Danny Morais lembra anos de Inter

Cria do Celeiro de Ases, o ex-zagueiro Danny Morais se aposentou dos gramados no início deste mês de abril. Bicampeão gaúcho com o Clube do Povo, o atleta, vencedor das copas Sul-Americana, Suruga e Dubai, lembrou dos tempos de Inter em entrevista concedida para Rádio Colorada na última quarta-feira (14/04), durante o pré-jogo da emissora para a partida diante do Aimoré.

“A gente estava fazendo uma recuperação no treinamento que antecedeu a final, eu estava correndo em volta do campo e o Tite me olhou e falou que ia jogar. Eu falei ‘meu Deus! Que isso, cara, mas vamos lá’. Estava pronto, mas aquela coisa ficou na cabeça. Tinha que ir bem, representava muito pra mim, e lembro que os momento que antecederam foram sensacionais, marcantes, mas, ao mesmo tempo, com um frio na barriga, uma pressão.”

Danny sobre a decisão da Sul-Americana

Dono de longa trajetória no Beira-Rio, o defensor lembrou dos anos de base, abrilhantados pela conquista do Mundial Sub-15 em 2000, e do protagonismo exercido nas finais de Estadual e Sul-Americana em 2008. Companheiro de concentração do eterno Fernandão, também comentou bastidores de uma das maiores gerações da história colorada, além de rememorar a vitoriosa carreira que construiu. Confira a íntegra do papo:

Sport Club Internacional · Rádio Colorada | Entrevista: Danny Morais | 14/04/2021

D10S: Há 12 anos, D’Alessandro era oficialmente apresentado

Com festa, o recebemos. Diferenciado, provou-se capaz de transformar centímetro em hectare, segundo em eternidade. Assim, evoluiu: de gênio para amor, depois ídolo e, enfim, divindade. Há 12 anos, D’Alessandro, um dos maiores de nossa história, era oficialmente apresentado pelo Inter. Marcada, desde o desembarque, por grandes emoções, a trajetória do craque esteve repleta de estreias em sua primeira temporada. Relembre-as agora!


O primeiro contato


As primeiras linhas da história entre Andrés Nicolás D’Alessandro e Sport Club Internacional foram escritas no dia 30 de julho de 2008. Gélida quarta-feira invernal, a data conviveu, desde cedo, com grande movimentação de colorados e coloradas no Aeroporto Salgado Filho. De todos os cantos, centenas desejavam receber o mais novo reforço alvirrubro, que desembarcou às 18h35 do horário de Brasília. Poucos minutos depois, o argentino ouviu, no lugar do intenso zunido das turbinas de aeronaves, som ainda mais estrondoso. Este, proferido pela torcida colorada que, a plenos pulmões, alternava do ‘Vamo, Inter!’ ao Dale, D’Alessandro!

As expectativas, vale lembrar, eram grandes em ambos os lados. Para o Clube do Povo, D’Ale simbolizava a ambição de um time que queria mais e seguia sedento por títulos mesmo depois de conquistar América e Mundial. Carregando status de jogador diferenciado, o gringo era a grande aposta para superar quaisquer desconfianças com a reformulação do elenco, que recentemente perdera Iarley, seu camisa 10, e Fernandão, capitão, além do comandante Abel Braga. Nem o mais otimista apaixonado poderia imaginar, contudo, que o buenairense que desembarcava na capital gaúcha assumiria, com o tempo, os dois papéis: de referência técnica, vestindo o número dos gênios, e também anímica, empunhando faixa costurada nos braços de gigantes.

De sua parte, D’Alessandro sonhava em atingir, no Inter, o patamar que sempre provou ser capaz. Revelado pelo River Plate, precisou de poucos anos para virar o grande craque do time hermano. Referência técnica também da Seleção Argentina Sub-20, campeã mundial em 2001, foi negociado, dois anos depois, com o Wolfsburg, da Alemanha. No velho continente, atuaria ainda por Portsmouth, da Inglaterra, e Zaragoza-ESP. Já em 2008 regressou, por empréstimo, ao seu país natal, onde disputou, com o San Lorenzo-ARG, boa Libertadores. O Clube do Povo, portanto, representava o sonho de afirmação do atleta. Também ele não sabi, mas, em breve, começaria a trilhar, a passos largos, roteiro rumo à eternidade alvirrubra.


A estreia


D’Alessandro teve seu nome registrado no Boletim Informativo Diário (CBF) da CBF em 11 de agosto, seis dias depois de começar a trabalhar com seus companheiros. Já devidamente integrado ao grupo, o craque estava, assim, pronto para estrear com a camisa colorada. A partida mais próxima no horizonte, por ironia do destino, era um Gre-Nal. Duelo sempre único, o clássico da ocasião, que teria como palco o Beira-Rio, era ainda mais especial, uma vez que valia pela abertura da primeira fase da Sul-Americana. Após breves contatos com o povo vermelho, tanto no desembarque quanto em seu primeiro treino, acompanhado por 300 pessoas, El Cabezón conheceria, enfim, a força do Gigante lotado.

Cerca de 30 mil pessoas tomaram as arquibancadas do Beira-Rio na noite de 13 de agosto de 2008, data do Gre-Nal 371. Comandado pelo técnico Tite, o Inter, desfalcado de Alex e Nilmar, foi a campo no esquema 3-5-2. Protegido em sua meta por Clemer, o time colorado contava, na defesa, com a segurança do trio Índio, Sorondo e Bolívar. Wellington Monteiro fez a ala-direita, e Nery a esquerda. Na volância, Edinho e Guiñazú conferiam sustentação ao Clube do Povo, que apostava na dupla de ataque formada por Daniel Carvalho e Adriano. Completando a formação estava, é claro, D’Alessandro. Camisa 15 às costas, o argentino era o responsável por armar as tramas ofensivas alvirrubras.

