De joia a ídolo: relembre a trajetória de Taison no Inter

O PASSISTA DO BEIRA-RIO VOLTOU! Fiel representante da essência do Clube do Povo, Taison está de volta ao Gigante. Anunciado na tarde desta sexta-feira (16/04), o ídolo retorna ao Inter para escrever novos capítulos em história que já conta boas doses de superação, alegria, taças e, é claro, muita irreverência vestindo vermelho.

Oriundo do pelotense Progresso, clube de sua cidade natal, Taison chegou ao Celeiro de Ases no ano de 2005. Jogador de extrema velocidade e dribles desconcertantes, foi descoberto durante confronto contra o próprio Inter. A partir de então, passou a ser cuidadosamente lapidado na base do Clube do Povo, onde viveu pouco mais de dois anos e atuou pelas categorias Sub-17 e Sub-20 até a promoção para os profissionais, oficializada no início de 2008.

À época, o mês de maio, inaugurado com taça estadual, não ofereceu final feliz para o Inter. Oscilante, o Colorado acumulou derrotas, por Brasileirão e Copa do Brasil, que culminaram com troca no comando técnico e despedida de ídolos. Neste cenário instável, Taison debutou entre os profissionais do Clube do Povo. No Estádio do Canindé, o jovem substituiu Magrão quando o relógio indicava 34 minutos da etapa final, e pouco pôde fazer para evitar o tropeço colorado para a Portuguesa, vitoriosa naquele domingo dia oito.

“Olha para trás, Taison.
Está todo mundo te observando e,
no dia do jogo, vai ter muito mais.
Tens que dar o teu melhor,
pois tu vai acertar!”

TIte, em seus primeiros treinos À frente do INTER
Taison e Cléber Xavier, auxiliar colorado durante a passagem de Tite

Os dias que sucederam o revés em São Paulo ficaram marcados por novas mudanças. Primeiro, Tite chegou. Pouco depois, Fernandão, nosso eterno capitão, deixou o Inter. O ataque vermelho, assim, sofria grande baixa, lacuna que aumentava a pressão sobre Taison. Felizmente, neste exato momento o jovem encontrou um amigo e fiel escudeiro na casamata do Beira-Rio. O novo comandante, em breve ficaria claro, era um entusiasta do futebol da cria colorada.

“Se o professor precisar de mim,
estou pronto para dar
o meu melhor.”

TAISON, SOBRE A CHEGADA DE TITE

Não demorou para Tite precisar de Taison. Em sua segunda partida à frente do Inter, o comandante deu novos minutos ao jovem, alçado a campo aos 22 da etapa final de partida contra o Vitória, em Salvador. O desempenho agradou a ponto de o pelotense ser escalado como titular no confronto seguinte. Formando dupla com Nilmar, a cria do Celeiro iniciou o Gre-Nal 370, disputado no Olímpico e válido pelo primeiro turno do Brasileirão. Missão difícil? Não para o futuro craque, escolhido o melhor do Inter no empate em 1 a 1.

Taison não sentiu o peso do primeiro clássico que disputou pelo Inter

Faltava a Taison apenas a estreia no Beira-Rio, que chegou no dia seis de julho. Diante do Coritiba, o insinuante avante ocupou papel de destaque em linha de frente compartilhada com Alex e Nilmar. Protagonista na vitória por 3 a 0, brilhou com dribles, ocupou o papel de garçom e fez os zagueiros adversários, infernizados com seu ritmo de garoto, acumularem cartões amarelos.

“A torcida é quem dá apoio para nós, estou muito emocionado. Temos muito o que mostrar ainda. Sempre sonhei em ter este reconhecimento, em ouvir a torcida gritando o meu nome no Beira-Rio. Que bom que isso aconteceu. O Inter apostou em mim, por isso quero dar o meu melhor.”

Taison, após estrear no Gigante

Se a parceria com nomes marcantes a exemplo de Alex, Tite e Nilmar avançava em velocidade equiparável apenas à das pernas do pelotense, o primeiro gol da joia pelo Inter apresentou uma nova dupla que faria história no Beira-Rio. A chuvosa noite de 20 agosto pareceu embalar D’Alessandro, que criou linda jogada para Adriano finalizar. Marcos defendeu, mas o rebote foi de Taison, que não hesitou em fuzilar. O Clube do Povo chegava a quatro, o Palmeiras seguia com um, e a cria do Celeiro estreava na lista de goleadores alvirrubros. Festa, no Beira-Rio, com El Cabezón!

