Raio-X: todas as informações da 29ª rodada do Brasileirão

Em busca da quinta vitória seguida! O Clube do Povo vai a campo neste domingo (10/01), às 18h15, pela 29ª rodada do Brasileirão. No Beira-Rio, os comandados de Abel Braga recebem o Goiás, e buscam dar continuidade à excelente fase no Nacional. Confira, abaixo, tudo sobre o confronto.


Vamo, Colorado!


Abel Braga contou com período curto de tempo para projetar o jogo deste domingo. Após vencer o Ceará, fora de casa, na última quinta-feira (07/01), o Clube do Povo retornou para Porto Alegre já no final da manhã de sexta. Logo depois do desembarque na capital gaúcha, os atletas seguiram para o CT Parque Gigante, iniciando os breves preparativos para o duelo contra o Goiás, os quais foram encerrados no final da tarde deste sábado (08/01).

Diante do Esmeraldino, Abel não contará com Yuri Alberto e Edenilson, suspensos pelo terceiro cartão amarelo. Já Thiago Galhardo volta a ficar disponível. Do lado do Inter, chegam pendurados para a partida oito nomes. São eles: Rodrigo Lindoso, Caio Vidal, Rodrigo Dourado, Marcos Guilherme, Boschilia, Matheus Jussa, Abel Hernández e Leandro Fernández.


Transmissão


Pré-jogo oficial da Rádio Colorada, o Portões Abertos vai ao ar a partir das 17h deste domingo. Às 18h começa a Jornada Esportiva, sucedida, ao soar do último apito, pelo Vestiário Vermelho. A atração repercute, através de entrevistas exclusivas e também coletivas, todos os detalhes do embate recém-encerrado. Acompanhe a emissora oficial do Clube do Povo via FM 95.5 ou Site e APP do Inter.

As redes sociais do Inter (@scinternacional no TwitterInstagram Facebook) contam com o mais completo minuto a minuto da internet, repleto de imagens compartilhadas de maneira instantânea. Na TV, o Premiere anuncia transmissão.


Rival


Esmeraldino vive momento de ascensão no Brasileiro/Foto: Rosiron Rodrigues, Goiás

Lanterna do Brasileirão ao encerramento do primeiro turno, o Goiás tem construído grande campanha de recuperação nas últimas rodadas do Nacional. Já comandado, na atual temporada, por Ney Franco, Thiago Larghi e Enderson Moreira, o Esmeraldino atualmente é treinado por uma dupla.

Oriundos da equipe Sub-20, Augusto César e Glauber Ramos dividem a chefia da casamata esmeraldina. Sob o comando dos parceiros, o Goiás passou a atuar com três zagueiros e dois centroavantes, esquema que ofereceu importante equilíbrio dentro de campo.

Glauber Ramos (E) e Augusto César (D)/Foto: Rosiron Rodrigues, Goiás

A dupla de técnicos assumiu a casamata após derrota de 1 a 0 do Esmeraldino para o Athletico Paranaense, em partida da 21ª rodada do Brasileirão. Na primeira jornada sob o comando de Augusto e Glauber, o Goiás conquistou importante vitória pelo placar mínimo sobre um desfalcado Palmeiras. Na sequência, empate de 1 a 1 com o Fortaleza, fora de casa, e revés de 2 a 1 para o Grêmio, na Arena, marcaram a despedida do esquema com duas linhas de quatro.

Derrota para o Athletico marcou a despedida de Enderson Moreira/Foto: Rosiron Rodrigues, Goiás

A estreia da nova formação passou longe de ser positiva, com derrota por 3 a 0, dentro de casa, para o São Paulo. Na ocasião, porém, o Goiás atuou com três atacantes, dois de velocidade. As inovações só foram encerradas, portanto, no sétimo dia de dezembro, quando Rafael Moura e Fernandão comandaram a linha de frente, e David Duarte, Fábio Sanches e Heron protegeram a zaga. Resultado? Vitória de 1 a 0 sobre o rival Atlético-GO.

Augusto (C) conversa com Fernandão (E) e Rafael Moura (D)/Foto: Rosiron Rodrigues, Goiás

Nas quatro rodadas seguintes, um empate, em 0 a 0 com o Grêmio, um revés, de 2 a 1 para o Corinthians, e duas vitórias, sobre Sport – 1 a 0 – e Coritiba – 2 a 1 -, deram maiores embalo e confiança para o Esmeraldino. Curiosamente, apesar de uma média de 11,5 chutes por jogo, o Goiás somou posse de bola inferior à do adversário em todas as seis vezes que atuou com a trinca de defensores.

Contra o Inter, a provável escalação esmeraldina conta com Tadeu; Shaylon, David Duarte, Fábio Sanches, Heron e Jefferson; Ariel Cabral, Breno e Douglas Baggio; Fernandão e Rafael Moura. Na casamata estará Glauber Ramos, uma vez que Augusto ainda não conta com a Licença A da CBF, exigida para técnicos da elite nacional.

Glauber Ramos (E) ocupará a casamata esmeraldina neste domingo/Foto: Rosiron Rodrigues, Goiás

Arbitragem


Edina Alves Batista apita, auxiliada por Danilo Ricardo Manis e Neuza Ines Back. VAR: José Cláudio Rocha Filho. Quarteto de São Paulo.


Estatísticas


Embora ocupem pontas diferentes na tabela, Inter e Goiás vivem fase recente parecida no Brasileirão. Há cinco partidas sem perder, o Clube do Povo venceu as últimas quatro que disputou. De sua parte, o Esmeraldino chega ao Beira-Rio credenciado por duas vitórias consecutivas.

Como mandante, o Inter possui, de acordo com dados do GE, a quarta melhor campanha do Brasileirão, registrando oito vitórias, quatro empates e um único revés. Pertencem ao Clube do Povo, ainda, os quintos melhores ataque, autor de 24 gols, e defesa, vazada 11 vezes, enquanto local.

Por outro lado, o Goiás é o terceiro pior visitante, dono de apenas dois triunfos (ambos conquistados sob o comando de Augusto e Glauber). Vazada em 22 ocasiões, a defesa esmeraldina é a 15ª dentre os times que atuam longe de seus domínios, enquanto o ataque, com 13 gols, é o 13º.

Nos últimos cinco jogos que disputou, o Goiás marcou cinco gols. Destes, dois foram de Fernandão e outros dois de Rafael Moura, comprovando a importância da dupla. Já o Inter vive fase mais artilheira: com 10 bolas na rede nas últimas cinco vezes que foi a campo, o Clube do Povo contou com quatro tentos de Yuri Alberto, além de um de Peglow, Patrick, Edenilson, Dourado, Galhardo e Caio Vidal.


Situação de tabela


O Inter amanheceu neste domingo ocupando a vice-liderança do Brasileirão. Dono de 50 pontos, o Clube do Povo pode, em caso de vitória sobre o Goiás, diminuir a diferença em relação ao São Paulo, líder, para três pontos. Para tanto, o Tricolor precisaria ser derrotado, no Morumbi, pelo Santos. O clássico San-São ocorre a partir das 16h.

Enquanto triunfo no Beira-Rio mantém o Inter na vice-liderança, um empate com o Goiás deixaria o Clube do Povo ao alcance de vitoriosos Atlético-MG e Flamengo. Empatados com 49 pontos, Galo e Rubro-Negro são, respectivamente, terceiro e quarto colocados.

O Urubu recebe o Ceará, às 16h, no Maracanã, enquanto o Alvinegro visita o Red Bull Bragantino, segunda, às 20h. Se perder, o Colorado é ultrapassado até mesmo em caso de empate do Atlético, enquanto o Flamengo, por somar os mesmos 14 triunfos que os comandados de Abel Braga, não conseguiria reverter a diferença no saldo de gols.

Atual 18º colocado, o Esmeraldino está a dois pontos do Bahia, 17º, e três do Vasco, 16º e primeiro fora da zona de rebaixamento. Assim, uma vitória sobre o Inter permitiria ao Goiás a fuga do Z4, desde que acompanhada de triunfo do Botafogo sobre o Cruz-Maltino, em confronto marcado para às 20h deste domingo, em São Januário, e derrota do Bahia para o Atlético-GO, duelo que ocorre em Goiânia no mesmo horário do embate do Beira-Rio.

Confira os oito primeiros classificados do Brasileirão:

PJVEDGPGCSG
1 – São Paulo56281684492623
2 – Internacional50281486432617
3 – Atlético-MG49271548463412
4 – Flamengo49271476473710
5 – Grêmio492812133372314
6 – Palmeiras47271386382513
7 – Fluminense4328127939327
8 – Santos3927109838353

Retrospecto


Inter e Goiás já disputaram 53 duelos até hoje. Na dianteira do retrospecto, o Clube do Povo soma 24 vitórias no confronto, seis a mais do que o rival – ocorreram, ainda, 11 empates. A vantagem colorada também ocorre no número de gols marcados: 74 gaúchos contra 59 goianos.

Forlán em ação contra o Goiás no ano de 2013

O show em 2009


Envolvido na luta pelas primeiras posições da tabela, o Inter recebeu o Goiás em partida da 22ª rodada do Brasileirão de 2009. Disputado no dia 30 de agosto, o confronto, acompanhado por mais de 30 mil colorados e coloradas, foi o primeiro do eterno Fernandão, após sua passagem pelo Beira-Rio, contra o Clube do Povo.

Guiñazú marcou lindo gol no duelo de 2009

Em campo, Marquinhos abriu o placar para o Inter logo aos cinco. Pouco depois, ainda antes dos 15, Fernandão foi expulso após dividida com Magrão. Ato contínuo, Guiñazú ampliou para o Clube do Povo. O gol foi o quarto e último de El Cholo com a camisa colorada. Giuliano e Kleber, este em uma pintura, garantiram, na etapa final, o 4 a 0 alvirrubro.