A partida começou a se provar histórica ainda antes do apito inicial. Tradicional rito da torcida colorada na abertura de confrontos disputados no Beira-Rio, os nomes dos atletas titulares foram, um a um, enunciados pelo público. Após saudar Guiñazú, hermano que, àquela altura, já conquistara o coração do povo vermelho, o Gigante celebrou, pela primeira vez em seus 38 anos, Andrés Nicolás D’Alessandro. Perfeito, o canto dedicado ao gringo fez tremer a estrutura do templo alvirrubro, endereço que não costuma se curvar facilmente a jogadores estreantes. De certa forma, nossa casa parecia saber que o canhoto meio-campista faria história em seu gramado, e deixava esta profecia clara à multidão presente nas arquibancadas, que eufórica bradava D’Ale.

Naturalmente à procura do melhor entrosamento com seus companheiros, D’Alessandro compensou qualquer falta de ritmo com enorme movimentação. Insinuante, o gringo não economizou suor na luta por espaços, aparecendo ora pelos lados, ora centralizado. O tradicional refino na cobrança de bolas paradas também foi percebido em escanteios e faltas que aterrorizaram a defesa tricolor. Titular durante os 90 minutos, somente deixou de cobrar o pênalti colorado na partida, convertido por Daniel Carvalho. Minutos depois, Léo empataria para os visitantes, dando números finais ao confronto, primeiro dos atuais 486 que D’Ale, terceiro jogador que mais vezes vestiu o manto alvirrubro, disputou pelo Inter.


Surge o garçom


O dia 20 de agosto de 2008 pode ser entendido como um divisor de águas na história recente do Internacional. Na data, Alex, D’Alessandro e Nilmar atuaram juntos pela primeira vez. Trio de ouro, responsável por completar a nominata de geração que marcou época com a camisa colorada, estreou em jogo da segunda rodada do returno nacional, diante do Palmeiras. No Beira-Rio, debaixo de chuva fraca, mas constante, o Clube do Povo foi a campo em busca da reabilitação no Campeonato Brasileiro.

O azar, presente em recentes frustrações do Clube do Povo no certame, ameaçou a quinta-feira colorada logo cedo. Aos três minutos, Alex Mineiro cavou e cobrou pênalti para os visitantes. Pouco depois, Diego Souza ainda desperdiçaria clara oportunidade de gol. O bom momento, entretanto, subiu à cabeça dos palestrinos, que, ansiosos por marcar o segundo, esqueceram do poderio ofensivo colorado. A consequência? A virada, construída em um minuto. Primeiro, aos 18, Alex cobrou falta na cabeça de Índio, que empatou. Depois, aos 19, o canhoto camisa 10 soltou uma bomba de fora da área para colocar o Inter na frente.

A magra vantagem do Inter resultou em um começo de segundo tempo bastante agitado. Principal nome da etapa inicial, Alex, que retornava de lesão, precisou ser sacado cedo, aos 11. Sem o camisa 10, D’Alessandro ocupou protagonismo ainda maior na criação de jogadas. De modo praticamente simultâneo à saída do companheiro, que deixou o campo para a entrada de Taison, El Cabezón brigou contra dois marcadores, levou a melhor e cruzou rasteiro para Nilmar, que finalizou de primeira levando perigo à meta de Marcos. Pouco depois, aos 16, o craque argentino bateu falta pela esquerda da área paulista. Açucarada, a bola viajou até a segunda trave para, dentro do retângulo pequeno, encontrar Índio. Goleador, o zagueiro não perdoou. No placar, 3 a 1, e o camisa 15, logo em sua terceira exibição com o manto alvirrubro, já servia a primeira das 113 assistências que hoje soma pelo Clube do Povo.

Momento histórico: a primeira assistência de D’Alessandro pelo Inter

Já nos acréscimos, enquanto a torcida celebrava a vitória, D’Ale deu lindo corte na marcação e deixou com Adriano, dentro da área rival. O atacante dominou com a esquerda, limpou para a direita e soltou um foguete, espalmado por Marcos. O rebote, dentro da área, foi de Taison, que fuzilou para anotar o quarto. Goleada alvirrubra, celebrada com dança por seu autor e o garçom argentino, que aos poucos começavam a nutrir belíssima amizade.


O gol de número 1


O alto nível das primeiras atuações de D’Ale no Inter foi reconhecido, ainda no mês de agosto, com convocação do craque para a Seleção Argentina. Desfalque na 24ª rodada do Brasileirão, o gringo retornou a tempo de atuar contra o Botafogo, na jornada seguinte. Realizado no Engenhão, o confronto diante dos cariocas foi o primeiro disputado pelo inesquecível losango de Tite. Armador, El Cabezón correspondia ao vértice superior do meio de campo colorado, enquanto Edinho fazia a base. Pela direita, quem atuava era Magrão, ao lado do canhoto Guiñazú. O quarteto, ilustre, antecedia a dupla Nilmar e Alex.

O duelo contra os cariocas também contou com brilho do trio ofensivo alvirrubro. No primeiro tempo, aos 30, D’Alessandro, demonstrando grande entendimento das características de seu companheiro, lançou Nilmar em velocidade. Na corrida, o atacante venceu até mesmo o goleiro carioca para cruzar na direção do gol, onde Alex, livre, apenas completou. Inter na frente!

A grande pintura da noite ainda estava por vir. No início do segundo tempo, Guiñazú e Taison escaparam em grande tabela pela esquerda que chegou às cercanias da meta carioca, onde o argentino acionou seu compatriota D’Alessandro. El Cabezón dominou com a direita, já colocando na frente e invadindo a área. Com ângulo para arrematar de canhota, enquadrou o corpo e enganou o zagueiro Renato, que decidiu dar o bote. Genial, o camisa 15 colorado cortou para dentro, deixou o marcador no chão, reconduziu para fora e, com o pé bom, arrematou rasteiro. Golaço, o segundo do Clube do Povo no jogo, primeiro dos 94 marcados por D’Ale com o Inter.

Na comemoração, o futuro ídolo, eufórico com o marco que alcançava, e também com a jogada que produzira, convocou todos seus companheiros para o abraço. Destaque, é claro, para a celebração com Taison, reafirmando a crescente amizade da dupla.

