de defesa entre faltas, laterais e escanteios. Assim, restando menos de dois minutos para o fim do tempo regulamentar, a bola retornou à posse gaúcha, que tinha tiro de meta para Abbondanzieri cobrar.

O multicampeão goleiro lançou Walter, na esquerda da intermediária de ataque colorada. O centroavante matou a bola no peito e protegeu com o seu pé direito, esperando a aproximação de um segundo defensor adversário para, então, acionar Andrezinho. Com um giro perfeito, o meio-campista se livrou do primeiro marcador, ganhando espaço para pensar. Ao mesmo tempo, Giuliano percebeu uma lacuna na fechada defesa argentina e se projetou. Esbanjando talento, André deu assistência genial para o jovem camisa onze colorado. Neste instante, o tempo parou.

Eram cerca de 700 os colorados e coloradas presentes nas arquibancadas do Estádio Centenário. Outros milhões espalhados pelo mundo. Em comum, nenhum destes conseguia enxergar o que se passava graças à fumaça dos sinalizadores, que prejudicou a visão tanto dos que estavam na Argentina, concentrados atrás do gol oposto ao que Giuliano se preparava para fuzilar, quanto dos que acompanhavam pela TV, sofrendo com a prejudicada imagem das transmissões. Felizmente, a cegueira não afetou o jovem goleador colorado que, com o pé direito, chutou rasteiro. Como pôde, Orión tentou – e quase conseguiu – operar um milagre, mas não existia catimba ou bruxaria alguma que os argentinos pudessem fazer. De mansinho, chorosa, a bola entrou no canto. Gol do Inter, e o Centenário se transformava no Beira-Rio.

Na fumaceira de Quilmes, em 2010, o Colorado acreditou até o final para sair classificado! Reviva esse momento inesquecível nas vozes de Leonardo Fister e Ernani Campelo, narradores da Rádio Colorada. #AcreditarAtéOFinal

Posted by Sport Club Internacional on Thursday, February 28, 2019

O apito final veio após três minutos de acréscimos que em nada alteraram o resultado da partida. Assim que o jogo foi encerrado, D’Alessandro e Walter dispararam em direção à torcida gaúcha, subindo no alambrado para comemorar junto às centenas de enlouquecidos. Desgostosos e irritados com a desclassificação, os atletas da casa provocaram uma briga generalizada no gramado, confusão que em nada diminuiu a alegria dos classificados, que transformaram o vestiário de Quilmes em um verdadeiro carnaval, festejando e cantando sem parar.

Quatro anos depois, o Inter retornava a uma semifinal de Libertadores. A exemplo do que ocorrera na fase de quartas de final, o novo adversário também não teria nada de inédito na história colorada. Agora, vinha o São Paulo, derrotado na final de 2006, prestes a ser novamente superado pelo Clube do Povo. Na decisão encontraríamos mais um velho conhecido, o Chivas, que em 2008 fora o rival na luta por vaga na final da Sul-Americana. Nenhum reencontro, contudo, teria acontecido não fosse o gol na nebulosa Quilmes. Nenhuma taça seria conquistada não fosse o peso da camisa vermelha – e branca -, respeitada em qualquer canto do continente.

Nós jamais deixamos de acreditar

Uma camisa pesada não mostra seu valor apenas no momento de levantar a taça. Um time, para se tornar gigante, não pode esperar sofrer apenas nos instantes que antecedem a consagração de um título; pelo contrário. É no dia a dia, a cada mês ou ano, que uma equipe campeã forma sua casca. Poucas têm a mesma que o Inter, especialmente em confrontos eliminatórios. Há exatos 11 anos, no dia 20 de maio de 2009, foi o Flamengo quem provou da força colorada. Relembre a emocionante jornada!


Uma geração inesquecível

Falar sobre a geração que encantou Brasil e América entre os semestres de encerramento de 2008 e início de 2009 exige voltar um pouco mais no tempo. Apontada por muitos colorados como dona do futebol mais vistoso visto no Beira-Rio nas últimas décadas, a equipe começou a ser montada ainda em 2007.

Iniciada de maneira claudicante, a temporada seguinte à dos títulos de Libertadores e Mundial teve seu primeiro semestre encerrado com a taça da Recopa. Uma semana após a conquista, o Inter anunciou oficialmente o meio-campista Guiñazú, reforço que sucedeu, em poucos dias, a chegada de Marcão. Já em julho, quem desembarcou na capital gaúcha foi Magrão, logo acompanhado pela dupla de zagueiros Orozco e Sorondo. Fechando a janela de transferências, o último contratado do ano foi Nilmar, à época já consagrado como ídolo do povo vermelho.