Uma conquista absoluta

De novo, a América era nossa. De novo, ela pertencia ao povo colorado. Absoluto, o título consagrou time cascudo, talhado para fazer história como legítimo campeão. Em casa, fomos impecáveis. Longe dela, letais. Caminhada brilhante, teve seu último capítulo escrito há 10 anos. Relembre, abaixo, a vitória colorada por 3 a 2 sobre o Chivas, na finalíssima da Libertadores de 2010!


O dia 18 de agosto de 2010 amanheceu ensolarado na capital gaúcha. Para a torcida colorada, porém, o sol era mais do que dispensável. Todos torciam, inclusive, pelo seu pôr. Esperado crepúsculo, significaria, para muitos, o fim do expediente – ou mesmo da classe. Com ele, estariam livres para, enfim, somarem-se aos milhares que desde o início da tarde ocuparam o Beira-Rio. Juntos, travariam a mais bela das batalhas. Lado a lado, precisariam libertar a América!

O movimento na Padre Cacique, registre-se, começou cedo. Internamente, o gramado do Gigante, renomado tapete continental, estava pronto. Do lado de fora, a torcida chegava aos montes, colorindo em vermelho e branco o cimento formador do pátio do Beira-Rio. Nem mesmo o verde dos campos suplementares resistiu à força da maré alvirrubra, que transformou cada centímetro em concentração e, é claro, churrasco.

Juntos dos mais de 53 mil torcedores e torcedoras anônimos, ilustres nomes do passado alvirrubro também decidiram saudar o presente, que diz tudo. Ao mesmo tempo em que o povo tomava as arquibancadas e cadeiras do Gigante, ídolos da história colorada se fizeram presentes nos camarotes e suítes do Beira-Rio. Valdomiro, Rentería e Gamarra foram alguns dos heróis que, fundamentais como sempre, jogaram a final desta vez fora do campo, usando da voz no lugar das chuteiras.

Em vantagem no duelo após conquistar, no dia 11 de agosto, triunfo de 2 a 1 sobre o Chivas, fora de casa, o Clube do Povo tinha em Alecsandro, lesionado, o único desfalque para a finalíssima. Em seu lugar, Celso Roth escolheu Rafael Sobis, que ficou encarregado do comando do ataque. Atrás do camisa 23, D’Alessandro, pela direita, Tinga, no centro, e Taison, pela esquerda, formavam exímia linha de três meio-campistas.

Despedindo-se do Inter, o volante Sandro, dono da 8, formou, uma vez mais, dupla de volantes com o ídolo Guiñazú, sempre responsável por empunhar o número 5. A defesa, por fim, contou com Nei e Kleber, nas laterais, e Índio e Bolívar, zagueiros. Renan, goleiro, completou a nominata. Do outro lado, José Luiz Leal escalou Michel; Magallón, De Luna, Reynoso e Ponce; Araújo, Baéz, Fabián e Bautista; Arellano e Omar Bravo.

Os heróis do Bicampeonato

“Foi difícil ficar de fora desta final. Mas valeu que o grupo mostrou que tem bons jogadores. É demais saber que fiz parte disso!”

Alecsandro

Os minutos iniciais transcorreram de maneira eletrizante, com cada centímetro do gramado sendo disputado com máxima energia pelos jogadores. Não faltaram lances ríspidos, principal aposta dos mexicanos para conter a troca de passes do Inter no campo de ataque. Como de costume sob o comando de Roth, o Colorado contava com grande movimentação de D’Ale e Tinga, responsáveis por constantes combinações entre direita e centro. Na esquerda, Taison abria espaços para a subida de Kleber, e ainda acompanhava o parceiro Sobis.

Buscando gol que tornaria o cenário ainda mais positivo, o Clube do Povo tratou de criar blitz ofensiva tão logo soprou o primeiro apito. Aos três, Kleber cruzou bola que, após desviar na zaga, tomou muita altura e superou a cabeça de Sobis. Inteligente, Tinga infiltrou e, pela direita, a centímetros da pequena área, emendou buscando o camisa 23. No último instante, a defesa conseguiu cortar. Pouco depois, aos nove, D’Ale bateu, da intermediária, falta com venenosa curva. Inicialmente aberta, a bola encontrou, na altura da marca do pênalti, a testa de Sandro, que exigiu defesa em dois tempos do arqueiro rival.

Após breve respiro, o Inter voltou a pressionar na terceira dezena de minutos da partida. Aos 21, Taison, caindo pela direita, foi lançado em profundidade. Salvador, Michel deixou a área para fazer o corte. Pelo mesmo lado, Tinga avançou dois minutos depois. Preciso, o camisa 16 cruzou rasteiro para Sobis, que fez o corta-luz. A bola chegou na medida para o 7, que finalizou colocado para milagre do goleiro.

Novo córner foi cavado pelo Inter aos 25. Da direita, próximo à área, D’Ale cobrou falta perigosíssima, que desviou na barreira antes de fazer vento no travessão. Na sequência do lance, após cobrança do escanteio, Bolívar ficou com a sobra de corte parcial e, como um centroavante, arriscou lindo giro de canhota. A redonda picou ao lado da trave esquerda mexicana, assustando o time visitante e empolgando o Beira-Rio.

Tinga e D’Alessandro pareciam ser, de fato, o melhor caminho para o gol. Aos 37, o argentino avançou pela direita, aplicou o La Boba na marcação e, com espaço, cruzou rasteiro. Por centímetros seu parceiro não completou para as redes, e Magallán, providencial, impediu que a sobra fosse de Sobis. Passados cinco minutos, todavia, tudo mudou.

“Time bom e forte ganha partida, mas um grupo forte ganha campeonatos. O individual vai aparecer quando o coletivo é forte. Já fui premiado com gols, passes, assim como o Giuliano. Hoje, foi a vez do Damião. Isso comprova que o elenco é forte, formado por homens e profissionais.”

Andrezinho

Pedindo licença para o poeta Vinícius de Moraes, é possível afirmar que, assim como o samba, a Libertadores, para ser vivida com beleza, precisa de um bocado de tristeza. Afinal de contas, conquistar a mais desejada copa do continente não é piada. São necessárias, para erguer o principal troféu da América, algumas formas de oração. Praticamente todas puderam ser ouvidas no Beira-Rio quando, a exemplo do que ocorrera em Guadalajara, a instantes do intervalo o Chivas abriu o placar. Quem marcou, em bonito voleio, foi Fabián.

Fundamental para o Colorado nas fases de oitavas, quartas e semis, o gol fora de casa não servia como critério de desempate na decisão da Libertadores de 2010. Assim, o tento marcado pelo Chivas demovia do Inter qualquer vantagem, igualava o placar agregado e conduzia à final para a prorrogação. Ao Clube do Povo, portanto, restava pressionar.

“Mostramos dentro de campo que temos qualidade. Não tem como descrever a sensação; estamos onde todo jogador queria estar.”

Nei

A torcida, é claro, sabia disso. Já enérgico nos primeiros 45 minutos, na etapa final o Beira-Rio se transformou em um verdadeiro caldeirão latino. Completamente trepidante, o Estádio, que vencera as seis jornadas continentais já disputadas em seu território, vibrou, decidido a buscar seu sétimo triunfo, em sincronia aos avanços de cada ídolo. Pobres dos mexicanos, que descobriram, da pior maneira possível, o poderio de nossa casa, endereço dos mais temidos de toda a América.

GIGANTE/Foto: Ricardo Duarte

Taison criou, já no minuto de abertura do segundo tempo, a primeira oportunidade da etapa final. Pelo centro, arrancou em velocidade e chutou forte, de bico, para defesa de Michel, que quase soltou a bola nos pés de Sobis. O camisa 23, inclusive, exigiria nova intervenção do arqueiro, também em dois tempos, aos três de jogo.

Surgia, aos poucos, uma rivalidade, aumentada depois, aos oito, quando o camisa 23 recebeu passe em profundidade de Kleber e tentou driblar o goleiro. Desta vez, o rival se saiu bem, e conseguiu tomar a bola dos pés do ídolo colorado. Felizmente, o Inter precisava de apenas um triunfo de Sobis contra Michel.

Foto: Ricardo Duarte

Eu sou colorado, estou sendo campeão de algo grandioso, e eu passei muita coisa. Fiquei oito meses, nove meses sem jogar por duas cirurgias, e hoje, graças a Deus, meu joelho está bom. Só vou comemorar agora.”

Sobis

A vitória do ídolo, habituado a triunfar em decisões de Libertadores, não custou a chegar. O primeiro atleta colorado a tocar na bola no 16º minuto de partida foi D’Alessandro. Acionado por Bolívar, o camisa 10 colorado prendeu a atenção de dois marcadores, abrindo espaço para infiltração de Guiñazú. Com a bola, El Cholo tentou costurar do centro para a direita, mas, pressionado pelo zagueiro rival, que abandonou a retaguarda, quase teve a posse tomada. Guerreiro, lutou no chão e garantiu a sobra para Taison, que recolocou D’Ale no lance.

Bagunçada, a defesa do Chivas pecou ao oferecer espaço para D’Alessandro. De frente para a área rival, o craque tinha Sobis e Tinga em condições de investir no mano a mano. Preferiu servir o camisa 16, que fez a parede e abriu com Kleber. Pela esquerda, o lateral, anjo da perna canhota, cruzou bola viva. Brigando com a zaga mexicana estavam dois reconhecidos artilheiros continentais. Forte para o autor do gol do título da Libertadores de 2006, a bola chegou na medida para o atacante que calara o Morumbi na decisão de quatro anos atrás.

Rafael Augusto, sobrenome Sobis, apelido campeão, projetou-se na direção da bola e empurrou, com o pé direito, a redonda para as redes. Gol, que o talismã latino comemorou combalido, lesionado do ombro que lhe servira de amortecedor após choque com o goleiro rival. Aos 16 minutos, tudo estava igual no Beira-Rio, mas o Inter na frente do agregado!

O gol embalou o Inter, que por pouco não virou logo aos 24, em chute forte do gênio D’Alessandro. Espalmada por Michel, a bola quase sobrou limpa para Sobis, mas o camisa 23, ainda com dores, não conseguiu dominar o rebote. Na sequência do lance, quem brilhou foi Renan, reconhecido com aplausos da torcida.