O Botaofogo até conseguiu descontar, marcando o seu com André Luiz. A proximidade no placar, contudo, não resultou em grande pressão do time da casa. Maquiavélico, D’Ale assumiu o controle da partida e passou a ditar o ritmo de cada movimento realizado dentro de campo, escolhendo, a bel-prazer, quando o jogo deveria ser acelerado ou ter seu ritmo diminuído.

Com espaço no centro do campo, o gringo desfilou, sempre de cabeça erguida, inversões milimétricas, passes teleguiados, dribles desconcertantes e uma boa dose de experiência hermana. O show de Andrés apenas foi finalizado quando o camisa 15 deixou o campo para a entrada de Rosinei, que ajudou o Inter a garantir os três pontos.


Homem Gre-Nal


Do alto de seus 51 anos de vida, o Beira-Rio ostenta história rara entre os estádios do mundo. Ao longo das últimas cinco décadas, o Gigante já serviu de palco para diversas gerações vitoriosas e craques renomados. Foi ele, por exemplo, quem revelou Falcão, muito vibrou com Valdomiro, reverenciou Jair, aplaudiu Lula, amou Rubén Paz, eternizou Fernandão e consagrou Sobis, entre muitos outros geniais criadores. Sozinha, nossa casa sabe ocupar o papel de protagonista para superar batalhas difíceis. Humilde, também consegue servir de moldura perfeita aos espetáculos de artistas colorados. Poucas exibições foram tão belas quanto a oferecida por D’Alessandro no dia 28 de setembro de 2008.

D’Ale chegou ao Inter talhado para encarar o significado do Gre-Nal. Duas semanas depois de estrear com a camisa colorada no maior clássico do país, o argentino seria um dos destaques do jogo de volta da primeira fase da Sul-Americana, encerrado com empate de 2 a 2 e classificação do Clube do Povo em pleno Estádio Olímpico. Nada do que produzira contra o Grêmio ao longo do mês de agosto, todavia, pode ser comparado à magnificência do que ofereceu aos 42.590 colorados e coloradas que lotaram o Beira-Rio para acompanhar o confronto de número 373 na história entre Alvirrubro e Tricolor.

O Gre-Nal do segundo turno do Brasileirão de 2008 foi diferente. Antes da partida, o presidente gremista vociferara às rádios gaúchas que, no Beira-Rio, o time visitante “passaria a máquina” sobre o Inter. Ingênuo, injetou ainda mais ânimo no esquadrão colorado. Não que adrenalina fizesse falta, pois o Clube do Povo, vivendo grande fase, ansiava por coroar o bom momento superando o rival e, assim, dando fim a jejum de quase dois anos sem triunfos em clássicos. O infeliz comentário do dirigente, contudo, certamente alimentou a sede dos comandados de Tite, que entraram em campo sedentos, emulando o saudoso Rolo Compressor.

Maestro, El Cabezón transformou o Beira-Rio em teatro – nada silencioso, por óbvio. Como se conduzisse uma orquestra de tango, desfilou no tapete de nossa casa alternando entre o drama de passes estonteantes e a agressividade de arrancadas e finalizações incontroláveis. Sutil como são os gestos de um regente, aos quatro minutos progrediu até a área gremista mirando rebote que se oferecia à feição. Diante da bola, enquadrou o pé direito e chicoteou com a canhota, desabafando. Golaço do Inter, o primeiro de D’Ale no templo que, aos poucos, começava a chamar de casa.

Pouco depois, Tcheco empataria para os visitantes. O gol, verdade seja dita, não passou de ousada provocação a um time que apenas respirava, preparando-se para o segundo ato, que nada custou para chegar ao clímax. Muitos dos presentes, inclusive, sequer prestigiaram o reinício do espetáculo, culpa do maestro, que decidiu aprontar com a desatenção do público. O que você consegue fazer em oito segundo? D’Ale precisou deste punhado de centésimos para ter um lampejo e cobrar rápido falta pela direita. No pé de Alex, a bola foi fuzilada pelo camisa 10, que mandou rasteiro. Era o segundo.

A Maior e Melhor Torcida do Rio Grande jamais se comportou como plateia teatral. Se D’Ale regia uma orquestra, a reverência que recebia como resposta nada tinha de silenciosa, e sim apoteótica. Porque o Inter, naquele momento o gringo descobriu, não é o Clube do Povo por acaso. Instituição nascida em berço popular e embalada por blocos e marchas carnavalescos, carrega a efervescência como sobrenome. Todo colorado é um pouco Rao ou Charuto. Toda colorada sabe ser coreana. Em meio a esta bela mistura, perfeitamente heterogênea e bagunçada, seguiu o espetáculo. Primeiro, catapultado por Índio, que mandou, de cabeça, cruzamento de Andrés para as redes. Depois finalizado, também em um testaço, por Nilmar, completando lançamento açucarado do argentino. Massacre alvirrubro por 4 a 1, que ficou barato (assim como o ingresso, se comparado à excelência oferecida pela sinfonia dalessandrina), confirmado.

“Quando cheguei aqui, só se falava do Gre-Nal. É um clássico, e é preciso ganhar. O time necessitava da vitória. Hoje, tive sorte de ter uma atuação tão boa, meu gol foi importante para mim e para a torcida, mas amanhã pode ser com outro jogador. Para mim, o importante mesmo foi a vitória.”

D’ALESSANDRO, APÓS O CLÁSSICO

Debut continental


Lutando para atingir as primeiras posições no Campeonato Brasileiro, e ainda reticente quanto ao desenho da Sul-Americana, Tite preservou diversos atletas nos 180 minutos que compuseram a fase de oitavas de final do torneio, disputada contra a Universidad Católica. D’Alessandro, envolvido também em convocações para a Seleção Argentina, foi um deles, e sequer entrou em campo nas partidas diante dos chilenos.

O cenário de cautela para com o certame continental foi transformado a partir da classificação para as quartas de final e consequente proximidade do título. Na luta para garantir vaga entre os quatro melhores da América, o Clube do Povo enfrentou o Boca Juniors, recente algoz que eliminara o Colorado da competição nos anos de 2004 e 2005 e campeão da Libertadores na temporada anterior. Escalado com força máxima, o Clube do Povo venceu a primeira partida contra o time xeneize, antigo rival de D’Ale nos tempos de River, por 2 a 0. Disputado no Beira-Rio, o confronto, primeiro da trajetória de Andrés no Inter contra equipes do exterior, contou com dois gols de Alex, grande protagonista da noite.