De sua parte, o ano de 2008 foi iniciado com a conquista da Copa Dubai, feito sucedido pela chegada de Andrezinho, meio-campista de notória qualidade técnica. Sob o comando de Abel Braga, o atleta conquistou, no mês de maio, o título gaúcho. Na época, o comandante do Mundial vinha alcançando grandes resultados, a exemplo da goleada por 8 a 1 sobre o Juventude, na finalíssima estadual, e da incrível virada sobre o Paraná, nas quartas de final da Copa do Brasil. Importantes para encaminhar um fim de primeiro semestre positivo, os triunfos passaram pela segurança de uma defesa formada pelos titulares absolutos Índio e Marcão, contaram com a consistência de um meio de campo aberto por Magrão e Guiñazú, e ainda atestaram a letalidade de uma linha de frente estrelada por Nilmar, Iarley, Fernandão, Alex e, por vezes, André.

O início do Brasileirão, contudo, reverteu o cenário de otimismo até então vivenciado no número 891 da Padre Cacique. Como consequência, no dia 12 de junho foi anunciado um novo comandante para o Internacional. Tite chegou e, com ele, vieram mudanças impactantes no elenco. A maior de todas, sem dúvidas, foi a saída de Fernandão, após quase quatro anos de sua estreia pelo Colorado. Na semana anterior, Iarley também deixara o Clube. Novos craques, portanto, eram necessários para atender à expectativa de uma torcida cada vez mais habituada a torcer por grandes nomes. Os primeiros a chegar, inclusive, foram velhos conhecidos. Bolívar e Daniel Carvalho desembarcaram em Porto Alegre no mês de julho, assim como Gustavo Nery, Danilo Silva, Rosinei e, alguns dias depois, D’Alessandro, argentino contratado com status de ídolo. Por fim, em agosto vieram Álvaro, para a zaga, e Lauro, goleiro.

Lauro; Bolívar, Índio, Álvaro e Marcão; Edinho, Magrão, Guiñazú e D’Alessandro; Alex e Nilmar. Frequentes, ainda, Clemer, Andrezinho, Ângelo, Gustavo Nery, Adriano e Taison. Poesia? Não, apenas os nomes mais recorrentes do elenco campeão da Sul-Americana em dezembro de 2008, taça até então inédita para o futebol brasileiro, erguida após decisão contra o Estudiantes, coroando campanha invicta que passou por cima, também, de Grêmio, Universidad Católica, Boca Juniors e Chivas Guadalajara.

O troféu consagrou a excelente fase de uma equipe que parecia jogar por música, e que, para 2009, teve grande parte de sua espinha mantida. As mudanças ficaram por conta de Alex, Marcão e Edinho, que partiram. Em seus lugares, assumiram, respectivamente, Taison, Kléber e Sandro. O primeiro e o terceiro já estavam no grupo, enquanto o lateral, de Seleção Brasileira, chegou no início do novo ano. Para a composição do elenco vieram, ainda, entre outros, nomes como Glaydson, Marcelo Cordeiro, Giuliano e Alecsandro.

Dentro de campo, o nível, excelente, foi mantido – se não aprimorado. A também invicta conquista do Gauchão serve de prova irrefutável. Afinal de contas, o Estadual foi levantado com o Clube do Povo vencendo os dois turnos do Campeonato. O primeiro após superar o maior rival, e o segundo depois de acachapante goleada por 8 a 1. Sete atletas alvirrubros foram escolhidos para o time dos melhores do certame, incluindo as três novidades na escalação titular, além de Índio, Guiñazú, D’Alessandro e Nilmar. Taison, registre-se, ainda foi escolhido como craque, revelação e artilheiro da competição. Definitivamente, aquele era um time afinado, sempre embalado pelo ritmo de uma torcida eufórica, que festejava um escrete que performava à altura de um ano marcado pelo Centenário do Inter.