“Estava fora da América, e que bom voltar para um clube como o Inter. Este título é para retribuir a confiança”

D’Alessandro

Roth respondeu ao susto mexicano realizando sua segunda troca na partida. Antes, já retirara Taison de campo, colocando Giuliano no lugar. Aos 27, Sobis deixou o gramado. Quem entrou no ataque? Leandro Damião, jovem oriundo das categorias de base, que renovou a tradição cancheira ostentada por aqueles que carregam o DNA do Celeiro de Ases.

O passar de minutos que sucedeu o gol de Sobis obrigou o Chivas a tomar postura ofensiva como ainda não ocorrera no duelo. Maduro o Inter, que fechou os espaços para forçar o erro de um rival igualmente pressionado por vaia do Beira-Rio. Historicamente bem-sucedida no ataque, a soma entre time e torcida também se provou decisiva na defesa. Com fôlego, Damião interceptou passe mexicano e, ainda do campo de defesa, disparou dando belíssimo drible da vaca no último homem adversário.

Com campo livre, o garoto esticou a bola em apenas outros dois toques e, já dentro da área rival, absoluto no lance, saiu de frente com o goleiro. Michel decidiu transformar o duelo em embate de futsal, abafando o arremate com as pernas. Leandro provou que também entendia dos fundamentos do futebol de salão, e finalizou com o bico da chuteira. Forte, o arremate até resvalou no arqueiro, mas não teve sua direção desviada. O destino, é claro, foi a meta mexicana. Gol da virada!

“Essa torcida nos apoiou bastante. Eu tô muito feliz com esse título, meu primeiro título profissional. Há dois anos atrás, eu nunca imaginaria estar aqui.”

Leandro Damião

Foto: Ricardo Duarte

À frente no marcador, tanto da partida quanto no agregado, o Clube do Povo renovou o ânimo não do ataque, e sim da defesa. Na vaga de Tinga, entrou Wilson Mathias. Simultaneamente, o Gigante, doidão, embebedava-se nas alegres lágrimas do povo que mais um título festejava. Reconhecido companheiro de sentimento, Sobis também se provou um parceiro de choro, e do banco de reservas não escondeu a felicidade que sentia. Gaúcho e colorado, colorado e gaúcho, o ídolo logo ficaria ainda mais emocionado.

Com um a mais dentro de campo, consequência da expulsão de Arellano, que com violento carrinho tentou quebrar a perna de D’Alessandro, o Clube do Povo ganhou diversos espaços para explorar. E que erro era ceder lacunas para um time que contava com um camisa 11 como Giuliano. Dono de cinco gols na campanha colorada, até então o atleta já provara, inúmeras vezes, sua vocação imperdoável.

De fato, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande estava ansiosa naquela quarta-feira de agosto. Após passar a data torcendo pela chegada da noite, a partir dos 40 minutos o povo vermelho começou a anunciar o raiar do dia. A hora, enfim, estava chegando. Antes dela, contudo, brilhou Giuliano. Após receber bom passe de Wilson Mathias, o camisa 11 partiu para cima de dois marcadores, na altura da meia-lua. À hesitação da dupla rival, reagiu com ganchinho maravilhoso. Dentro da área, deu novo toque embaixo da bola, este para superar o goleiro. Chorosa, ela entrou. Gol de campeão! Gol de título! Gol de Libertadores!

“É o Inter cada vez mais e mais grande. Momento especial que todos querem participar, a oportunidade única. Fico sem palavras por participar desta festa de novo. Vamos comemorar!”

Bolívar

O tento de Giuliano saiu aos 44. A confirmação de dois minutos de acréscimos, aos 45, mesmo instante em que Bravo cavou falta na meia-lua da grande área. Cobrada na trave por Bautista, a bola parada reboteou na medida para Araujo descontar. Não havia, porém, tempo para mais nada – nem mesmo para a comemoração mexicana.

Sem sequer permitir o reinício da partida, o árbitro Óscar Ruiz encerrou o duelo e permitiu que fosse cravada nova placa do Inter na mais cobiçada taça do continente. América, de novo, vermelha. Clube do Povo, uma vez mais, campeão da Libertadores. Festa, costumeira, do povo colorado!

Guadalajara colorada: há 10 anos, cidade mexicana virava o Beira-Rio

A caminhada não foi simples. Se em 2006 a campanha alvirrubra ficou marcada pela soberania com que o Colorado despachou um rival após o outro, o trajeto rumo ao Bi da América exigiu, através de suas sinuosas curvas, ainda mais sofrimento do povo vermelho. Definidas nos últimos instantes, as fases de oitavas, quartas e semifinais testaram o coração da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande.

O aprendizado oferecido por tamanho drama, enfim, pôde ser atestado na partida de ida da decisão continental. Disputado há 11 anos, o confronto entre Inter e Chivas, em Guadalajara, até ofereceu grande susto, mas foi superado pelo gigantismo do dono do Beira-Rio.


A força do nosso povo


O Gigante fez a diferença para o Colorado na Libertadores de 2010. Nas seis partidas anteriores à finalíssima que disputou como mandante no torneio, o Clube do Povo conquistou 18 pontos, garantindo irretocável aproveitamento de 100%. Sempre empurrado por um Beira-Rio lotado, o Inter se mostrou capaz de superar qualquer adversário do continente. A partir da classificação para a final, todavia, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande tratou de aumentar o raio de seu apoio. Da Padre Cacique, partiu a contagiar todo o território de Porto Alegre.

Heroicos, os últimos 90 minutos das semifinais continentais ocorreram diante de um Morumbi lotado. Dono da casa, o São Paulo até deixou o campo vitorioso, placar de 2 a 1, mas o triunfo foi insuficiente para tirar a vaga das mãos alvirrubras. Apoiado no regulamento, o Inter, que massacrara os paulistas no Beira-Rio – onde conquistou magro 1 a 0 que em nada refletiu seu domínio sobre as ações do jogo -, avançou para a decisão. No desembarque em Porto Alegre, realizado em 6 de agosto, um dia após o jogo, centenas de colorados e coloradas criaram um clima de Beira-Rio na zona norte de Porto Alegre, região do Aeroporto Salgado Filho, endereço que teve seu saguão completamente tomado.

Dando continuidade à agitada maratona que sucedeu a classificação para a final da América, o elenco colorado, após aproveitar folga na tarde de sexta-feira, retomou os trabalhos, com vistas à decisão, no sábado dia 7 de agosto. Realizadas em dois turnos, as atividades consistiram, inicialmente, em exercícios físicos.

Depois, ocorreu treino com bola, realizado no gramado do Beira-Rio e aberto para a torcida. A consequência? Mais de duas mil pessoas presentes nas arquibancadas do Gigante, dispostas a superar o frio do inverno gaúcho para contagiar o grupo antes do embarque para o México.

“Falo por todos no grupo para agradecer o público que se fez presente aqui no Beira-Rio. Eles podem ficar tranquilos que nós faremos o melhor dentro de campo para atingir o sonho de todo colorado”

D’Alessandro, após o treino

O Inter embarcou rumo ao México na manhã do domingo 8 de agosto. Novamente local na zona norte, a torcida colorada demonstrou que o treino de sábado, com portões abertos, não havia sido suficiente. Ansiosos, cerca de 200 torcedores e torcedoras fizeram festa quando o ônibus alvirrubro apontou no Salgado Filho. O principal cântico entoado, é claro, misturava tons proféticos a outros eufóricos: “seremos campeões!”.

No trajeto até Guadalajara, o Inter ainda fez escala na cidade de São Paulo, onde treinou, durante a tarde de domingo, no corintiano Parque São Jorge. O relógio já passava das 22h45 quando o avião colorado finalmente partiu rumo à nação norte-americana. Na bagagem, junto das energias positivas irradiadas pela torcida, o técnico Celso Roth levava séria interrogação. Sem Tinga, suspenso após injusta expulsão diante do São Paulo, o comandante teria de escolher um único substituto entre Andrezinho, Giuliano e Wilson Mathias. A final estava cada vez mais próxima!

“Estamos concentrados para este confronto. O pensamento é de retornar para Porto Alegre com um resultado positivo. Todos aqui sabem da relevância que tem levantar uma taça como essa”

Renan, durante a viagem


Desafio sintético


Construir uma grande atuação na finalíssima não era tarefa simples. Embora as coincidências entre as campanhas de 2010 e 2006 servissem de alento, diversas novidades inusitadas perturbavam o sono da torcida colorada. No México, o Inter encararia, no Estádio Omnilife, o desafio de atuar em gramado sintético. Também por isso, o Clube do Povo obteve, junto à CBF, o adiamento de sua rodada do final de semana válida pelo Brasileirão. Assim, ganhava mais tempo para se adaptar às exigências do piso guadalajarense.

Verdade seja dita, afora o gramado o Inter não tinha motivos para reclamar do palco da partida. Moderno, aconchegante e muito bonito, o Estádio acabara de ser inaugurado. O duelo entre Colorado e Chivas, inclusive, seria apenas o segundo da história do Omnilife, sucedendo o inaugural amistoso disputado pelo time da casa contra o Manchester United. Ocorrido no dia 30 de julho, o festivo embate foi encerrado com triunfo local por 3 a 2.

O Inter teve seu primeiro contato com o tapete mexicano no dia 9 de agosto, data em que comemorava quatro anos da inesquecível vitória sobre o São Paulo, no Morumbi, conquistada na abertura da decisão da Libertadores de 2006. No Omnilife, Celso Roth comandou treino em campo reduzido, dividindo o grupo em três times. Um dia depois, o Clube do Povo encerrou a preparação para o duelo diante do Chivas com novas atividades realizadas no palco da final. Faltavam míseras 24 horas para o confronto.


Rival mobilizado


Hoje, a humanidade encara com braveza e mobilização a pandemia de Covid-19. Inimigo invisível, o novo coronavírus já vitimou mais de 730 mil vidas, uma centena de milhares apenas no Brasil. Sem precedentes na história recente da humanidade, a doença tem revolucionado o modo de vida das mais diversas sociedades. Há 11 anos, contudo, o México também encarava grave crise sanitária, esta causada por uma epidemia, localizada, mas também aterrorizante, de Febre Amarela.