Duas semanas depois, o Clube do Povo foi a campo, na Bombonera, para garantir a classificação às semis do continente. Disputado no dia 6 de novembro, o confronto foi o primeiro disputado pelo time de Tite com uma linha de quatro zagueiros na defesa. À frente de Lauro, um dos grandes destaques da partida, Bolívar, na direita, Marcão, na esquerda, e a dupla Índio e Álvaro, no miolo, formaram a defesa. A escalação era continuada, no meio, pelo já tradicional quarteto de Edinho, Magrão, Guiñazú e D’Alessandro, argentino que se somava a Alex e Nilmar para formar mágico trio ofensivo.

Extremamente vaiado a cada toque na bola, D’Alessandro, carrasco do Boca no início do século, ajudou a construir uma etapa inicial cadenciada, sem grandes sustos para o Inter. Imperante antes do intervalo, a morosidade foi completamente abandonada no segundo tempo, que contou com gol colorado logo no minuto inaugural. Nilmar, lançado por Magrão, foi ao fundo pela direita e cruzou na medida para o camisa 11, que mandou no travessão. A bola até picou dentro, mas, por via das dúvidas, o meio-campista completou, de cabeça, estufando as redes. O time da casa respondeu com as entradas de Riquelme e Dátolo, duas das estrelas xeneizes, que reacenderam a Bombonera. o mítico palco hermano foi ao delírio pouco depois, aos 12, quando Juan Román empatou.

Insuficiente para classificar o time da casa, a igualdade apenas impulsionou ainda mais o Boca Juniors, que tentava, a todo custo, encurralar o escrete colorado. Atuar de maneira desesperada contra o Inter de Alex, Nilmar e D’Alessandro, contudo, jamais foi uma ideia inteligente. Entregue a fortuitos cruzamentos na área alvirrubra, os quais raramente eram finalizados na direção do inspirado goleiro Lauro, o time xeneize aprendeu a lição a duras penas.

Aos 27, D’Alessandro foi lançado pela esquerda. Pouco depois da quina da grande área, mas ainda fora do retângulo, o argentino, esbanjando visão de jogo rara para os seres humanos, mas comum na rica carreira que ostenta, serviu, de canhota, assistência precisa para Alex. Em velocidade, o camisa 10 sequer precisou dominar e, de frente para o goleiro, apenas desviou buscando o canto. Golaço, à altura da épica atuação colorada, consagrador de vitória incontestável e maiúscula de um elenco que desejava ser campeão.

Ganhar do Boca,

na Bombonera,

é especial para mim!

D’ALESSANDRO, COMEMORANDO A EPOPEIA COLORADA

Aproximadamente quatro minutos após o gol da vitória, D’Ale, sacado para a entrada de Taison, fez questão de não deixar o campo sem antes agradecer a festa dos milhares de colorados e coloradas que lotaram o setor visitante da Bombonera. O craque, que aos poucos conquistava o coração do povo vermelho, não somente ganhou preciosos segundos durante o aplauso, como também despertou a ira da torcida local, reforçando sua fama de protagonista em clássicos. Gigante, Cabezón!


A primeira taça


Depois de eliminar o poderoso Boca Juniors com o maiúsculo placar agregado de 4 a 1, o Clube do Povo encarou, nas semifinais da Sul-Americana, o forte time do Chivas de Guadalajara. Com problemas intestinais, D’Alessandro desfalcou o Inter no confronto de ida, disputado no México, mas a ausência do gringo, felizmente, não foi sentida. Atuando com Andrezinho, que, como de costume, entregou grande exibição, o Colorado contou com noite inspirada da dupla Nilmar e Alex para vencer por 2 a 0, um gol de cada, e trazer a vantagem para o Beira-Rio.

Para a partida de volta, o desfalque foi outro – assim como o protagonista. Desfalcado de Alex, convocado pela Seleção Brasileira, o Inter encontrou em D’Alessandro o substituto ideal para o camisa 10. Reposição, esta, ocorrida não na criação de jogadas, já que o gringo, desde sua estreia, evoluía continuamente enquanto meia dos sonhos do povo vermelho, mas sim para o faro artilheiro em bolas paradas.

Cada vez mais adaptado ao corredor esquerdo, Marcão construiu excelente jogada individual aos 18 da primeira etapa, invadindo a área mexicana perseguido por três marcadores. O camisa 6 apenas perdeu a posse quando tentou fintar para dentro, mas o corte da zaga, parcial, encontrou o pé canhoto de D’Alessandro. Pisando na meia-lua, o gringo fingiu chutar e, esperto, ajeitou para a direita, adiantando na área e escapando do primeiro zagueiro. Pressionado por um segundo, tentou fazer o giro, mas foi derrubado por violento carrinho. Assinalado o pênalti, o próprio Cabezón abraçou a bola e, um minuto depois, bateu com exímia perfeição. Era o primeiro.

Os três gols de vantagem no agregado deixaram o Clube do Povo ainda mais tranquilo na partida. Armado com Taison e Nilmar na linha de frente, o Colorado, decidido a explorar a velocidade da dupla, soube oferecer parte do campo para os mexicanos, que passaram a cruzar a região central com relativa facilidade para, logo depois, esbarrar na defesa vermelha. Perfeita para contra-ataques, a receita ofereceu boas escapadas ao Inter.

Em uma destas, aos 35, o jovem atacante que substituía Alex chamou D’Alessandro para tabelar, mas, derrubado por trás, não conseguiu receber a devolução do argentino. Oscar Ruiz flagrou a irregularidade e indicou a falta. Coube ao grande nome do jogo, é claro, fazer a cobrança. Inteligente, El Cabezón percebeu pulo do goleiro na direção da barreira e cobrou no canto do arqueiro, pegando-o no contrapé. Indefensável, ela morreu na rede.