A festa com o primeiro gol de Taison!

Grande conquista colorada em 2008, a Sul-Americana também presenciou atuações de luxo do jovem colorado. Importante na fase de oitavas, quando o Inter enfrentou a Universidad Católica com equipes mistas, Taison saiu do banco no histórico triunfo de 2 a 1 sobre o Boca, na Bombonera.

Seu momento de maior brilho na campanha – e, provavelmente, na temporada -, veio na sequência, na partida de volta das semifinais. Titular diante da ausência de Alex, convocado para a Seleção Brasileira, a joia serviu Nilmar nos dois gols marcados pelo parceiro na vitória por 4 a 0 sobre o Chivas.

A mágica Academia do Povo de 2008 já contava com Taison (20)

O show particular contra o Chivas, inclusive, ocorreu no embalo do segundo gol de Taison pelo Inter, marcado dias antes, durante goleada sobre o Ipiranga. Anotado em bonito chute de fora da área, o tento foi o último marcado pela cria no seu ano de estreia entre os profissionais.

Para além das bolas na rede, contudo, a participação do jovem pelotense também foi decisiva através de dribles insinuantes. Na finalíssima continental, contra o Estudiantes, foi Taison quem esbanjou coragem para encarar dois marcadores, um deles Desábato, e cavar o escanteio que originaria o inesquecível gol de Nilmar.

Taison, o terceiro agachado da direita para a esquerda

“Tive a felicidade de entrar e marcar. Agora, vou continuar trabalhando
para conquistar uma chance

do técnico Tite.”

Taison, após partida contra o são josé-poa

A titularidade absoluta de Taison chegou em 2009. Avassalador, o jovem saiu do banco na segunda rodada do Gauchão para marcar dois gols na brigada vitória de 3 a 1 do Inter sobre o São José e, a partir de então, se consolidar nos 11 iniciais de Tite. O último gol do jovem na partida, vale lembrar, saiu já nos instantes finais de jogo.

Aos poucos, a camisa 7 conhecia seu mais novo dono

Novo dono da camisa 7 colorada, Taison voltou a marcar na semana seguinte, participando de importante 4 a 0 em cima do Sapucaiense. Logo depois, outro doblete, contra a Ulbra, confirmou o inspirado início de temporada do jovem. No horizonte, um clássico Gre-Nal despontava como momento perfeito para o pelotense referendar o recente protagonismo.

“Todo mundo brinca que eu sou um raio. Então, o Nilmar é o papa-léguas!”

Em Erechim, Taison foi gigante. Uma vez mais, o jovem provou que sua estrela vai muito além dos gols, e protagonizou contra-ataque histórico com Nilmar. Em alta velocidade, a dupla transformou lance de perigo do rival em rabisco eternizado na retina do povo vermelho. O gol, segundo do Inter, garantiu vitória por 2 a 1 no primeiro clássico do ano de nosso centenário.

Taison e Bolívar, futuro e passado, então juntos no presente

O ritmo goleador não apenas foi mantido até o fim do primeiro turno estadual, conquistado em Gre-Nal disputado no Beira-Rio, como também renovado nas semanas seguintes. Campeão da primeira fase, o Inter também venceria o returno do Rio Grande, desta vez com goleada histórica sobre o Caxias. Autor de 15 gols no torneio, muitos deles decisivos, a exemplo do anotado em cima do Grená, Taison encerrou o Gauchão no topo da artilharia.

“Taison ou Messi?

Depois do Rio Grande, o Brasil inteiro também teve a oportunidade de se curvar à fase estrelada de Taison. Autor de gol nas fases segunda, de oitavas, quartas e semifinal da Copa do Brasil, o craque chegou a suscitar, em partida contra o Coritiba, que abriu a disputa por vaga na decisão, questionamento marcante da imprensa gaúcha. Como esquecer da heresia do saudoso Wianey Carlet, que ousou comparar o menino de Pelotas a Lionel Messi? Na noite de 27 de maio de 2009, os colorados e coloradas perceberam quem era melhor.