Chivas na Libertadores de 2010/Foto: Divulgação, MedioTempo

O caos na saúde do país obrigou Chivas e San Luis, as equipes mexicanas presentes nas oitavas de final da Libertadores de 2009, a abandonarem o torneio. Como contrapartida, estas receberiam vaga para a mesma fase da competição no ano seguinte. Desta forma, o time de Guadalajara disputou apenas seis partidas continentais antes de chegar à decisão contra o Inter.

No caminho até a final, os comandados de José Luis Real superaram, respectivamente, Vélez Sarsfield, da argentina, Libertad, do Paraguai, e os chilenos da La U, comandada por Jorge Sampaoli. Assim, descansado e credenciado por breve – e brava – campanha, o adversário colorado chegava ao último capítulo de luta pela taça.

Federado à CONCACAF, o norte-americano Chivas Guadalajara sabia que, mesmo triunfo sobre o Inter, não garantiria vaga no Mundial de Clubes. Integrante da CONMEBOL, portanto, o Clube do Povo já tinha participação assegurada no maior torneio interclubes do planeta. A impossibilidade de disputar o certame internacional, todavia, em nada diminuía a empolgação dos mexicanos, que sonhavam dia e noite com a taça da Libertadores. No país, o adversário colorado contava com a simpatia da maioria dos rivais, assumindo-se, assim, enquanto representante de todo o México.

“O campo deixa a bola rápida e eles têm a velocidade como principal característica.”

Alecsandro, em Guadalajara

Dentro de campo, eram muitas as armas do adversário. Forte no contra-ataque, o Chivas estava invicto no segundo semestre de 2010, e contava com os ameaçadores Bautista e Omar Bravo na linha de frente. Vivendo bom momento, a equipe estaria apoiada por mais de 50 mil pessoas, multidão que prometia atordoar as tramas coloradas. Um duelo inesquecível, sem sombra de dúvidas, estava por começar.


Futebol solto para libertar a América


No gol, pela terceira vez consecutiva na Libertadores, Renan. Em frente ao arqueiro, Nei ocupava a faixa direita, Kléber a esquerda e Bolívar e Índio o centro. Abrindo o meio de campo, Sandro e Guiñazú, afinados como poucos volantes estiveram na história colorada, davam tranquilidade à defesa e, simultaneamente, sustentação ao ataque.

Pela direita da linha de três meio-campistas, D’Alessandro vestia a 10. No flanco esquerdo, Taison levava a 7. Por dentro, substituindo Tinga e dando fim ao mistério, Giuliano empunhou a 11. Completando o escrete escalado por Celso Roth, Alecsandro, com a 9, entrava em campo pela 100ª vez com o manto alvirrubro. O Inter estava pronto para a decisão!

Os 11 heróis de Guadalajara/Foto: Divulgação

O Inter começou a partida controlando a posse de bola. Quando não tinha controle sobre a redonda, a equipe colorada encurralava o Chivas, impedindo aos mandantes o direito de trocar mais de três passes. Visivelmente, os dois dias de trabalhos no gramado sintético surtiam efeito na mecânica do Clube do Povo, que não sofria com os distintos piques e velocidade tomados pela bola no piso do Omnilife.

Como de costume, D’Alessandro coordenava cada movimento da região nevrálgica colorada. Afinado com Giuliano, alternava entre o flanco direito e a zona central, construindo combinações tanto com o camisa 11 quanto com Nei. Pela esquerda, Taison e Kleber exibiam entrosamento cada vez maior. Veloz e dono de grande habilidade para o drible, o jovem atacante caía com frequência sobre a linha lateral, abrindo vazio perfeito para as infiltrações do construtor companheiro canhoto. Exatamente a partir de tabela da dupla, o Inter criou, aos 4, a primeira chance da noite. Lançado pelo 7, o lateral invadiu a área e finalizou aberto. A bola explodiu no poste e saiu pela linha de fundo!

“Realmente estou muito motivado. Foi muito bom ter chegado a um clube como o Internacional, que sempre está disputando títulos. Meu pensamento é de retribuir isso sagrando-se campeão contra o Chivas. Quero saber qual é o gosto de vencer uma Libertadores.”

Não existia porquê o Inter adotar postura descontrolada no ataque. Contando com jogadores de altíssimo quilate, o Clube do Povo podia se dar ao luxo de dominar a partida sem a necessidade de imprimir ritmo excessivamente intenso. Atuando em casa, o Chivas sabia da importância de largar em vantagem e, esperava-se, cederia espaços em busca de um gol. Assim, o Colorado tratava de cozinhar o jogo, não oferecendo qualquer espaço para os mexicanos, e aguardar pela escapa fatal, que quase chegou aos 28.

Taison, Alecsandro e Giuliano trocaram passes em velocidade para chegar às cercanias da área mexicana. Na altura da meia-lua, o camisa 7 recebeu do centroavante e driblou Reynoso, capitão do Chivas. A cria do Celeiro, porém, não conseguiu finalizar a jogada devido a carrinho do zagueiro rival.

Falta perigosa, foi cobrada, com grande precisão de parte do camisa 9, direto no travessão do goleiro Luis Michel. Perceptível no banco de reservas colorado, a lamentação ficou ainda maior depois que Alecsandro sentiu lesão muscular e precisou ser substituído. Em seu lugar, veio Everton a campo.

Alecsandro participou ativamente dos 30 minutos que disputou da partida/Foto: Divulgação

Inalterado o panorama da partida permaneceu até os minutos finais do primeiro tempo. Percebendo que o corredor esquerdo vinha rendendo grandes frutos ao Colorado, Giuliano passou a construir, pelo flanco, dobradinha tão insinuante quanto a que possuía ao lado de D’Ale. Aos 41, foi exatamente o camisa 11 quem, de calcanhar, acionou Kleber. Rente à linha de fundo, o lateral teve tempo para dominar, pensar e, passados bons segundos, cruzar bola açucarada para Taison, que chegou cabeceando. Batido no lance, o goleiro muito comemorou o corte providencial de seu zagueiro.

Pouco depois, aos 45, Bautista, até então sumido no jogo, anulado por excelente marcação individual de Sandro, recebeu cruzamento da direita e, por cobertura, marcou de cabeça. Criminosa injustiça, a bola na rede foi a única de um primeiro tempo marcado por supremacia total alvirrubra. Para a etapa final, seria necessário manter o controle da partida, é claro, mas revolucionar a postura na linha de frente. Mais do que ingrato, o revés era inaceitável.


Virada absoluta


O gol não abalou o Inter. De volta para o segundo tempo com os mesmos 11 nomes que encerraram a etapa inicial, o Clube do Povo finalizou pela primeira vez, com Giuliano, logo aos 50 segundos. Menos de cinco minutos depois, o talismã colorado na Libertadores de 2010 derivou do centro para a direita e, lançado por Nei, cruzou, já dentro da área, rasteiro. Antes de Everton, Luis Michel foi ao chão para defender.

Mais ofensivo, o Inter também passou a correr maiores riscos na defesa. Aos 9, por exemplo, Omar Bravo, jogador que marcou época na Seleção Mexicana, pegou a sobra de corte parcial e, de fora da área, chutou cruzado. A bola assustou Renan, mas saiu em tiro de meta. Taticamente, Roth inverteu Giuliano e D’Ale, acrescentando velocidade ao corredor direito e maestria à zona central. Responsável também pelas bolas paradas, o craque e camisa 10 colorado aplicou lindo La Boba, aos 12, e cruzou para o 11, que testou por cima. A dupla, ficava claro, começava a assumir, no lugar do flanco esquerdo, o protagonismo das tramas ofensivas alvirrubras.

O Chivas cresceu no jogo ao longo da segunda dezena de minutos da etapa final, aumentando seu percentual de posse de bola e, especialmente, a frequência com que ocupava a intermediária ofensiva. Maduro, o Inter respondeu com precisão milimétrica à simpatia dos mexicanos pelo jogo. Primeiro, aos 23, D’Ale mandou um canhotaço que tirou tinta do travessão rival. Depois, aos 26, Sobis entrou na vaga de Everton. A alteração, registre-se, aconteceu imediatamente após excelente cruzamento de Kleber passar reto pelo atacante, que mais cedo entrara na vaga de Alecsandro, e por Giuliano. A sorte, contudo, não voltaria a sorrir para os rivais daquela noite.

Rafael Sobis é um legítimo Senhor Libertadores. Revelado pelo Celeiro de Ases, o atacante conhece os atalhos da competição como poucos. Vestindo a camisa colorada, então, torna-se fatal especialista. Em sua primeira participação no confronto, o camisa 23, caindo pela direita, recebeu arremesso lateral de Nei. Genial, demonstrou a mesma sagacidade que exibira na primeira partida da decisão de 2006, contra o São Paulo, para matar dois marcadores com imprevisível corta luz.

Com espaço, o menino de Erechim avançou para as proximidades da grande área, cortou para dentro e, de trivela, inverteu jogo com o Guiñazú, livre. De Cholo ela seguiu até Kleber, que cruzou da altura da quina do retângulo mexicano. Açucarada, a bola encontrou a cabeça de Giuliano, posicionado exatamente sobre a marca do pênalti. Desta vez, ele não perdoou. Desta vez, o talismã artilheiro mandou testaço preciso para as redes guadalajarenses. Tudo igual no Omnilife!

Giuliano? Empatou/Imagens: Rede Globo

O empate devolveu ao Inter a tranquilidade exibida na etapa inicial. Somava-se agora, ao jogo de autoridade desempenhado pelo Colorado, o brilho de Sobis. Atuando como referência no ataque, mas tendo a costumeira liberdade para se movimentar e fazer combinações com Taison, o ídolo vermelho tabelou, aos 29 minutos, com outra divindade de nossa história. D’Alessandro, também centralizado, recebeu do parceiro e percebeu Giuliano na direita. O camisa 11 dominou, costurou, esperou e, na hora certa, soltou para Nei, que somente deixou de invadir a área por conta de puxão do lateral Fabián. Falta, quase pênalti, em favor do Clube do Povo.