Marcão, de novo ele, investiu contra dois adversários pela esquerda e, experiente, cavou escanteio aos 43 do primeiro tempo. A cobrança, desta vez, coube ao destro Taison, que bateu fechado, buscando olímpico. No reflexo, o goleiro Hernandez até espalmou, mas manteve a bola na pequena área, entregue ao cabeceio de Nilmar, que ampliou. A dupla de ataque também aprontou na segunda etapa, com nova assistência do jovem camisa 20 para o artilheiro dono da 9. Mais do que garantir a classificação para a final, a vitória de 4 a 0 também serviu como homenagem perfeita a Arthur Dallegrave, ex-dirigente que figura entre os mais importantes políticos da história colorada, falecido dois dias antes da partida.

O adversário colorado na decisão foi o Estudiantes-ARG. Tradicional equipe do futebol sul-americano, o Pincha abriu a final, em seus domínios, apostando na magia de La Brujita Verón para largar em vantagem. Disputados no dia 26 de novembro, os primeiros 90 minutos do embate de alvirrubros envolveram tudo o que um duelo de gigantes continentais cobra. Drama, raiva, euforia, injustiça, heroísmo e uma boa dose de sorte flertaram com a maiúscula e histórica exibição do Clube do Povo, que teve em D’Alessandro um de seus referenciais. Genial como de costume, o gringo soube se adaptar às circunstâncias da partida, construindo atuação multifacetada.

No primeiro tempo, D’Alessandro foi letal no ataque. Mesmo deslocado de função a partir dos 24 minutos, quando Guiñazú recebeu injusto cartão vermelho, o gringo orquestrou todos os escapes colorados. Atuando pela direita da linha de quatro meio-campistas, formou, no flanco, triângulo perfeito com Bolívar, lateral, e Magrão, volante. Combinado, o trio misturava força e leveza, imposição física e alto quilate técnico.

Empolgado com a superioridade numérica, o Estudiantes se mandou para o ataque, deixando espaços letais na defesa. Aos 32, D’Alessandro percebeu um desses e, após receber passe de Nilmar, devolveu para o camisa 9 lançando, de direita, em profundidade, nas costas de Desábato. Incomodado, o beque atropelou o jogador colorado. Pênalti, que Alex bateu duas vezes para valer uma e abrir o placar!

Aos 37, D’Ale quase ampliou. Afiado nas cobranças de falta, o gringo mandou, da intermediária, chute forte no canto de Andújar. Venenosa, a bola triscou na ponta dos dedos do arqueiro, explodiu no poste esquerdo e retornou para os braços do camisa 1 pincharrata. Por detalhe o Clube do Povo não marcava o segundo, mas D’Alessandro demonstrava ser ele, e não Verón, o grande regulador do duelo. Como joga, Andrés!

Mais do que continuar dando exemplo de aplicação defensiva para fechar os espaços na retaguarda, na segunda etapa D’Alessandro, apoiado pela vantagem colorada no placar, passou a cozinhar o confronto. Sempre chamando a bola de “tu”, tratando a redonda com carinho, o gringo irritou seus compatriotas que, incrédulos, assistiam ao matrimônio de D’Ale com a esférica sem conseguir interferir no relacionamento. O camisa 15 ainda ofereceu assistência espetacular para Magrão, acionando o volante com um ganchinho surpreendente. Forte, o arremate do número 11 foi defendido por Andújar. Desta forma, findada a partida, o Inter garantia vantagem para a volta em Porto Alegre: 1 a 0!

Em campo, Lauro; Bolívar, Danny Morais, Álvaro e Marcão; Edinho, Andrezinho, Magrão e D’Alessandro; Alex e Nilmar. No Gigante, 51.803 apaixonados, decididos a conquistar o último título de elite que faltava na galeria de troféus alvirrubra. A terceira noite do mês de dezembro reuniu todos os ingredientes para ficar na história.

O clima de mobilização visto no Beira-Rio catalisou grande atuação colorada na etapa inicial. A exibição, é claro, passou longe de um massacre, como costumeiramente são disputadas as finalíssimas, mas era evidente a superioridade do Inter na partida. Incendiado por um Gigante que praticamente pegou fogo, o time do técnico Tite criou sua primeira oportunidade aos 4, com D’Alessandro, que pegou a sobra de boa jogada de Alex e finalizou, forte, com a canhota. A bola saiu por cima, levando muito perigo. Já às vésperas do intervalo, El Cabezón deu lindo passe para Andrezinho chutar colocado e exigir milagre de Andújar.

O Estudiantes cresceu no segundo tempo, especialmente depois dos 10 minutos. Time matreiro, conhecedor dos mata-matas, aproveitou o momento positivo para balançar as redes do Inter. A vitória pelo placar mínimo igualou o placar agregado, levando a decisão para a prorrogação. Uma vez mais, o Beira-Rio precisou exercer papel de protagonista para compensar o desgaste de seus heróis e amedrontar os visitantes mal-intencionados. Incendiário, o Gigante começou a jogar, e serviu de parceiro perfeito para a canhota de Andrés.

O time que começou a disputa do tempo extra exibia diferenças em relação ao escalado para a partida. No lugar de Alex, Taison compunha veloz linha de frente com Nilmar, enquanto Gustavo Nery, que substituira Andrezinho, acrescentava maior vigor físico na esquerda do meio. No início da etapa final, Sandro ainda foi alçado a campo na vaga do extenuado Magrão. Uma escalação pautada na imposição e na força, portanto, buscava a taça continental. Controlando o ímpeto e adicionando pitadas de brilhantismo à robustez, D’Alessandro capitaneava cada avanço vermelho, sempre acompanhado por seus companheiros, que ofereciam respostas perfeitas aos movimentos do camisa 15. O gringo, consciente de sua responsabilidade, criou as melhores oportunidade do Clube do Povo na prorrogação.