Campanha (quase) irretocável

A estreia do Inter na Copa do Brasil esteve marcada por resultado surpreendente. Apoiados por milhares de torcedores e torcedoras residentes no Mato Grosso, os comandados de Tite foram derrotados pelo União Rondonópolis, no dia 18 de fevereiro, por 1 a 0. Escalado com o time titular, o Clube do Povo não conseguiu repetir as boas atuações do Gauchão e voltou para Porto Alegre com a árdua missão de, na partida de volta, precisar buscar triunfo de dois gols de diferença. Para tanto, teve duas semanas de preparação, tempo suficiente para conquistar o primeiro turno do Gauchão e elevar a confiança, ainda maior a partir do impulso de 26 mil pessoas que, no Beira-Rio, seguiram incessantes na cantoria mesmo após o intervalo chegar com o placar inalterado. A recompensa veio na etapa final, com os gols de Índio e Alecsandro, ambos pegando rebote de bola na trave. Os tentos, valorizados também pelo grande ferrolho da equipe do centro-oeste, que contava com Odvan, experiente, e Rodrigo Moledo, jovem, em sua zaga, garantiram o Colorado na segunda fase do torneio.

Pouco mais de um mês após eliminar o União, o Inter viajou para Campinas, onde enfrentou, no dia 8 de abril, o Guarani, abrindo a fase de número dois da Copa do Brasil. Vivendo intensa maratona, o Clube do Povo acabara de avançar para as semifinais do segundo turno do Gauchão depois de superar o Grêmio, por 2 a 1. Além disso, o Alvirrubro ainda festejava seu Centenário, comemorado há apenas 96 horas. Contra o cansaço, Tite apostou na fase iluminada de Taison, que abriu o placar aos 27, completando grande trama de Guiñazú e Andrezinho. Na etapa final, o camisa 7 voltou a balançar as redes, desta vez aos 41, após tabela com Giuliano. Os dois gols de vantagem dispensavam a necessidade de um confronto de volta, mas a exaustão gaúcha cobrou seu preço aos 43, quando Romário descontou para os mandantes e deu números finais à jornada.

Leve. Assim o Inter chegou para a disputa dos últimos 90 minutos do duelo contra o Guarani. Não apenas pela vantagem conquistada no jogo de ida, mas também pela data do confronto, realizado em 22 de abril, apenas três dias depois da goleada por 8 a 1 sobre o Caxias, que confirmou ao Clube do Povo o título gaúcho, 39º de sua história. À vontade em campo e escalado com equipe praticamente completa – Nilmar foi o único desfalque, dando lugar a Alecsandro -, o Colorado abriu o placar logo aos 7, em jogada que contou com participação do centroavante, desviando cobrança de falta de Kleber na medida para Índio, que completou para as redes. De garçom, o camisa 9 passou para artilheiro, cabeceando, aos 16 minutos, cruzamento feito por D’Alessandro, que aplicara seu ‘La Boba’ antes de erguer na área. Ainda antes do intervalo, o gringo voltou a servir passe açucarado, este para Taison, que mandou um balaço para anotar o terceiro.

Alçado a campo na vaga de Kleber, Marcelo Cordeiro foi o garçom do quarto gol. O lateral cruzou na medida para Alecsandro, que testou no contrapé do goleiro, marcando o seu segundo na noite. O tento foi o penúltimo da partida, acompanhado, na etapa final, pelo de Bolívar, que fez o quinto após nova jogada apoteótica de D’Alessandro. Estávamos nas oitavas, e somávamos absurdos 52 gols em 16 partidas disputadas no Gigante em 2009. Que campanha!

A abafada Recife sediou o primeiro duelo entre Inter e Náutico pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Ocorrida no dia 29, a partida foi a última das sete disputadas pelo Clube do Povo no mês de seu Centenário. A vitória por 3 a 0, construída graças a uma atuação de gala, fechou com chave de ouro um abril de 100% de aproveitamento, e foi conquistada apesar do acidentado gramado dos Aflitos e do desfalque do lesionado Sandro, que deu lugar a Glaydson. Maestrada, novamente, por D’Alessandro, a dupla Nilmar e Taison perturbou a defesa do Timbú. Exatamente de tabela dos avantes, inclusive, saiu o primeiro, verdadeira pintura, assinada pelo camisa 9. Na etapa final, o 7 ampliou, e ainda houve tempo para Marcelo Cordeiro, aos 38, fazer o terceiro, completando jogada do argentino meio-campista.

O Inter não precisou de muito tempo para, no duelo de volta, tornar ainda mais larga sua vantagem. Com a mesma formação da partida de ida, o Clube do Povo abriu o placar logo a um minuto. Taison interceptou troca de passes da defesa adversária na altura da intermediária, partiu em disparada, invadiu o grande retângulo e finalizou na saída do goleiro para inaugurar o marcador. Seis minutos depois, D’Alessandro cobrou falta com maestria, fazendo a bola voar de sua canhota direto para o ângulo esquerdo da meta recifense. Com o 2 a 0 no escore, coube ao Colorado administrar o resultado e esperar pelo apito final, que confirmou a classificação para as quartas nacionais.