Responsável pela cobrança, D’Ale, tirando proveito do ângulo ideal para uma batida fechada, tentou cobrar direto. Reboteada pela barreira, a posse retornou ao domínio do 10 colorado. Na quina da grande área, como também estivera Kleber mais cedo, mas agora pela direita, o craque, danado, usou do La Boba para ganhar espaço.

Com o drible, abusou da precisão de sua canhota. Aberto, o cruzamento encontrou Índio que, de cabeça, serviu Bolívar. Entre o retângulo menor e a marca do pênalti, o capitão alvirrubro, como se fora um centroavante, desferiu inesquecível peixinho. Afobado em sua saída de gol, o arqueiro nada pôde fazer. Picando, a bola beijou as redes do Chivas. Virávamos.

Bolívar, de sua parte, virou/Imagens: Rede Globo

A caminhada do Colorado como visitante na Libertadores de 2010 servia, até aquele momento, de antítese perfeita à impecável campanha construída pelo Clube do Povo no Beira-Rio. O Inter, nas seis jornadas que disputara longe do Gigante, ainda não conquistara triunfo algum. Motivo para nervosismo? Não ao calejado elenco alvirrubro, que, demonstrando péssimos modos, impediu qualquer novo sorriso dos donos da casa. Os 15 minutos finais correram rapidamente. Apenas as faltas cavadas pelo impiedoso D’Alessandro, ou a entrada de Wilson Mathias, na vaga de Taison, interromperam o correr da bola. Nervoso, o Chivas não conseguia assimilar a virada alvirrubra. Em um piscar de olhos, de vencedores passaram ao posto de vencidos.

“Tivemos muita disposição e qualidade. Mesmo jogando fora de casa, conseguimos criar muitas oportunidades. Agora vamos fazer um bom jogo no Beira-Rio para fechar a campanha com chave de ouro”

Bolívar, após a partida

O terceiro dos últimos três sopros de apito desferidos pelo argentino Héctor Baldassi chegou aos 47 minutos e 58 segundos. O estridente som, muito comemorado, oficializou mais uma coincidência entre as histórias de nossas conquistas continentais. De novo, vencíamos os primeiros 90 minutos da decisão. Uma vez mais, fora de casa. Novamente, por 2 a 1. Para encerrar a lista de encontros, restava, apenas, a taça. Ansiosas as noites que dormimos até a chegada dela. Em uma semana o Beira-Rio ergueria, uma vez mais, o principal troféu da América do Sul.

No horizonte colorado, despontava um Beira-Rio lotado e um continente por ser liberto/Foto: Ricardo Duarte

A segunda epopeia continental no Morumbi

O Inter é um gigante do futebol brasileiro. Como tal, exibe rica história em diversos estádios míticos de nosso país, não restringindo sua magnificência ao Gigante, templo que há 51 anos serve de casa ao Clube do Povo. Dentre os muitos palcos que já testemunharam epopeias coloradas, provavelmente o Cícero Pompeu de Toledo seja o mais habituado a reverenciar esquadrões alvirrubros. O apelido da cancha, que muitas vezes já virou Beira-Rio? Morumbi.

Em 1979, por exemplo, Falcão comandou atuação magistral do Time que Nunca Perdeu e, com dois gols, garantiu vitória de 3 a 2 na partida de ida das semifinais nacionais. Já no século XXI, o primeiro a brilhar Sobis, outra cria do Celeiro, responsável por costurar, no gramado paulista, as veias abertas do continente que estava prestes a libertar. Quatro anos depois, no mesmo endereço, o Inter viveu novo capítulo marcante de uma biografia bicampeã da América. No dia 5 de agosto de 2010, o Clube do Povo eliminava o São Paulo e avançava à decisão da Libertadores.


As vantagens coloradas


O Clube do Povo partiu para São Paulo em vantagem na briga por vaga na decisão da Libertadores. No dia 28 de julho, diante de um Beira-Rio lotado, o Colorado superara os visitantes por 1 a 0, gol de Giuliano. Embora positivo, o resultado não deixou de ser lamentado por parte da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande. Afinal de contas, o Inter, dono do jogo, fizera por merecer escore ainda mais folgado.

De todo modo, a exemplo do que ocorrera na fase de quartas de final, diante do Estudiantes, o elenco alvirrubro partia para os últimos 90 minutos com a possibilidade de jogar pelo empate. Desta vez, esperava-se, apenas o sofrimento poderia ser menor. Contra os argentinos, o gol da classificação saiu aos 43 da etapa final, quando a torcida da casa já comemorava vitória por 2 a 0 e consequente classificação.

Entre os duelos de ida e volta contra o São Paulo, o Clube do Povo disputou, no Beira-Rio, Gre-Nal válido pelo Campeonato Brasileiro. Se a torcida já demonstrava grande simpatia pela superstição de, uma vez mais, encarar o tricolor paulista na caminhada rumo ao topo do continente, enfrentar o maior rival em meio a uma semifinal de Libertadores apenas aumentava a lista de coincidências entre a campanha de 2010 e a campeã em 2006.

Antes de encarar os últimos 90 minutos de duelo contra o Libertad, o Inter também havia enfrentado, há quatro anos, no Beira-Rio, seu maior rival. Igualmente válido pelo Nacional, o clássico, marcado por vexatório tumulto da torcida visitante, fora encerrado sem gols. Em 2010, o roteiro, dentro de campo, foi idêntico.

Encerrando os encontros de passado com presente, o povo colorado recebeu maravilhosa notícia no segundo dia do mês de agosto. Após uma verdadeira corrida contra o tempo, simbolizada em dias de intenso trabalho, o ídolo Tinga, completamente recuperado de edema na coxa direita, voltou aos treinamentos. À disposição, o meio-campista poderia reencontrar a vítima de seu único gol na Libertadores de 2006, tento que valeu o título para o Inter. Repatriado ainda no mês de maio, o agora camisa 16 havia esperado quase dois meses para ter sua situação regularizada e, assim, reestrear com o manto vermelho. Fulminante, logo construiu atuações de alto nível, suficientes para rapidamente torná-lo titular. Na última partida antes do confronto de ida da semifinal, contudo, sofreu a lesão. Sedento, ao retornar credenciava-se ao posto de arma secreta de Celso Roth.

“Sempre vão ter as comparações com 2006, mas a gente que está envolvido sabe que são situações diferentes. Agora é semifinal. Mudam os jogadores, e, também, as situações.”


Injusta etapa inicial


Foto: Mauro Horita/Site São Paulo

O Clube do Povo não alimentou mistério algum para o duelo frente aos paulistas. A escalação para o Morumbi, era certo, praticamente replicaria o escrete que atuou no Beira-Rio. A única mudança, é claro, ficava por conta de Tinga, titular na vaga de Andrezinho. O camisa 16 ocuparia a faixa central da trinca de meio-campistas que formavam o 4-2-3-1 colorado. Pela direita, teria a companhia de D’Ale. Na esquerda, Taison. O comando de ataque, uma vez mais, ficaria a cargo de Alecsandro, enquanto Sandro e Guiñazú garantiriam segurança na volância. Na retaguarda, o goleiro Renan contaria com a proteção dos laterais Nei e Kleber e dos zagueiros Índio e Bolívar.

A ausência de incertezas quanto à formação vermelha, todavia, passava longe de significar desmobilização para o duelo decisivo. Horas antes do confronto, que tinha início previsto para as 21h50, a logística colorada já marcava presença no vestiário paulista. Desta forma, quando os jogadores desembarcassem, encontrariam toda a parte de rouparia, massagem e relaxamento muscular a postos. Entre os responsáveis por preparar a estrutura estava o histórico roupeiro Gentil Passos, aniversariante do dia, que sonhava com uma vitória de presente.

“Nem vou ver o jogo, nunca saio do vestiário. Vou tentar sintonizar no radinho. Em 2006, olhei pela janelinha e só consegui ver a rede balançando no gol do Sobis!”

Foto: Divulgação

As mudanças verdadeiramente intensas aconteceram no time de Ricardo Gomes. Em um Morumbi lotado, o São Paulo foi a campo com Rogério Ceni; Jean, Alex Silva, Miranda e Júnior César; Rodrigo Souto, Cléber Santana, Hernanes e Fernandão; Dagoberto e Ricardo Oliveira. No lugar do 3-5-2 da partida de ida, esquema que facilmente se convertia em um compacto 5-4-1, o tricolor paulista apostava num losango de meio-campistas. Fernandão, ídolo colorado, ocupava o vértice superior, encostando na forte dupla de ataque.

Foto: Jefferson Bernardes

O confronto, vale destacar, carregava um incremento especial. Além de garantir vaga na decisão da Libertadores, quem avançasse entre Inter e São Paulo estaria, também, assegurado no Mundial de Clubes da FIFA. Isto porque o Chivas, já finalista, não poderia, enquanto time mexicano, representar a CONMEBOL no torneio. A vitória, portanto, tornava-se ainda mais cobiçada pelo time da casa, que tentou pressionar desde o primeiro apito. A principal aposta dos paulistas, como não poderia deixar de ser, residia nos lançamentos para Ricardo Oliveira e Fernandão, acreditando no pivô destes para a velocidade de Dagoberto, geralmente presente no corredor esquerdo.

Pressionar o Inter não era tarefa simples. Bem postado na defesa, o Colorado contava com um trio de grande estatura para lutar nas bolas alçadas. Índio, Bolívar e Sandro dominaram o jogo, garantindo segurança para a retaguarda vermelha. Com a bola no pé, D’Alessandro iniciou a partida extremamente tranquilo, e muito se aproximou de Tinga para garantir o maior tempo possível de posse de bola. A maturidade visitante irritou o São Paulo, que cometeu faltas em excesso ao longo dos minutos de abertura do confronto. A mais perigosa delas, aos oito, foi cobrada com veneno pelo camisa 10 alvirrubro, exigindo, de Ceni, a primeira defesa da noite.