Ainda nos primeiros 15 minutos, D’Alessandro progrediu, a seguidos cortes, pela esquerda da área rival. Com espaço, alçou bola milimétrica para Bolívar, que cabeceou na zaga, deu início a verdadeiro caos e, ainda, encerrou a jogada soltando um petardo milagrosamente defendido pelo goleiro. No segundo tempo, aproveitando o recente entrosamento com Bolívar e tirando vantagem do fôlego renovado de Taison, o argentino ocupou, com grande frequência, o lado direito do campo. Por ali, aos 6, driblou dois marcadores para invadir a área, aplicou o La Boba em um terceiro e cruzou de direita por cima de Andújar. Posicionado sob as traves, Nilmar teria o gol aberto para marcar, mas fora cortado, segundos antes do arremate, por Angeleri. Apesar de desperdiçada, a oportunidade deixava claro qual era o caminho do gol.

O relógio indicava oito minutos e quatro segundos da etapa final da prorrogação quando D’Ale, empurrado pela curva sul do Beira-Rio, partiu para levantar escanteio na área argentina. Cavado por Taison, o córner, pela direita, permitia ao canhoto a possibilidade de cobrança fechada. Exatamente assim o camisa 15 alçou, procurando a entrada da pequena área. Ali, quem subiu foi Danny Morais, testando para o solo.

Na subida, a bola resvalou nos dedos de Andújar e explodiu no travessão, oferecendo-se para Nery. De esquerda, o meio-campista soltou o pé, mas também foi bloqueado pelo goleiro. O rebote, contudo, sobrou para o artilheiro. Encarando um gol aberto, Nilmar não teve problemas para honrar o faro goleador de sempre e empatar para o Clube do Povo. Gol de título, de um campeão de tudo. E o Beira-Rio? Ficou catártico!

O título da Sul-Americana foi o primeiro dos 13 que D’Ale conquistou, até o presente dia, com o Colorado. Já amado pela torcida após míseros quatro meses de Beira-Rio, o argentino não titubeou ao escolher a comemoração perfeita para o triunfo. Com a taça em mãos, disparou até a saudosa goleira do placar e, de frente ao público ensandecido, subiu no antigo fosso do Gigante. Encarando cada torcedor nos olhos, provou ser um capitão nato para erguer o cobiçado troféu, levando dezenas de milhares ao delírio. Clube do Povo, campeão continental! Vamo, Inter; e Dale, D’Alessandro.

A acachapante goleada campeã gaúcha

A semana compreendida entre 27 de abril e 04 de maio de 2008 nada teve de tranquila para o Clube do Povo. Os dias corridos da partida de ida à de volta da final do Gauchão estiveram marcados por grande tensão no número 891 da Padre Cacique. A vitória do Juventude, pelo escore mínimo, nos primeiros 90 minutos, obrigava o Inter a buscar um triunfo por dois gols de diferença em seus domínios. Maior do que a vantagem caxiense, todavia, era o sentimento de frustração que abatia os alvirrubros, uma vez que o solitário tento alviverde fora anota somente no último lance do confronto disputado no Alfredo Jaconi. Pior ainda, a injusta derrota ocorreu no final de semana seguinte à histórica virada vermelha sobre o Paraná, em duelo das oitavas de final da Copa do Brasil encerrado com o 5 a 1 gaúcho no Gigante. Acima da desvantagem no placar, portanto, estava o abalo psicológico da equipe colorada, que buscava encerrar um jejum de dois anos sem conquistar o principal título do Rio Grande do Sul.

“A gente não pode se alimentar de raiva, tem que se alimentar de alegria. Hoje, o time todo lutou muito e o torcedor incentivou bastante. O pessoal está de parabéns!”

Abel Braga – 15/03 – iNTER CLASSIFICADO COM DUAS RODADAS DE ANTECEDÊNCIA

O Inter construiu campanha bastante sólida no Gauchão de 2008. Campeão da Dubai Cup logo no sétimo dia da temporada, o Clube do Povo fez sua estreia no Estadual em 20 de janeiro, contra o xará de Santa Maria. Comandada por Abel Braga, a equipe voltou para Porto Alegre com um ponto na bagagem, após igualdade de dois gols para cada lado. Integrante do Grupo 2, que contava, ainda, com Juventude, Veranópolis, Guarany de Bagé, Brasil de Pelotas, São José-POA e São Luiz, o Colorado somou, na primeira fase do certame, disputada em turno e returno, 10 vitórias, duas derrotas e mais um empate, assim registrando 32 pontos.

Como um Rolo Compressor, o Clube do Povo chegou à fase eliminatória com 34 gols marcados e apenas nove sofridos. Espetaculares, os números ofensivos foram construídos apesar do desfalque de Nilmar, atacante que sofreu lesão na terceira rodada e, por isso, passou mais de dois meses afastado dos gramados. Compensando a perda do lépido avante, Alex e Iarley viveram excelente fase, capaz de encher a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande de motivos para sorrir. Artilheiros colorados, até o momento somavam, respectivamente, sete e seis gols.

A dupla fazia parceria, no ataque alvirrubro, com o Eterno Capitão Fernandão, assim formando goleador tridente, sustentado, especialmente, por Guiñazú e Magrão, motores de uma equipe muito bem armada no sistema 3-5-2. De linda história com a camisa vermelha, todos estes nomes estiveram apoiados, no Gigante ou no interior, pelo povo colorado, que ofereceu um espetáculo à parte em todas as arquibancadas que sediaram jornadas do Inter.

“Agora quero atuar para adquirir ritmo de jogo. Mas estou me sentindo bem melhor fisicamente do que no início do jogo!”

NILMAR – 05/04 – Retorno aos gramados após 69 dias

Os canoenses da Ulbra foram os adversários nas quartas de final. Iniciada na Região Metropolitana, a jornada teve o 4 a 1 para o Inter como placar de seus primeiros 90 minutos. Guiñazú, de carrinho, marcou o primeiro gol do confronto, seu segundo com a camisa vermelha, e esteve acompanhado, na lista de artilheiros colorados, por Alex, com dois tentos, e Índio. Seis dias depois, o Beira-Rio recebeu mais de 20 mil pessoas para a partida de volta, disputada no dia 5 de abril, apenas 24 horas após o Clube do Povo completar 99 anos de história.