O Brasileirão, vale lembrar, também serviu de solo fértil para grandes exibições de Taison. Peça importante na excelente arrancada do Clube do Povo na competição, o atacante desenvolveu, ao longo do torneio, simpatia cada vez maior pelo corredor esquerdo do gramado, consequência da cada vez mais evidente defasagem do sistema 4-4-2, revolucionado por Mourinhos e Guardiolas.

Desacompanhado de Nilmar, negociado com o futebol espanhol, o camisa 7 encontrou parceria com outros nomes de destaque no Inter de então. Ao lado de Giuliano, Marquinhos, Alecsandro e companhia – além dos companheiros mais longevos, é claro -, Taison ajudou a classificar o Colorado, vice-campeão nacional, para a Libertadores seguinte.

Titular na última rodada do Brasileirão, Taison deu assistência para Giuliano na partida

O Taison, com velocidade, caiu
em cima
da última linha
do Emelec.”

fossati, depois da estreia nos grupos da libertadores
Taison abriu a temporada com gols no Gauchão…

A estreia do grupo principal colorado em 2010 ocorreu diante do Juventude. Titular, Taison marcou gol no Beira-Rio, logo acompanhado pelo segundo da temporada, tento anotado na terceira partida que disputou no ano. Com a chegada de Jorge Fossati para a casamata, todavia, o elenco passou a conviver com maior rotatividade na linha de frente.

Desta forma, o camisa 7 abriu a Libertadores na reserva do 3-5-2, mas entrando em campo para mudar esquema e postura do lado vermelho, contribuindo na virada sobre o Emelec. Também partindo do banco, a cria do Celeiro atuaria em outras quatro das cinco partidas que completaram a participação alvirrubra na fase de grupos da América.

Habituado a fazer a diferença em momentos decisivos, Taison viveu, na abertura das quartas de final, sua primeira grande noite no principal campeonato de clubes do continente. Contra o Estudiantes, foi o escolhido de Jorge Fossati na busca por espaços na retaguarda argentina, que emperrara o jogo colorado ao longo de todo o primeiro tempo.

Camisa 7 incomodou o Estudiantes

Chamado pelo técnico aos 18 minutos, o camisa 7 cumpriu sua missão com louvor. Garçom para gol de Alecsandro, anulado por centímetros, atordoou o corredor direito da defesa pincha, estonteando Cellay. Não por acaso, neste setor surgiu a falta cobrada por Andrezinho e desviada, em direção ao gol e à vantagem, por Sorondo.

“Venho treinando com dedicação,
quero aproveitar
esta chance!”

Taison, durante a intertemporada

A Copa do Mundo de 2010 paralisou a disputa dos campeonatos de clubes, oferecendo intertemporada fundamental para Celso Roth, substituto de Fossati, conhecer o elenco do Clube do Povo. Com as atenções completamente voltadas para as semifinais da Libertadores, o Inter ainda pôde tornar preparativos os quatro jogos que tinha por disputar pelo Brasileirão antes de enfrentar o São Paulo na luta por vaga na final da América.

“Fiquei morto após a arrancada, mas valeu o empenho!”

Decidido a conquistar o continente com o Colorado, Taison marcou dois gols nas quatro vitórias alcançadas pelo Inter antes do embate com os paulistas. O primeiro, anotado em jogada de altíssima velocidade, saiu logo na retomada do Brasileirão, contra o Guarani, em Campinas. O outro, uma pintura, saiu na partida anterior à semifinal. No Beira-Rio, o camisa 7 fez o acertou lindo chute de perna direita no ângulo da meta flamenguista.

Meu gol não me garantiu contra o São Paulo. Tenho certeza de que todos querem jogar.”

Que se registre para a posteridade: Taison viveu uma noite inspirada contra os paulistas. Disputados no Beira-Rio, os primeiros 90 minutos das semifinais da América tiveram no camisa 7 seu grande nome. Dono de crescente entrosamento com Kleber, o proprietário da ponta-esquerda de ataque do Inter participou de duas grandes oportunidades, milagrosamente defendidas por Ceni. Substituído por Sobis a instantes do apito final, deixou o campo justamente ovacionado pelas cerca de 50 mil pessoas presentes no Gigante.

Taison perturbou a zaga do São Paulo

Talhado para encarar momentos de tensão com a típica leveza dos craques, Taison sempre irritou marcadores que não compreendem a hierarquia exercida pelo pelotense dentro de campo. À pressão de 60 mil gargantas paulistas, ele respondeu com a tranquilidade característica de quem carrega o DNA do Celeiro, eternamente cassada pelos rivais. Fracassada para quem enfrenta Andrés D’Alessandro, a perseguição ao 7 valeu para o gringo falta cobrada na medida certa para o finalista resvalo de Alecsandro.