Camisa 9 autor de gols fundamentais para o Inter ao longo da campanha, Alecsandro deu as caras pouco depois. Aos 14 minutos, o centroavante, posicionado na intermediária, ficou com a segunda bola de disputa entre Tinga e Miranda. Habilidoso, dominou com a parte externa do pé direito, de chaleira, ajeitou na coxa e, quando sentiu a aproximação de Cléber Santana, aplicou um chapéu. Livre, dominou adiantando a esférica e, apesar da distância, arriscou. Chute forte, no ângulo, foi defendido, em dois tempos, por Rogério.

O São Paulo chegou pela primeira vez aos 15, com Hernanes. Aberto na direita, o camisa 10 recebeu bom passe de Cléber Santana e, aproveitando o ângulo favorável ao chute de direita, testou. Sem direção, a bola saiu em tiro de meta para Renan. A resposta do Inter veio seis minutos depois, com Taison. O camisa 7 foi servido por linda escorada de Tinga, que tabelara com D’Alessandro, e, em velocidade, cortou da esquerda para o centro antes de finalizar forte, rasteiro. Ceni, mais uma vez, salvou, agora espalmando para o lado.

Com o passar do tempo, no duelo da imposição física paulista com o equilíbrio técnico e emocional colorado, o lado gaúcho começava a se sobressair. Aos 24, o nervosismo mandante afetou o próprio goleiro da casa, até então principal nome do duelo, que errou na saída de bola e ofereceu boa oportunidade para Tinga. A recuperação do arqueiro veio com novo milagre providencial. Recém-recuperado de lesão, o camisa 16 alvirrubro atuava, sem a bola, como um segundo atacante, enquanto D’Ale, em melhores condições físicas, era o responsável por fechar o corredor direito e estruturar duas linhas de quatro. Lotado, o Morumbi, quatro anos depois, voltava a silenciar diante da festa do povo vermelho.

De fato, o futebol é uma caixinha de surpresas. Ineficaz em suas repetitivas bolas alçadas para a área, o São Paulo parecia entregue na partida. Apenas um lance isolado poderia alterar o panorama do confronto. E ele aconteceu aos 30. De muito longe, Hernanes cobrou falta com força, nas mãos de Renan.

O goleiro colorado, que vinha construindo atuação segura no confronto, não conseguiu encaixar. A bola, então, espirrou para trás e sobrou, açucarada, com o zagueiro Alex Silva, que somente cabeceou em direção às desprotegidas redes do Inter. Por ora, o duelo seguiria aos pênaltis.


Reinício quase perfeito


Fora de campo, o gol tricolor alterou o som ambiente do Morumbi, que voltou a conviver com a cantoria paulista. Dentro das quatro linhas, porém, a fatalidade não abalou a excelente exibição do Clube do Povo, que quase empatou aos 40, em falta muito bem cobrada por D’Alessandro. O lance foi o último de perigo ocorrido na etapa inicial, encerrada com o 1 a 0 no placar. Breve foi o intervalo, sucedido por fulminante segundo tempo.

Foto: Jefferson Bernardes

Taison surgiu para o futebol carregando o DNA do Celeiro de Ases nas velozes pernas. Talhado para encarar momentos de pura tensão com a típica leveza dos craques, irritava marcadores inocentes que incompreendiam a hierarquia exercida pelo jovem camisa 7 dentro de campo. Como você dominaria, por exemplo, sob intensa vaia de 60 mil gargantas paulistas, lançamento espirrado pela defesa adversária? O pelotense colorado apostou na mesma inteligência que demonstrava nos gramados de sua cidade natal. Marcado pelo selecionável Miranda, chamou o beque para dançar. Primeiro, escapou conduzindo da perna direita para a esquerda. Ainda perseguido, girou para fora. Estonteado, o zagueiro atropelou o inquieto malabarista da bola. Falta boa, ainda melhor para um time que conta com Andrés Nicolás D’Alessandro.

“Na primeira falta que cobrei na partida, vi que o Rogério Ceni se movimentou para o lado antes de eu bater. Na segunda vez, resolvi chutar onde ele estava, para ver se o enganava. Mas é claro que o toque do Alecsandro foi fundamental

Existiam bons metros de distância entre D’Ale e o gol. A barreira, para se ter ideia, estava posicionada na altura da meia-lua, levemente deslocada para a esquerda. Dentro da área, quatro jogadores colorados e cinco paulistas atrapalhavam a visão de Ceni. Inteligente, o camisa 10 cobrou, com força, exatamente na direção deste bolo de atletas.

Intocável em sua trajetória até a marca do pênalti, a bola encontrou o artilheiro calcanhar do iluminado camisa 9 colorado. Em um ato de puro reflexo, mas também genialidade, Alecsandro desviou a trajetória da esférica, que fugiu do desesperado braço de Rogério Ceni. Desonesta, ela voou até a bochecha direita da meta tricolor. Tudo igual no Morumbi. Para perder a vaga, o Inter precisaria sofrer mais dois gols. Tranquilidade? Não na campanha da Libertadores de 2010.

Foto: Jefferson Bernardes

O empate do Clube do Povo saiu aos 6. Dois minutos depois, Ricardo Oliveira marcou o segundo dos paulistas. A vaga ainda era do Inter. O difícil? Aguentar mais 40 minutos abraçado a ela. Era hora de fazer história, e o Clube do Povo partiu rumo à eternidade com os pontas invertidos. Na esquerda, passou a atuar D’Ale. Em velocidade, quem atacava a direita era Taison. Pelo meio, Sandro, Guiña e Tinga não deixavam o São Paulo criar expectativas. Os minutos que sucederam o tento dos donos da casa, inclusive, comprovam.


Teste para cardíaco


Aos 18, D’Alessandro lançou magistralmente Sandro. Dentro da área, o camisa 8 rolou para trás e encontrou Tinga, de frente para o gol aberto. Entre ele e as redes, apenas Jean. Com a canhota, o camisa 16 carimbou a mão do rival. Que chance desperdiçada; que pênalti ignorado! No minuto seguinte, Hernanes foi acionado por Dagoberto, cortou para a esquerda, dela para a direita e soltou o canudo. Por cima, por pouco. A cada volta do cronômetro, a tensão aumentava. Os erros, também. Quando o relógio marcava 32 minutos, Fernandão recebeu cruzamento milimétrico, mas falhou na hora de executar o testaço. De leve, triscou na bola e viu ela atravessar toda a extensão da meta alvirrubra sem encontrar desvio em mais ninguém. Logo depois, Tinga derrubou Júnior César e recebeu o amarelo, seu segundo no jogo. Era expulso, como em 2006. Incrédulo, apenas pediu desculpas para a torcida, que apoiou o ídolo, mais uma vez injustiçado diante de paulistas.

Apesar da expulsão, Roth não mudou o time. O comandante, que acabara de alçar Giuliano no lugar de D’Ale, conseguiu organizar a equipe sem promover nova alteração. A segunda linha de quatro, formada pelos meio-campistas, agora contava com o talismã camisa 11 pela esquerda e o incansável Taison na direita. Internamente, Sandro seguia equiparando o vigor físico de Fernandão e Ricardo Oliveira, enquanto Guiñazú converteu-se em um leão. O gringo, habituado a correr por dois, aumentou ainda mais de intensidade. Rei nos desarmes, não hesitou em compensar a ausência de Tinga ocupando espaço no campo ofensivo. Com a bola, construiu importantes tabelas junto de Alecsandro, que cavava faltas preciosas para o Inter e irritantes ao São Paulo.

A segunda troca no Inter ocorreu apenas aos 44 minutos. Segundos antes, Fernandinho havia cruzado perigosa bola rasteira que Ricardo Oliveira desviou, na pequena área, de letra. O lance, bloqueado por Índio, cobrou reação do técnico vermelho, que colocou Wilson Mathias na vaga de Taison. Àquela altura, o São Paulo já contava com Marlos, Marcelinho Paraíba e Fernandinho, novidades que substituíram, respectivamente, Cléber Santana, Rodrigo Souto e Dagoberto.

Foto: Jefferson Bernardes

Experiente, o camisa 7 colorado deixou o campo abraçado em Carlos Amarilla, árbitro que até tentou apressar o jovem atacante, mas acabou cedendo à simpatia do craque. A última chance paulista aconteceu já nos acréscimos, quase aos 47. Neste instante, Hernanes cruzou para corte difícil de Renan, que mandou pela linha de fundo. Na cobrança do escanteio, Rogério Ceni cometeu falta no arqueiro vermelho. Finalmente, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande respirava. Cobrada a irregularidade, o jogo estava encerrado.

“É muito empolgante! Todos aqui merecem, essa equipe batalhou muito durante o primeiro semestre. Perdemos o estadual, mas sabíamos que esse título é o importante. Rumo ao México, rumo ao título. Este é o nosso grande objetivo.

Encerrada a partida, a festa, iniciada no campo e na arquibancada, prosseguiu nos vestiários do Morumbi. Classificado para o Mundial, o Inter estava a duas partidas de reconquistar a América. Em 14 dias poderíamos colorir, uma vez mais, o continente com a cor que melhor lhe veste. Faltava pouco para um elenco calejado em superação e sofrimento ser campeão. Eram vários os heróis que mereciam a taça. Naquele dia 5 de agosto, contudo, o principal nome da noite não havia entrado em campo.

O grupo colorado dedicou a vitória, de maneira unânime, para um ídolo dos bastidores alvirrubros. Completando 54 anos de vida na data, dos quais 36 haviam sido dedicados ao Clube do Povo, Gentil Passos foi o homenageado pelos atletas. Arremessado para o alto, teve seu nome ovacionado por toda a delegação vermelha e, assim, pôde comemorar os últimos segundos de seu dia como o herói que é para todos que vivem o Inter. Há 10 anos, o aniversariante digeria, como toda a torcida, a mais doce de nossas derrotas. Há 10 anos, seguíamos caminhando rumo ao título.