Agitado, o duelo teve seu placar inaugurado ainda aos 5 minutos por Fernandão, em preciso cabeceio. Aos 20, contudo, os visitantes ameaçaram arrefecer o ritmo alvirrubro ao atingirem o empate. Breve igualdade, logo dissipada por Iarley, completando assistência de Sidnei. Na etapa final, Abel Braga promoveu o retorno de Nilmar aos gramados. O ídolo entrou aos 19, e precisou de apenas quatro minutos para, em uma de suas muitas arrancadas, ser derrubado dentro da área. Pênalti, que nosso Eterno Capitão cobrou para grande defesa do arqueiro adversário. O segundo gol dos rivais perturbou ainda mais a comemoração do aniversário vermelho, mas Magrão, aos 44, deu números finais ao embate. Inter 3 a 2, no agregado 7 a 3, e a vaga nas semis era nossa. Que viesse o Caxias, pois, com a volta da estrela que faltava, nosso ataque estava mais preparado do que nunca!

“Importante o empenho e a dedicação de uma equipe que sabe o que quer. A vitória foi mais que justa”

FERNANDÃO – 13/04 – ENTREVISTA APÓS VITÓRIA NO CENTENÁRIO

Não foi fácil chegar à final do Gauchão. Diante do Caxias, o Inter não apenas enfrentou tradicional instituição do futebol gaúcho, como também time que vinha embalado de uma sequência de 21 jogos sem perder em seus domínios. Além disso, a equipe da Serra ainda tinha a melhor defesa do torneio, tendo sido vazada em escassas 10 oportunidades. Contra o retrospecto positivo dos mandantes, a torcida colorada tratou de criar, no Centenário, uma verdadeira sucursal do Beira-Rio. Aproximadamente uma dezena de milhares de alvirrubros tomaram o campo adversário, praticamente dividindo o Estádio ao meio. O clima chuvoso e frio, típico da região, completava a lista de ingredientes para uma grande abertura de semifinal, confronto para o qual se esperava um Clube do Povo extremamente ofensivo, consequência da escalação com Fernandão e Alex no meio, e Iarley e Nilmar na frente.

Após uma primeira metade de partida truncada como seria de se imaginar, o confronto tomou contornos épicos para o Inter quando, aos 26 minutos, já debaixo de verdadeiro temporal, Marcão foi expulso. Abel respondeu sem substituição, mas com mudança tática: Alex foi para a lateral-esquerda, e Iarley passou a compor o meio, mais próximo de Fernandão. Na frente, Nilmar puxava rápidos contra-ataques, que ofereceram ao Colorado, mesmo em inferioridade numérica, as melhores oportunidades da etapa inicial. O Clube do Povo voltou do intervalo com Titi na vaga de Iarley e, ainda mais encaixado defensivamente, praticamente não ofereceu chance aos mandantes, que limitavam seu poderio ofensivo a raros cruzamentos bem-sucedidos. De sua parte, o escrete alvirrubro seguiu levando perigo em escapes de velocidade, agora conduzidos por Adriano. Aos 47, o atleta recebeu cobrança de lateral pela direita, conduziu até a linha de fundo e, inteligente, superou dois marcadores com o corpo para invadir a área e servir açucarada assistência para Alex. Vantagem garantida para a volta, justa por toda a dedicação dos heróis vermelhos.

Imagem: RBSTV

E como a canhota de Alex estava afiada no ano de 2008. No dia 20 de abril, o ídolo ofereceu um verdadeiro espetáculo para as mais de 35 mil pessoas que lotaram o Beira-Rio. De volta ao esquema com três defensores, o Inter iniciou a partida em altíssima rotação, impulsionado pelo ritmo do camisa 7, acompanhado de Fernandão e Nilmar. Foi após assistência de Guiñazú, contudo, que recebera lindo de passe de Magrão, que o grande nome da tarde fez sua primeira obra de arte. Com a canhota, de primeira, mandou um foguete indefensável. Já aos 27, o craque tabelou com o Eterno Capitão e, depois de pivô preciso do 9 alvirrubro, finalizou no cantinho. Lesionado, infelizmente o protagonista precisou sair de campo na etapa final, que ainda teve o tento de honra dos caxienses. Com o triunfo por 2 a 1, o Clube do Povo confirmou a vaga na final e, de quebra, garantiu o segundo jogo no Gigante.

“Está na hora de o raio

mudar de lugar!”

ABEL BRAGA – 03/05 – VÉSPERA DA FINALÍSSIMA

O gol de Maicon, aos 47 do segundo tempo na partida de ida da decisão, representou ao Juventude a terceira vitória consecutiva sobre o Inter no Gauchão. O Papo, até então, ostentava o posto de única equipe a não ter sido derrotada pelo Clube do Povo naquela edição do Estadual. O Colorado, inclusive, sequer havia vazado a defesa alviverde. Até por isso, na véspera da finalíssima, Abel Braga declarava torcer para que, enfim, o raio “parasse de cair no mesmo lugar”. Para tanto, mais do que contar com a sorte, o comandante alvirrubro preparava estratégia repleta de repertórios antigos e recentes para conquistar a taça, até então inédita em seu museu particular.

Após sofrer com os desfalques de Guiñazú e Alex nos primeiros 90 minutos da final, Abel manteve, até o último instante, mistério quanto ao retorno da dupla para o confronto no Gigante. Fundamentais para o funcionamento do time, os canhotos eram aguardados com grande ansiedade pela torcida, povo que correspondia a outra armadilha tida como decisiva pelo comandante alvirrubro. À época, o Inter acabara de atingir a marca de 60 mil sócios, público capaz de esgotar os ingressos do duelo de volta antes mesmo de a venda ser aberta aos demais torcedores, e que, habituado a atuar como um 12º jogador, prometia fazer a diferença. Por fim, o treinador, vencedor de América e Mundial na casamata vermelha, sabia que, contra um psicológico claudicante, não restava melhor motivação ao elenco do que a liderança de Fernandão – que, acredite se quiser, vinha sendo provocado pelos torcedores do time da Serra.