A ida no Maracanã

Diante de mais de 52 mil pessoas, Flamengo e Inter disputaram, na noite de 13 de maio, a primeira partida das quartas de final da Copa do Brasil. Percebido muito antes do apito inicial, quando funcionários do Estádio proibiram os atletas colorados de subir a campo para realizar o aquecimento, o clima de decisão que pairava sobre a capital carioca se desdobrou em uma partida extremamente intensa. Logo aos 9, por exemplo, Everton carimbou a trave alvirrubra. No rebote, Nilmar escapou em velocidade, superou a marcação e foi travado apenas na área rival, já engatilhando o chute. Sete minutos mais tarde, Lauro operou um milagre em chute de Angelim, oportunidade respondida pelo Clube do Povo em cobrança de falta de D’Alessandro. Nos instantes finais da primeira etapa, Juan ainda acertou o poste vermelho, enquanto Nilmar, de novo ele, exigiu boa defesa de Bruno. Desta forma, o primeiro tempo chegou ao fim com o placar inalterado.

“Contamos com o apoio da torcida,

no Beira-Rio, para lutar

pela classificação”

Sandro, após a partida

Disposto a garantir vantagem para o jogo de volta, o Flamengo retornou para o segundo tempo com postura ainda mais ofensiva. Bem postado na defesa, contudo, o Inter, que contou com atuação gigantesca do capitão Guiñazú, não ofereceu espaço aos mandantes, que abusaram de bolas alçadas e finalizações de longa distância. O passar do tempo, acompanhado das entradas de Alecsandro e, principalmente, Andrezinho e Rosinei, conferiram ao Colorado maior fôlego para os momentos finais, marcados por domínio gaúcho. Aos 41, André cobrou falta no ângulo, exigindo milagre do arqueiro rival. Dois minutos depois, quando a torcida vermelha já dominava o som ambiente do Maraca, o meia finalizou na trave, em lance que ainda teve Rosinei pegando o rebote e exigindo nova defesa salvadora do goleiro adversário. Infelizmente, a pressão alvirrubra não foi coroada com gol, e o duelo foi encerrado com o 0 a 0 no placar. Tudo ficava em aberto para o Beira-Rio, onde Magrão e Bolívar seriam desfalques após terem recebido o terceiro cartão amarelo.


O jogo decisivo

Na véspera do duelo de volta, os ingressos para o confronto já estavam esgotados. Completamente mobilizada, a torcida ansiava por, após conquistar Mundo e América, acumular novas vitórias especiais em âmbito brasileiro. Mais do que isso, superar um tradicional adversário significava, além de que manter vivo o sonho do título nacional, seguir escrevendo feitos relevantes com uma geração rara na história do futebol brasileiro.

Minutos antes de o jogo ser iniciado, o Beira-Rio percebeu que a noite não seria decidida apenas nas quatro linhas. Ventos de áureos tempos sopraram na direção do Guaíba quando, ao mesmo tempo, Rafael Sobis e nosso Eterno Capitão pisaram no gramado do Gigante. Ídolos pelo que fizeram dentro de campo, naquele instante se preparavam para viver 90 minutos como membros da mais bela massa anônima de que se tem registro; o povo colorado. Durante a partida, nada mais seriam do que parte da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, e, com eles nas arquibancadas, uma boa dose de misticismo passou a ser esperada. Ao lado do público que lotava o templo da Padre Cacique, a dupla de heróis aplaudiu cada um dos nomes anunciados no telão da casa alvirrubra. Para campo, naquele 20 de maio, Tite mandou: Lauro; Danilo Silva, Álvaro, Índio e Kleber; Sandro, Rosinei, Guiñazú e D’Alessandro; Taison e Nilmar.

O confronto foi iniciado de maneira muito elétrica. Meticuloso, ciente de que um gol adversário poderia comprometer todo o planejamento, o Inter soube cozinhar um Flamengo que parecia pronto para aprontar. Ineficaz, a rotação carioca não custou a diminuir, logo cedendo espaço a uma das mais intensas duplas já vistas.