“Foi uma vitória muito importante.
Agora, vamos trabalhar forte
para o jogo da volta.”

taison, depois do jogo em guadalajara

Iniciada fora de casa, a decisão continental seguiu roteiro parecido ao do jogo de volta das semis. Liso como de costume, Taison seguiu oferecendo aos adversários um único caminho para ser interrompido: as faltas. Diferente do que ocorrera em São Paulo, entretanto, a melhor oportunidade que o jovem cavou em Guadalajara não virou gol – por detalhe. Alecsandro, desta vez, mandou no travessão. Sem problemas, graças ao grande segundo tempo colorado, premiado com vitória por 2 a 1.

Piscou? Perdeu!

Nova final, novo brilho. No gol de Rafael Sobis, do empate no Beira-Rio, foi Taison quem, atento à luta de Guiñazú, recuperou a posse para o Colorado e acionou D’Alessandro. Do Cabezón a bola seguiu até Tinga, que abriu tudo com Kleber, garçom da noite. O camisa 7, como de costume, era decisivo.

Sacado de campo logo após o empate, Taison acompanhou do banco os minutos que antecederam a consagração do Inter como bicampeão da América. Encerrada a partida, ele vivia o sonho de todo colorado. Pela segunda vez na história, seu time do coração conquistava a maior taça do continente. Pela primeira, com participação direta dele.

A emocionada euforia de um campeão da América/Foto: Ricardo Duarte

A reafirmação do futebol de Taison ao longo da campanha, coroada com a taça da Libertadores, não passou despercebida pelo mercado europeu. Assim, na semana seguinte ao Bi da América, o camisa 7 disputou, diante do Avaí, a última de suas 137 partidas com o Inter.

“Estou muito feliz por estar de volta a minha casa.
De volta a todos vocês, colorados.
Estou muito feliz, vocês
não têm noção.”

TAISON, NESTA SEXTA, EM LIVE NO PERFIL DO INTER

Casa adversária, a Ressacada presenciou tanto os últimos movimentos de Taison vestindo vermelho quanto as lágrimas que correram no rosto do craque após o jogo, no vestiário visitante. Quase 11 anos depois, o Clube do Povo agora volta a fazer sua cria chorar. Desta vez, de alegria. Bem-vindo de volta, ídolo!

A neblina de Quilmes

Diferente do que a invicta conquista colorada possa sugerir, a edição da Sul-Americana de 2008 não foi nada fácil. Pelo contrário, raras foram as ocasiões em que o torneio reuniu tantas equipes tradicionais brigando pelo título. Entre os semifinalistas, por exemplo, além do Inter estiveram River Plate, campeão do Torneo Clausura da época, Estudiantes de La Plata, que viria a conquistar a Libertadores no ano seguinte, e o gigante mexicano Chivas Guadalajara. O alto nível dos clubes, inclusive, tornava no mínimo provável que estes voltassem a se encontrar em um futuro não muito distante, brigando por outros títulos continentais.

Quis o destino que os argentinos do Estudiantes fossem os primeiros conhecidos a voltar a cruzar o caminho do Clube do Povo, desta vez nas quartas-de-final da Libertadores de 2010. E se o confronto de duas temporadas antes fora emocionante, se estendendo para além dos tradicionais 180 minutos para ser decidido apenas no segundo tempo da prorrogação, após Nilmar marcar o gol do título do Inter, o duelo disputado há exatos 10 anos, no dia 20 de maio, não ficou para trás.


Os truncados 90 minutos iniciais

O Inter chegou entre os oito melhores do continente depois de eliminar, nas oitavas de final, o Banfield-ARG, em confronto que teve seus últimos 90 minutos disputados no Beira-Rio. A emocionante classificação vermelha motivou a crítica esportiva a apontar o Colorado como um time em franca ascensão no principal torneio do continente. Para chegar às semifinais, contudo, seria necessário superar equipe tida como a melhor das Américas. Mais do que isso, o duelo de volta aconteceria na Argentina. Fazer o resultado no Beira-Rio, portanto, era uma obrigação, apesar do alto nível rival.