Abel, na véspera da decisão, conversa com Alex e Guiñazú, as dúvidas na escalação colorada

Desarmado no lance que originou o gol do Juventude, nosso Eterno Capitão foi ironizado, ao longo de diversos dias, pela torcida alviverde. Os resultados que vinham sendo alcançados pelo Papo, desde o final da década de 90, em partidas contra o Clube do Povo, pareciam alimentar, nos moradores de Caxias, a falsa impressão de equivalência ao gigantismo colorado. Irritante para alguns, a postura mais parecia delirante aos alvirrubros, uma vez que não passava de combustível para um elenco acostumado a fazer história vestindo vermelho. E também, é claro, branco, cor do uniforme envergado pelos atletas no momento em que subiram ao gramado de um Beira-Rio tomado por mais de 42.000 ensandecidos, que encaravam a chuva e o vento para apoiar o Internacional rumo ao 38º título gaúcho de sua biografia.

“Hoje é dia

de suar sangue!”

FERNANDÃO – 04/05 – MOMENTO DA ENTRADA EM CAMPO

Tão intensa quanto a cantoria da torcida foi a exibição colorada assim que soado o primeiro apito. Retrancado, o Juventude tentava limitar os espaços em seu campo de defesa, estratégia respondida pelo Inter com lançamentos em sequência para o pivô de Fernandão, que sempre buscava a tabela com Alex e Nilmar. Defendendo o Clube do Povo no dia quatro de maio estiveram, também, Clemer no gol; Índio, Orozco e Marcão na defesa; além de Bustos, Danny Morais, Magrão e Guiñazú no meio de campo. Igualmente impecáveis, os guerreiros daquela tarde puderam extravasar, pela primeira vez, aos 25 da etapa inicial, quando Danny, de cabeça, estufou as redes visitantes.

Pouco mais de quatro minutos correram até Fernandão marcar o seu primeiro na partida, segundo do Inter, completando grande cruzamento de Nilmar. O Beira-Rio ainda tremia com a festa da torcida quando, aos 31, o Eterno Capitão ampliou, concluindo, de pé direito, bola escorada por Marcão. Ainda antes do intervalo, Alex, em cobrança magistral de falta, anotou o quarto, dando início a um verdadeiro carnaval nas arquibancadas e cadeiras do Gigante.

“Eu jogo em time grande.

Sabia que a nossa equipe

iria fazer uma partida espetacular! ”

FERNANDÃO – 04/05 – INTERVALO DA FINALÍSSIMA

Ninguém poderia prever o significado daquela bola na rede. Aos quatro do segundo tempo, Bustos cobrou falta para a área e Fernandão, preciso em seus cabeceios como sempre, testou no contrapé de Michel Alves. Golaço, de número 77 do Capitão com a camisa colorada, o último que marcou vestindo nosso manto. Na comemoração, o ídolo partiu em direção à massa localizada na eterna ‘Goleira do Placar’, e arremessou, para o povo, a faixa que usava no cabelo. Uma festa digna do significado que o tento assumiria no futuro. Uma comemoração que mais pareceu um abraço, de um herói e torcedor na torcida que tanto lhe deu amor. Metamorfose entre jogador e arquibancada, selando união que perdurará para sempre na história alvirrubra.

Iniciada em novembro de 2007, a segunda passagem de Nilmar pelo Inter foi, também, a mais artilheira do ídolo com as cores do Clube do Povo. O primeiro tento que marcou no Beira-Rio, contudo, até que custou para sair. Foi aos 9 minutos do segundo tempo que o craque recebeu passe rasteiro de Bustos e, sem chances de defesa para Michel Alves, finalizou rasteiro, direto para as redes. Pouco depois, saiu o tento de honra dos visitantes, também este originado dos pés de um colorado. Índio tentou cortar cruzamento da direita e, por acidente, atentou contra o próprio patrimônio. Ato contínuo, a torcida aplaudiu o zagueiro multicampeão, que respondeu anotando o sétimo, de cabeça, após cobrança de escanteio de Andrezinho. Àquela altura, vale lembrar, o meio-campista já estava em campo na vaga de Alex, assim como Jonas, no lugar de Bustos. Segundos após o defensor fazer o seu, Fernandão, completamente ovacionado, deixou o campo para a entrada de Iarley, finalizando as substituições alvirrubras.

Imagem: RBSTV

A hora estava chegando. O sol raiava, vencendo as teimosas nuvens que imperaram durante a tarde em Porto Alegre. A torcida, apaixonada, exaltava o Internacional. Dentro de campo, o time trocava passes, deixando o tempo correr. Mais rápido do que o relógio, no entanto, Andrezinho invadiu a área visitante aos 44. Irritada, a zaga juventudista derrubou o jogador. Pênalti, cujo batedor foi escolhido pelo Beira-Rio, unânime em conclamar Clemer. Prestes a conquistar sua quinta taça estadual pelo Clube do Povo, o goleiro foi estupendo e, com muita categoria, cobrou, de cavadinha, direto aos barbantes da cidadela serrana. Colorado oito, sim, oito. Juventude? Apenas um.

O título, incontestável, era nosso, e foi erguido, em conjunto, pelos três líderes daquele grupo: Clemer, Iarley e, é claro, Fernandão. Extremamente vencedor com a faixa de capitão, o camisa 9 se sagrou, naquele instante, bicampeão estadual. Última taça de sua trajetória no Clube do Povo, encerrou ciclo abrilhantado pelos troféus de Libertadores, Mundial, Recopa e Dubai Cup, e iniciado, em 2005, também com um Gauchão. Dentro de campo, a história de Inter e Fernando Lúcio chegava ao seu fim. Fora das quatro linhas, ela será eterna. Uh, terror!

Grupo campeão:

Goleiros: Clemer, Renan, Agenor, Muriel e Luiz Carlos;

Zagueiros: Danny Morais, Índio, Marcão, Orozco, Sidnei e Titi;

Laterais: Bustos, Pessanha, Jonas e Ramon;

Meio-campistas: Edinho, Sandro, Derley, Guiñazú, Ji-Paraná, Magrão, Maycon, Wellington Monteiro, Alex, Andrezinho e Roger;

Atacantes: Adriano, Eder, Fernandão, Gil, Guto, Iarley, Nilmar e Walter.