Primeiro, aos 37, Taison recebeu de Nilmar, arrancou e fuzilou. O goleiro defendeu, mas, além de incendiar ainda mais o Beira-Rio, o lance também despertou de vez os endiabrados pés que compunham nossa linha de ataque. Custaram 5 minutos para que o camisa 9 desarmasse a zaga rival, superasse a marcação e, com precisão, servisse seu parceiro. Como um rolo compressor, o jovem número 7 honrou a história de seu manto para, antes das chegadas de defesa ou arqueiro, concluir. Gol! Para o momento da descida aos vestiários, pelo menos, a classificação era nossa.

Reiniciado o confronto, o Flamengo começou a abrir suas asas e arriscou com Ibson, em finalização de fora da área que saiu à direita. Taison e Rosinei, na sequência, responderam reforçando o domínio colorado nas ações do jogo. Cada chance desperdiçada era lamentada por 47 mil gargantas, que também souberam reforçar a zaga, vaiando quaisquer jogadas cariocas, e compor o ataque, empurrando o Inter a plenos pulmões.

Multidão alguma, contudo, pôde conter a troca de passes entre Ibson e Kléberson, que encontrou Emerson livre para marcar. Aos trinta minutos, a igualdade era estabelecida, restando ao Inter mísero quarto de hora para alcançar a classificação. Duro baque para torcida e grupo, o cenário cobrava por imediata volta por cima, ou seria tarde demais. E a resposta, que também veio dentro de campo, foi encontrada principalmente na força de um Gigante lotado, que serviu de principal motor para a vitória.

O apoio emanado das arquibancadas era tamanho que nem mesmo os narradores, no conforto de suas cabines e ao lado de seus microfones, conseguiram se fazer ouvir diante do grito de milhares. Em uníssono, uma massa perfeitamente amorfa e desordenada convocou o Inter, sua paixão, a atacar. E o Colorado, consciente de que tinha seu povo consigo, respondeu. Ateste com seus próprios ouvidos:

Frequentando assiduamente a área adversária, o Clube do Povo não hesitou em apostar nos cruzamentos e bolas paradas para encurralar os visitantes. Dominado, o Flamengo não conseguia reagir e se entregava à ansiosa espera pelo encerramento da partida, única alternativa que restava no horizonte carioca. Houve, inclusive, instante em que as finalizações coloradas superaram o goleiro adversário. Mesmo nestes momentos, porém, surgiram, sobre a linha, indigestos pés rubro-negros para salvar os rivais. Até que Tite chamou Andrezinho.

Tenho que exaltar a torcida, o grupo

e a comissão técnica, que sempre

acreditaram em mim. É um dia especial.

Foi o gol mais importante!”

Andrezinho, no final da partida

Perito nas cobranças de falta, o camisa 17 foi agraciado com rara oportunidade aos 43 minutos da etapa final, quando Glaydson sofreu cama de gato de Ibson. De frente para a meta flamenguista Andrezinho encarou, mais do que o goleiro Bruno, um aglomerado de alvirrubros, e pareceu entender o que diziam os olhos de cada colorado que o mirava. Por breves segundos, a saudosa meta do Placar se tornou o epicentro do futebol brasileiro. No recorte de relva onde a bola repousava foi depositada a benção do Eterno Capitão, que das arquibancadas apoiava. O cobrador, por sua vez, incorporou ao seu iluminado pé direito a precisão de Valdomiro. Viveu, também, a emoção de ser Escurinho. Talismã.

Autorizado, respirou e deu início ao mais longo de seus caminhares. Um, dois, três, quatro passos. Pé de apoio posicionado. O beijo da perna destra dado. No ângulo da baliza, o destino endereçado. Treme o Beira-Rio.

Em dívida no escore, o Flamengo bem que tentou encontrar seu gol. Completamente anestesiado pelo perturbador urro que ecoava no trepidante Beira-Rio, entretanto, nada encontrou. Aos pontuais 49 minutos e 45 segundos foi ouvido o decisivo apito, e a classificação estava garantida. Em direção à torcida partiram os heróis para, definitivamente como um só, torcida e time celebrarem o inesquecível triunfo. Inter, semifinalista!

Rumo ao Bi, há 10 anos virávamos sobre o Banfield

A Libertadores tem um ritmo diferente. Soa, aos ouvidos do apaixonado por futebol, como a mais harmônica mistura da cumbia com o tango, passando pelo samba e o reggaeton. Envolvente disputa, consegue impor a uma equipe, durante breves 90 minutos, emoções que variam da alegria ao drama, do sofrimento à explosão. Aquele que deseja a Copa deve superar, com maestria, um caminho feito para lhe causar percalços. A melhor maneira ser bem-sucedido na empreitada? Contando com a força de uma casa que esteja à altura da mística do torneio.