Livres do fantasma paraguaio

Semifinal de Libertadores. O adversário? Forte equipe paraguaia, alvinegra e atual campeã nacional. Último obstáculo na luta por vaga na decisão continental, teria de ser superado no Beira-Rio, sede da batalha final de guerra iniciada no mítico Defensores del Chacho. O roteiro, sabíamos, era conhecido. Tornava-se necessário, portanto, revolucionar seu último capítulo. Há 14 anos, exorcizávamos o último fantasma na caminhada rumo ao topo da América.

Em breve retornaríamos, depois de 26 anos, à final da América/Foto: Jefferson Bernardes

Time embalado


A Libertadores de 2006 foi a primeira disputada pelo Inter em 13 anos. Afastado do torneio desde 1993, o Clube do Povo, gaúcho que desbravou o certame na década de 70, retornou à elite continental após anos de rápida e concreta reestruturação interna. Inicialmente, na abertura do século XXI, o Colorado lutou contra grandes equipes latinas na Sul-Americana, assim ganhando cancha em competições do exterior.

Colorado ascendeu rapidamente no cenário sul-americano/Foto: Marcelo Campos

Logo depois, o Inter fez por merecer o título do Brasileirão de 2005, conquista que consagraria forte elenco abrilhantado por nomes como Clemer, Ceará, Índio, Bolívar, Edinho, Tinga, Jorge Wagner, Alex, Rafael Sobis, Fernandão e muitos outros. Os escândalos extracampo, contudo, embora tenham retirado o troféu nacional das mãos alvirrubas, também serviram de motivação para o time, que ficou ainda mais sedento por taças, como provou na invicta campanha da fase de grupos da Libertadores.

Praticando um futebol extremamente ofensivo, o time de Abel Braga somou 14 pontos e avançou para as oitavas de final na liderança de seu grupo. Ao mesmo tempo, duro revés na finalíssima estadual suscitou mudanças na equipe, que passou a atuar de maneira mais equilibrada, mas igualmente propositiva. Foi assim que eliminamos o Nacional, antigo carrasco, nas oitavas, e também a LDU, em dramático duelo por classificação às semis. Para chegar a decisão, seria necessário superar mais um fantasma – este paraguaio.


Rival também fora de campo


A década de 80 não foi fácil para a torcida colorada. Habituado a dominar Rio Grande e Brasil, o povo vermelho precisou se acostumar ao insosso gosto da prata. Batemos, inúmeras vezes, na trave, alimentando grande sentimento de frustração nos arredores do Gigante. Dentre as derrotas mais doloridas, o revés diante do Olímpia, na semifinal da Libertadores de 1989, atinge notório destaque.

Treinado por Abel Braga, o Inter havia construído maiúscula caminhada continental. Nas oitavas, despachou o todo poderoso Peñarol através de incrível agregado de 8 a 3. Logo depois, o Bahia, atual campeão brasileiro em cima do próprio Colorado, sucumbiu à força do Gigante. Embalado, o Clube do Povo abriu fora de casa, contra a alvinegra equipe do Olímpia, a disputa por vaga na decisão.

O jovem Abel Braga, comandante do Inter no final da década de 80

No Defensores del Chaco, Luis Fernando Rosa Flores anotou, de bicicleta, um dos gols mais bonitos da história da Libertadores. Com ele, o Inter garantiu a vantagem mínima para o jogo da volta, duelo acompanhado, no Beira-Rio, por mais de 70 mil colorados e coloradas que encerrariam o dia atônitos. Ninguém imaginava, mas o Clube do Povo viveria uma das noites mais trágicas de sua história, sacramentada com eliminação após duas derrotas. A primeira, por 3 a 2, aconteceu no tempo normal. A segunda, na marca do cal. Desde então, jamais havíamos chegado tão longe na Libertadores. Até 2006. Até o retorno de Abel. Até novo confronto contra paraguaio, agora o Libertad.

Comandado por Gerardo ‘Tata’ Martino, técnico que chegaria, no futuro, ao comando da Seleção Argentina e também do Barcelona, o atual campeão do Paraguai contava com forte elenco. Entre as principais estrelas de geração que conquistaria o tricampeonato nacional estavam Édgar Balbuena, Víctor Cáceres, Martín Hidalgo, Cristian Riveros, Rodrigo López e, é claro, Pablo Horácio Guiñazú. Para avançar à final, o Inter teria, então, de superar grande adversário dentro de campo, e temido fantasma fora dele.


O jogo de ida


A classificação para a final não seria conquistada graças a alguma receita mágica, invenção de última hora ou coelho tirado da cartola. Se o Inter estava entre os quatro melhores do continente, era por merecimento e justiça. Abrir mão do fizera para chegar tão longe no torneio seria inconsequente. A despeito de qualquer má recordação, a partida contra o Libertad precisava ser encarada como todas as outras. Nosso capitão, como sempre genial, sabia disso.

“Se chegamos até esta fase da competição foi porque adquirimos uma maneira de jogar. Por isso, não podemos mudar nossa postura contra o Libertad. Vamos em busca da vitória, tendo consciência dos perigos que o adversário oferece”

Fernandão, projetando o duelo

Os maus agouros, inclusive, também encarariam adversário de peso nas arquibancadas do Defensores del Chaco. Contra o espírito das frustrações passadas, o Inter contaria com a vibração do mais inabalável povo, capaz de erguer um gigante sobre as águas de um rio. Torcida que sofrera no passado recente, e ansiava para retornar ao seu lugar de direito: o topo do pódio. Para tanto, os milhares que viajaram ao Paraguai apostavam em um comandante identificado com nossas cores.

“É muito bom saber que teremos este apoio maciço no Paraguai. O Inter é uma equipe de alma, de cor vermelha, de sangue. Contra o Libertad não vai ser diferente”

Abel Braga, antes do jogo

Desfalcado por Tinga, o Clube do Povo foi a campo com Clemer no gol, Índio, Bolívar e Eller na zaga; Ceará e Jorge Wagner nas respectivas alas direita e esquerda; Edinho, Fabinho e Alex no meio; Fernandão e Sobis no ataque. Vivendo noite inspirada, o jovem camisa 11 alvirrubro causou grandes problemas à zaga paraguaia, criando as principais oportunidades do começo de partida. De sua parte, o Libertad insistia em bolas alçadas na área, sempre contando com a vibração de Guiñazú para garantir o rebote. Os três zagueiros colorados, todavia, frustravam os planos mandantes.

Na etapa inicial, as melhores oportunidades de cada equipe foram criadas após os 30 minutos. Primeiro, Fernandão, como se fora um poço de tranquilidade em meio ao nervosismo clássico de um confronto eliminatório, recebeu passe forte de Ceará, na altura da intermediária, e, inteligente, deu um chapéu no marcador. Afobado, o adversário passou batido, enquanto o Eterno Capitão colorado dominava no peito, adiantando a posse. Com força, o camisa 9 mandou de direita, e a bola tirou tinta do travessão.

Pouco depois, Cholo Guiñazú conseguiu seu primeiro bom rebote no jogo e, de canhota, em cima da linha da grande área, finalizou no canto. A redonda explodiu no poste, cruzou em frente à meta vermelha, encontrou Riveros e, na segunda tentativa deste, foi cruzada para a confusão, onde López arrematou para defesa segura de Clemer. Por fim, aos 42, Ceará levantou bola fechada que foi direto na trave superior de Gonzalez. Dono da sobra, Sobis ajeitou para Jorge Wagner encher o pé. O arqueiro paraguaio promoveu um belíssimo milagre.

O panorama de igualdade foi mantido para a etapa final. Mortais como de costume, os entrosados Sobis e Fernandão cansaram a defesa paraguaia. À dupla, somavam-se os constantes avanços de Jorge Wagner, pela esquerda, e Ceará, na direita, além de Iarley, que substituiu Alex. O lance mais marcante do segundo tempo, contudo, foi da equipe da casa – mas, de certa forma, também do Inter. Após cruzamento de Romero, Eller afastou para a intermediária. Bem posicionado, Riveros pegou a sobra e, ignorando a longa distância, mandou de primeira.

Rasante, ela voou até o travessão de Clemer, bateu nas costas do goleiro e, mansa, teimosa, picando, saiu ao lado do poste direito. Há dois anos, na Bombonera, também em uma semifinal continental, o goleiro sofrera gol em lance muito parecido. Agora, a bola saía. Na luta entre a camisa colorada e o fantasma paraguaio, parecíamos levar a melhor. Nossa torcida, presente aos milhares no Defensores, certamente fazia por merecer desfecho mais alegre. Pouco depois do lance, o jogo foi encerrado, com o placar zerado. O duelo seguia em aberto.


Tensão gigante


Entre os confrontos de ida e volta das semifinais continentais, o Inter disputou, pelo Brasileirão, o Gre-Nal de número 366 na história. Com os reservas, o time de Abel Braga até criou as melhores chances, mas não conseguiu alterar o placar do duelo, que ficou marcado, muito mais do que por qualquer lance dentro de campo, pelo vexame histórico da torcida gremista, que provocou grande tumulto nas arquibancadas do Gigante, inclusive incendiando banheiros químicos. Dois dias depois, foi o povo vermelho quem deu exemplo – mas positivo. Na abertura do mês de agosto, o Inter atingiu a inédita marca de 40 mil sócios e sócias, feito que teve como consequência um Beira-Rio completamente lotado para o duelo diante do Libertad.

O Clube do Povo foi a campo, no dia 3 de agosto de 2006, escalado, a exemplo do que ocorrera na partida de ida, com três zagueiros. Bolívar era o responsável pelo lado direto da trinca, enquanto Eller ocupava a esquerda. Entre eles, estava Índio. À frente, cinco meio-campistas tratavam de gerar superioridade numérica na região mais crítica do campo. Donos de grande poder de contenção, mas também responsáveis por oferecer boa saída de bola, Fabinho e Edinho garantiam a liberdade necessária para Alex, extremamente entrosado com o ala-esquerda Jorge Wagner. Ceará, na direita, tinha como parceiro preferido o inquieto atacante Rafael Sobis, eterno par perfeito de Fernandão. No gol, é claro, o titular foi Clemer.