Diante de mais de 40 mil colorados e coloradas, Jorge Fossati mandou a campo, na noite de 13 de maio, o que tinha de melhor à disposição. Habituado a alterar a formação de jogos como mandante para partidas longe de casa, o uruguaio escalou o Inter no 4-4-2. Abrindo o escrete estava Abbondanzieri, contratado no início do ano com a responsabilidade de conferir experiência ao time que sonhava com o bicampeonato. Nei, Bolívar, Sorondo e Kleber compunham a defesa, sempre protegida pelos volantes Guiñazú e Sandro, entrosados desde a temporada passada. Na frente, D’Alessandro e Andrezinho tinham a missão de furar a linha de 5 defensores argentinos e municiar a dupla de atacantes formada por Walter e Alecsandro.

Duríssimo, o confronto se desenrolou marcado pela escassez de espaços. Rondando constantemente a área argentina, o Inter sofria para criar chances reais, ficando entregue a chutes de longa distância e bolas alçadas na área. Do outro lado, o Estudiantes apostava todas suas fichas em um possível contra-ataque letal armado pela genialidade de Verón, que também não era encaixado. O cenário emaranhado persistiu até os 20 da etapa final, quando Taison, endiabrado, entrou na vaga de Walter e deu novo ímpeto à linha de frente alvirrubra. A partir de então, durante 20 minutos Orión operou milagres, a arbitragem ignorou lances duvidosos e, ainda, Alecsandro balançou as redes, mas teve impedimento assinalado. O empate sem gols parecia inevitável, até que o centroavante colorado cavou falta na intermediária.

O relógio indicava exatos 46 minutos e 26 segundos quando Andrezinho levantou bola perigosa na área visitante. Açucarada, a redonda viajou precisa até a cabeça de Sorondo, que se atirou em obstinado peixinho na direção do pequeno retângulo platense. Fatal, o desvio do zagueiro impediu qualquer reação do arqueiro argentino, que, de joelhos, assistiu ao tento colorado. Inter 1 a 0, e a vantagem era nossa!


A epopeia em território hermano

O jogo de volta foi disputado no Estádio Centenário, localizado na cidade de Quilmes, uma vez que a casa do Estudiantes, em La Plata, passava por reformas. Enfrentando o atual campeão da América, o Inter sabia que, para triunfar contra um adversário temido por quase todo o continente, seria necessário pôr à prova a tradicional mística colorada. Exatamente por isso, quando os onze titulares de Jorge Fossati entraram em campo, a torcida pôde acreditar que aquela seria uma noite especial.

Volante Sandro, sinônimo de segurança na faixa central

Por ironia do destino, como o Estudiantes tinha no vermelho a cor predominante de seu uniforme, o Inter não teve alternativa senão ir a campo todo de branco, assim como na decisão do Mundial. A sorte parecia abraçar a equipe gaúcha, fazendo sorrir a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, que lembrava dos feitos de Fernandão, Iarley, Gabiru e companhia. Ficava claro que, se os argentinos mereciam respeito e atenção, não menos importante era a história multicampeã do Inter. Se o acanhado estádio lotado e a camisa adversária assustavam, também aterrorizados os locais deveriam se sentir enfrentando o Clube do Povo do Rio Grande do Sul, que iniciou o duelo com Abbondanzieri; Bolívar, Sorondo e Fabiano Eller; Nei, Sandro, Guiñazú, Andrezinho, D’Alessandro e Kleber; e Alecsandro.

“Há de se enaltecer o elenco.

O Internacional cresce

em decisões!”

ANDREZINHO, DEPOIS DO APITO FINAL

Os primeiros minutos de partida, todavia, obrigaram a torcida colorada a abandonar a nostalgia das boas lembranças do passado, dando lugar ao nervosismo. O Estudiantes, incendiado por sua torcida, desde o início do jogo adotou postura agressiva e, regido por Verón, conseguiu abrir 2 a 0 antes dos vinte e cinco minutos do primeiro tempo. Como o resultado já garantia a classificação do time da casa, os argentinos passaram a cozinhar o jogo, seguindo à risca a cartilha ‘matreira’ que faz parecer que os hermanos nasceram prontos para jogar a Libertadores.