Em 2010 tropeçamos, é inegável. Não por fraqueza, e sim devido às armadilhas que visitaram nossa campanha. Diante de acanhado alçapão hermano, enfrentando hostil arbitragem charrua, com direito a pênalti sonegado e expulsão polêmica forçada, sucumbimos para o Banfield, apesar da belíssima pintura de nosso lateral – pouco depois sacado de campo pelo homem do apito.

Golaço de Kleber acabou se provando fundamental para o Inter. Imagens: SporTV

Para avançar às quartas, portanto, o Inter dependia de vitória por placar superior aos de vantagem mínima. A alternativa, única, residia em fazer a diferença no Beira-Rio. Afinal de contas, por mais que a esperança parecesse dançar na corda bamba de sombrinha, em nossa casa não seria justo que nos machucássemos.

“A energia que vem da

arquibancada faz a diferença.

Ela contamina todo

mundo em campo.”

GUIÑAZÚ – semana anterior ao confronto

O crepúsculo da quinta-feira 6 de maio foi mais rubro do que de costume. Mobilizados para o duelo das 19h30, 35 mil colorados e coloradas migraram cegamente à Padre Cacique, certos de que, naquela data, apenas para o Gigante os caminhos poderiam convergir. Iniciado o confronto, se é verdade que as arquibancadas ainda não estavam tomadas, fruto do caótico trânsito de final da tarde na capital gaúcha, já eram numerosos os que cantavam nas arquibancadas do Beira-Rio.

Tão intenso quanto o movimento de chegada ao Estádio, por óbvio, era a cantoria que dele emanava. Irretocável no Beira-Rio até então, acumulando três vitórias no torneio continental, o Inter pisou em campo sabendo que, por mais dura que fosse, a missão nada tinha de impossível. Ideia comprada pela torcida, convencida pelos comentários do gigante Guiñazú.

Em perfeita sintonia, grama e cimento sufocaram os argentinos, não permitindo um mísero segundo de descanso. Conduzidos – time e torcida – por um endemoniado D’Alessandro, os colorados lamentaram chances perdidas por Andrezinho e Walter, criadas pelo camisa 10, e também finalização do argentino que explodira no travessão. Conforme a chegada do intervalo se aproximava, o medo começava a crescer entre os mais pessimistas. Neste instante, contudo, o regente Andrés voltou a dar as caras.

Com passe milimétrico, D’Alessandro deixou Andrezinho de frente para o goleiro. Genial, o anjo das cobranças de falta serviu Alecsandro que, com a meta aberta, teve o simples trabalho de completar. Agora, faltava um.

Abençoado momento dos vestiários, permitiu ao Gigante descansar. Pulsando intensamente, o quarentão Beira-Rio precisava de um respiro. Breve, é claro, pois poucas são as construções tão habituadas ao delírio das massas quanto o templo colorado. A importância do quarto de hora de relaxamento foi comprovada logo cedo, com D’Alessandro, mais uma vez ele, lançando Eller.

Imagens: SporTV
Imagens: SporTV

Cobrindo a lateral-esquerda, o zagueiro vencedor de América e mundo em 2006 avançou e suspendeu. Na cabeça de Walter. Testaço para as redes! Virávamos. Juntos.

Encaminhada a vaga, o escrete colorado não cessou. Como poderia, se finalmente percebia os primeiros ares de classificação despontando no horizonte? As chances perdidas até motivaram um suspiro ou outro de nervosismo, mas a expulsão de James Rodríguez, jovem craque do rival, e o sucessor apito final libertaram, de uma vez por todas, o otimismo alvirrubro. Estávamos nas oitavas, graças à determinação de um Estádio que não cansou de jogar.

Há 12 anos, time e torcida jogaram juntos para virar na Copa do Brasil

Não é de hoje que a sintonia entre time e torcida faz a diferença dentro de campo. Também pudera, a casa do povo colorado não ficou conhecida como Gigante à toa. À altura de sua imponência, está também a história de um estádio descrente na existência do impossível. Erguido sobre as águas de um rio por uma torcida apaixonada, o número 891 da Padre Cacique se distingue das demais canchas espalhadas pelo planeta. Sua tradição, somada às vozes de dezenas de milhares de alvirrubros, resultam em sinergia capaz de intimidar qualquer adversário. Foi assim que, em 2008, eliminamos o Paraná e avançamos às quartas no principal torneio eliminatório do Brasil.

“Da maneira como

eles vieram hoje…

realmente deixa qualquer um louco!”

FernaNdão

O Colorado gaúcho chegou às oitavas da Copa do Brasil credenciado por campanha irretocável. Na fase inicial da competição, eliminou o Nacional, da Paraíba, após triunfo por 4 a 0, fora de casa. Na sequência, diante da Chapecoense, Alex e Adriano construíram o 2 a 0 que garantiu a vaga entre as 16 melhores equipes. Superados os catarinenses, foi a vez de enfrentar a equipe curitibana, que venceu o primeiro confronto, disputado no estádio Durival de Brito, por 2 a 0, gols de Ângelo e Fábio Luis.

Com o revés, teve início semana de intensa concentração, que passou, também, pela classificação alvirrubra à decisão do Gauchão, após triunfo sobre o Caxias nas semifinais do Estadual. Dias antes do confronto de volta contra o Paraná, ingressos de vários setores já estavam esgotados, mobilização refletida em um Gigante lotado por mais de 40 mil pessoas na noite de 23 de abril, data do jogo.

Desfalcado por Alex e Guiñazú, o Inter sabia que, para avançar, precisaria de estímulos que transcendessem as quatro linhas. Enquanto a torcida fazia sua parte, cantando uníssona, o Clube do Povo tratava de atrair bons ventos para a beira do rio vestindo o mesmo branco que conquistara o mundo em 2006. No momento da subida ao gramado, o entrevistado Magrão deixou claro que o uniforme era reflexo de como o elenco encarava a partida, tida como uma decisão, para a qual Abel Braga escalou Clemer, Índio, Orozco e Marcão; Bustos, Jonas, Magrão, Andrezinho e Ji-Paraná; Nilmar e Fernandão.

“Num Beira-Rio lotado desses, não se pode esquecer de jogar com o coração.

Essa camisa já diz tudo, né? Pra nós, é final. É decisão.”

magrão

Toda euforia que antecedeu o primeiro apito, entretanto, foi ameaçada logo aos 15 segundos, quando Índio e Jonas esbarraram em disputa de bola pelo alto. O jovem levou a pior, caindo de mal jeito, batendo a nuca no chão, e não conseguiu permanecer em campo, dando lugar a Sidnei. O quadro ficou ainda mais dramático aos 3 minutos, instante em que Ângelo cruzou, Giuliano, futuro atleta colorado, escorou, e Fábio Luis completou para o gol, inaugurando o marcador.

A tragédia parecia anunciada. A classificação, praticamente impossível. Os jogadores da equipe paranaense comemoravam abraçados o tento que soava ser decisivo. O destino, no entanto, aparentemente traçado, esqueceu de avisar o povo colorado de sua inevitável chegada. Tão logo Clemer foi vencido e a rede balançou, a multidão que abarrotava as arquibancadas, sociais e cadeiras do Gigante se ergueu para empurrar o Internacional com o tradicional canto “Vamo, Vamo Inter!”. Sinta o clima:

Embalado por esta trilha sonora, Andrezinho acionou Bustos, aberto na direita. O lateral partiu para o fundo, cortou para a esquerda e suspendeu na área, devolvendo na medida para o camisa 10 colorado que, antes do relógio acusar 5 minutos, também de peito dominou e, de bate pronto, emendou bonito, rasteiro, para empatar. A torcida, que já estava em rotação elevada, entrou em polvorosa. O ritmo subiu ainda mais aos 20, quando Ângelo foi expulso após entrada violenta em Andrezinho. Pouco depois, aos 31, graças a Índio, o estádio quase explodiu.

Marcão lançou na entrada da área para Fernandão, que matou no peito e deixou atrás com Orozco. O zagueiro, por sua vez, abriu em Bustos, que com a direita levantou no pé do xerifão colorado. Forte, o arremate morreu no canto do goleiro. O Inter virava: 2 a 1. Por ter sofrido um gol como mandante, todavia, o Clube do Povo precisava marcar mais duas vezes para ficar com a vaga. Exatamente por isso, a pressão não apenas foi mantida, como elevada, assim como a tensão, capaz de, aos 34, causar espinhoso desentendimento entre Sidnei e Joélson, encerrado com os dois avermelhados.