Mesmo com as mudanças do técnico Jorge Fossati, que deixaram o Inter mais ofensivo, o panorama da partida não foi alterado no segundo tempo. Os minutos passavam, a tensão crescia, e a classificação parecia cada vez mais distante. À exceção de falta cobrada por Andrezinho e de bom chute de Walter, que substituira Nei, o Colorado tinha dificuldades em chegar ao ataque.

O caldeirão de Quilmes fervilhava com a festa da torcida da casa, comemorando vaga que já parecia garantida. Os próprios jogadores do Estudiantes inflavam seus torcedores, que retribuíam acendendo cada vez mais sinalizadores. O goleiro Orión mal podia ser visto em meio à espessa nuvem de fumaça que partia da multidão localizada atrás de seu gol. Enquanto isso, Verón prendia a bola, cavando faltas e laterais, deixando o tempo passar. Aos 43 minutos, entretanto, La Brujita errou.

Talismã, Giuliano foi alçado a campo na vaga de D’Alessandro

Embora fosse uma lenda viva, o capitão do Estudiantes não conseguiu superar a força da tradição colorada, que não deixaria passar impune sua disparate tentativa de imitar o que Iarley e Rubens Cardoso haviam feito com maestria no Japão quando, vestindo o mesmo branco que o Inter usava em Quilmes, prenderam o Barcelona em seu campo de defesa entre faltas, laterais e escanteios. Assim, restando menos de dois minutos para o fim do tempo regulamentar, a bola retornou à posse gaúcha, que tinha tiro de meta para Abbondanzieri cobrar.

O multicampeão goleiro lançou Walter, na esquerda da intermediária de ataque colorada. O centroavante matou a bola no peito e protegeu com o seu pé direito, esperando a aproximação de um segundo defensor adversário para, então, acionar Andrezinho. Com um giro perfeito, o meio-campista se livrou do primeiro marcador, ganhando espaço para pensar. Ao mesmo tempo, Giuliano percebeu uma lacuna na fechada defesa argentina e se projetou. Esbanjando talento, André deu assistência genial para o jovem camisa onze colorado. Neste instante, o tempo parou.

Eram cerca de 700 os colorados e coloradas presentes nas arquibancadas do Estádio Centenário. Outros milhões espalhados pelo mundo. Em comum, nenhum destes conseguia enxergar o que se passava graças à fumaça dos sinalizadores, que prejudicou a visão tanto dos que estavam na Argentina, concentrados atrás do gol oposto ao que Giuliano se preparava para fuzilar, quanto dos que acompanhavam pela TV, sofrendo com a prejudicada imagem das transmissões. Felizmente, a cegueira não afetou o jovem goleador colorado que, com o pé direito, chutou rasteiro. Como pôde, Orión tentou – e quase conseguiu – operar um milagre, mas não existia catimba ou bruxaria alguma que os argentinos pudessem fazer. De mansinho, chorosa, a bola entrou no canto. Gol do Inter, e o Centenário se transformava no Beira-Rio.

Na fumaceira de Quilmes, em 2010, o Colorado acreditou até o final para sair classificado! Reviva esse momento inesquecível nas vozes de Leonardo Fister e Ernani Campelo, narradores da Rádio Colorada. #AcreditarAtéOFinal

Posted by Sport Club Internacional on Thursday, February 28, 2019

O apito final veio após três minutos de acréscimos que em nada alteraram o resultado da partida. Assim que o jogo foi encerrado, D’Alessandro e Walter dispararam em direção à torcida gaúcha, subindo no alambrado para comemorar junto às centenas de enlouquecidos. Desgostosos e irritados com a desclassificação, os atletas da casa provocaram uma briga generalizada no gramado, confusão que em nada diminuiu a alegria dos classificados, que transformaram o vestiário de Quilmes em um verdadeiro carnaval, festejando e cantando sem parar.

Quatro anos depois, o Inter retornava a uma semifinal de Libertadores. A exemplo do que ocorrera na fase de quartas de final, o novo adversário também não teria nada de inédito na história colorada. Agora, vinha o São Paulo, derrotado na final de 2006, prestes a ser novamente superado pelo Clube do Povo. Na decisão encontraríamos mais um velho conhecido, o Chivas, que em 2008 fora o rival na luta por vaga na final da Sul-Americana. Nenhum reencontro, contudo, teria acontecido não fosse o gol na nebulosa Quilmes. Nenhuma taça seria conquistada não fosse o peso da camisa vermelha – e branca -, respeitada em qualquer canto do continente.