O embate de 9 contra 10 abriu ainda mais espaços no gramado, que foram devidamente aproveitados pelo Inter. Tanto que, transcorridos 38 minutos, Nilmar invadiu a área a dribles e só foi parado após pênalti absurdamente ignorado pela arbitragem. Um minuto depois, Fernandão deixou Orozco na cara do gol, mas o goleiro Fabiano Heves conseguiu salvar chute forte do zagueiro. Passados alguns segundos, a jogada se repetiu, com o capitão alvirrubro recebendo lançamento preciso e e oferecendo assistência ainda mais açucarada para um companheiro livre. O agraciado da vez foi Andrezinho, que, vivendo noite mágica, colocou com precisão, permitindo ao Colorado descer para os vestiários a um tento da vaga às quartas.

Reiniciado o confronto, o Inter seguiu apresentando a mesma postura ofensiva dos 45 minutos iniciais. O passar do tempo, ressalte-se, até deu espaço para os primeiros sinais de nervosismo, insuficientes para abalar a moral de um grupo liderado por nosso Eterno Capitão, agraciado com noite inspirada de Andrezinho e impulsionado pelas vozes de seu povo. Aos 18, Fernandão recebeu lateral de Bustos e, de cabeça, alçou na confusão. A zaga afastou mal, nos pés do craque da noite, que teve liberdade para pensar.

Vivendo uma de suas jornadas mais iluminadas com a camisa colorada, Andrezinho honrou a 10 alvirrubra com passe milimétrico. Sem sequer dominar, colocou a redonda no peito de Magrão, que ajeitou com estilo inferior somente à finalização que logo armou de primeira, sem deixar cair, de voleio. Gol! Tremores na beira do Guaíba, que viu suas próprias águas se curvarem ao sobrenatural poder emanado da união de um povo com seu clube.

Com a classificação encaminhada, o Inter se permitiu correr menos riscos, diminuindo o ritmo alucinante que imprimira ao longo de mais de 60 minutos de confronto. Coube então à torcida, antes fundamental no ataque, vaiar cada ataque paranaense, tornando insuportável aos oponentes o som ambiente, postando-se como a mais fiel zagueira.

Maravilhosa essa torcida! O grupo se doando!

Têm três, quatro jogadores aí, com dor na perna.

ANDREZINHO

Desconfortáveis, os visitantes pouco criaram, oferecendo, em contrapartida, espaço para os contra-ataques colorados, perigo supostamente impensável para quem enfrenta o imperdoável Nilmar. Em uma de suas escapadas, o camisa 7 recebeu balão da zaga, avançou para cima da defesa, entortou a marcação e só foi parado com falta. Dentro da área. Assinalada pelo árbitro.

O cronômetro indicava exatos e pontuais 48 minutos quando Fernandão deu início à caminhada na direção da marca do cal. Tranquilo, exibindo sangue frio contrastante ao delírio da torcida, apenas deslocou o arqueiro para confirmar a vaga colorada entre as oito melhores equipes do país. Com o tento, o Inter tinha cinco. O Paraná, um. O Beira-Rio ainda celebrava quando a partida foi encerrada, abrindo espaço para as emocionadas entrevistas pós-jogo, antecedidas pela festa dos atletas com seu povo. A vaga era nossa!

FICHA TÉCNICA:

Internacional (5): Clemer; Bustos, Índio (Titi), Orozco e Marcão; Jonas (Sidnei), Magrão, Ji-Paraná (Adriano) e Andrezinho; Fernandão e Nilmar. Técnico: Abel Braga.

Paraná (1): Fabiano Heves; Daniel Marques, Luiz Henrique e João Paulo; Ângelo, Jumar (Cristian), Léo, Giuliano (Clênio), Everton e Joélson; Fábio Luiz (Goiano). Técnico: Paulo Bonamigo.

Gols: Fábio Luiz (P), aos 3’/1º T. Andrezinho, aos 4’/1ºT, Índio, aos 31’/1º T, Andrezinho, aos 41’/1º T, Magrão, aos 18’/2º T, e Fernandão, aos 48’2º T (I).

Cartões amarelos: Bustos e Marcão (I). Léo, Daniel Marques, Éverton (P). 

Expulsões: Ângelo e Joélson (P). Sidnei (I). 

Renda: R$ 361.091,00. 

Público: 41.837 (38.263 pagantes). 

Arbitragem: Wagner Tardelli Azevedo (SC), auxiliado por Dibert Pedrosa Moisés (RJ) e Claudemir Mafessoni (SC). 

Local: Beira-Rio.