Os heróis responsáveis por devolver o Inter à decisão continental

Os primeiros movimentos da partida deram a entender que o fantasma paraguaio, incapaz de triunfar diante de cinco mil colorados em Assunção, não teria a menor chance contra as mais de 50 mil pessoas que fizeram trepidar o Beira-Rio. Logo aos 3, Edinho escapou em velocidade pelo meio e abriu com Fernandão. Invertendo posição com Sobis, o camisa 9, posicionado como um ponta-direita, cruzou rasteiro para o 11, que se atirou em preciso carrinho. Com os pés, Gonzalez salvou.

De garçom, Fernandão passou a artilheiro, e tentou, aos 14, completar cruzamento aberto de Jorge Wagner. Alta demais, a bola saiu em tiro de meta. Já aos 31, no último lance de perigo da etapa inicial, o Eterno Capitão alvirrubro recebeu grande passe em profundidade de Alex, assistência que não dominou por questão de centímetros, suficientes para o goleiro adversário fazer a defesa.

Embora de ampla supremacia colorada, a etapa inicial conviveu, também, com crescente ansiedade do povo vermelho. Contra o Olímpia, o Inter fora eliminado exatamente no segundo tempo, quando, inclusive, desperdiçou uma penalidade. A lição do passado, logo, era bastante clara: quem não faz, sofre. E o sofrimento deu as caras depois do intervalo. Cedo, o Libertad desperdiçou a primeira oportunidade, respondida rapidamente por Sobis, que teve boa chance. A partir dos 10 minutos, todavia, um verdadeiro filme de terror teve início.

O Inter viveu seis minutos de pura tensão, capaz de paralisar os atletas dentro de campo. Aos 11, Cáceres subiu livre após cobrança de escanteio e, respeitando o figurino, cabeceou para baixo. Clemer defendeu. Cerca de 40 segundos depois, López foi lançado na área e só não balançou as redes graças a desarme providencial de Bolívar. Na cobrança do córner, o mesmo atacante cabeceou bola que levou muito perigo ao gol alvirrubro. A torcida finalmente conseguia puxar o primeiro ar quando Riveros finalizou cruzado e Villareal, por detalhe, não completou de carrinho. Ato contínuo, quem arrematou para longe foi Gamarra. Abel, então, percebeu que a situação só tendia a piorar. Como respondeu? Mandando Rentería a campo, na vaga de Fabinho.

A troca foi ousada. A partir dela, Alex seria recuado à volância, e Fernandão, como um ponta-de-lança, estaria responsável por municiar Rentería e Sobis, a nova dupla de ataque. Necessária para um time que se via obrigado a marcar gols, a substituição também poderia oferecer ainda mais espaços para o Libertad, dentro de campo, e ao azar, fora dele. Felizmente, nenhum destes teve tempo para agir.

Aos 17, pouco mais de um minuto após a entrada de Rentería, Alex recebeu passe de Ceará. Recuado, o camisa 24 pôde visualizar o campo de frente e perceber que, ao mesmo tempo que seus companheiros mais adiantados estavam excessivamente marcados, existia espaço de sobra para progredir até as cercanias da grande área paraguaia. Assim fez e, após simples dois toques na bola, soltou um de seus marcantes canhotaços. Veloz, a esférica voou até as cercanias da pequena área, picou pela primeira vez, ganhou velocidade ainda maior e, sem oferecer chance alguma de defesa, bateu no poste para depois morrer nas redes. Inter na frente!

Ele sempre foi de bomba/Imagens: SporTV

A vantagem colorada nocauteou o Libertad. Antes confiantes em um gol que parecia iminente, os paraguaios ficaram visivelmente desorientados com o caldeirão da beira do Guaíba. Completamente zonzos devido à festa da torcida, chegaram a sentir náuseas quando, ao ritmo do povo vermelho, Sobis começou a dançar na ponta direita.

Primeiro, aos 21, o camisa 11 decidiu partir para dentro da marcação e só depois soltar a bola, cruzada na cabeça de Ceará, que parou no goleiro. No minuto seguinte, mudou de ideia e, ainda na intermediária, acionou Fernandão.

Vindo de trás como um meia, o capitão pôde dominar, fazer o giro, ajeitar e, a exemplo do que fizera Alex, soltar a canhota. Cruzado, o arremate dispensou o beijo no poste, mas também morreu no canto das redes alvinegras. Após abrir o placar graças a meio-campista recuado para a volância, o Inter chegava ao segundo através de um camisa 9 que ocupava a ponta-de-lança. Brilhante, Abel!

O 2 a 0 permitia ao Inter sofrer um gol e, mesmo assim, garantir vaga na decisão. A postura ofensiva, portanto, podia ser arrefecida. Assim, Abel mudou mais uma vez, colocando Wellington Monteiro na vaga de Índio. Deste momento em diante, o Clube do Povo esteve formado por duas linhas de quatro. Na primeira, estavam Ceará, Bolívar, Eller e Jorge Wagner. Logo na frente, Edinho, Alex, Wellington Monteiro e Fernandão.

Compacto, o Colorado seguiu se fechando bem, tocando a bola com segurança e transpirando disposição e garra. Ao mesmo tempo, a torcida, enlouquecida de felicidade, vaiava cada trama adversária com furor idêntico ao usado para incentivar o Alvirrubro. Nos acréscimos, Rentería ainda desperdiçaria boa chance, defendida pelo goleiro paraguaio.

Enfim, aos 48 minutos do segundo tempo, ecoou pelo Beira-Rio o último apito do árbitro Oscar Ruiz, oficializando o retorno do Inter, após 26 anos de espera, à final da Libertadores. Na força do Gigante, nos libertávamos do último fantasma continental. Livres, logo serviríamos de libertadores para os povos vizinhos. Que viesse o São Paulo!

Estávamos loucos por ti, América!/Foto: Jefferson Bernardes

D10S: Há 12 anos, D’Alessandro era oficialmente apresentado

Com festa, o recebemos. Diferenciado, provou-se capaz de transformar centímetro em hectare, segundo em eternidade. Assim, evoluiu: de gênio para amor, depois ídolo e, enfim, divindade. Há 12 anos, D’Alessandro, um dos maiores de nossa história, era oficialmente apresentado pelo Inter. Marcada, desde o desembarque, por grandes emoções, a trajetória do craque esteve repleta de estreias em sua primeira temporada. Relembre-as agora!


O primeiro contato


As primeiras linhas da história entre Andrés Nicolás D’Alessandro e Sport Club Internacional foram escritas no dia 30 de julho de 2008. Gélida quarta-feira invernal, a data conviveu, desde cedo, com grande movimentação de colorados e coloradas no Aeroporto Salgado Filho. De todos os cantos, centenas desejavam receber o mais novo reforço alvirrubro, que desembarcou às 18h35 do horário de Brasília. Poucos minutos depois, o argentino ouviu, no lugar do intenso zunido das turbinas de aeronaves, som ainda mais estrondoso. Este, proferido pela torcida colorada que, a plenos pulmões, alternava do ‘Vamo, Inter!’ ao Dale, D’Alessandro!

As expectativas, vale lembrar, eram grandes em ambos os lados. Para o Clube do Povo, D’Ale simbolizava a ambição de um time que queria mais e seguia sedento por títulos mesmo depois de conquistar América e Mundial. Carregando status de jogador diferenciado, o gringo era a grande aposta para superar quaisquer desconfianças com a reformulação do elenco, que recentemente perdera Iarley, seu camisa 10, e Fernandão, capitão, além do comandante Abel Braga. Nem o mais otimista apaixonado poderia imaginar, contudo, que o buenairense que desembarcava na capital gaúcha assumiria, com o tempo, os dois papéis: de referência técnica, vestindo o número dos gênios, e também anímica, empunhando faixa costurada nos braços de gigantes.

De sua parte, D’Alessandro sonhava em atingir, no Inter, o patamar que sempre provou ser capaz. Revelado pelo River Plate, precisou de poucos anos para virar o grande craque do time hermano. Referência técnica também da Seleção Argentina Sub-20, campeã mundial em 2001, foi negociado, dois anos depois, com o Wolfsburg, da Alemanha. No velho continente, atuaria ainda por Portsmouth, da Inglaterra, e Zaragoza-ESP. Já em 2008 regressou, por empréstimo, ao seu país natal, onde disputou, com o San Lorenzo-ARG, boa Libertadores. O Clube do Povo, portanto, representava o sonho de afirmação do atleta. Também ele não sabi, mas, em breve, começaria a trilhar, a passos largos, roteiro rumo à eternidade alvirrubra.


A estreia


D’Alessandro teve seu nome registrado no Boletim Informativo Diário (CBF) da CBF em 11 de agosto, seis dias depois de começar a trabalhar com seus companheiros. Já devidamente integrado ao grupo, o craque estava, assim, pronto para estrear com a camisa colorada. A partida mais próxima no horizonte, por ironia do destino, era um Gre-Nal. Duelo sempre único, o clássico da ocasião, que teria como palco o Beira-Rio, era ainda mais especial, uma vez que valia pela abertura da primeira fase da Sul-Americana. Após breves contatos com o povo vermelho, tanto no desembarque quanto em seu primeiro treino, acompanhado por 300 pessoas, El Cabezón conheceria, enfim, a força do Gigante lotado.

Cerca de 30 mil pessoas tomaram as arquibancadas do Beira-Rio na noite de 13 de agosto de 2008, data do Gre-Nal 371. Comandado pelo técnico Tite, o Inter, desfalcado de Alex e Nilmar, foi a campo no esquema 3-5-2. Protegido em sua meta por Clemer, o time colorado contava, na defesa, com a segurança do trio Índio, Sorondo e Bolívar. Wellington Monteiro fez a ala-direita, e Nery a esquerda. Na volância, Edinho e Guiñazú conferiam sustentação ao Clube do Povo, que apostava na dupla de ataque formada por Daniel Carvalho e Adriano. Completando a formação estava, é claro, D’Alessandro. Camisa 15 às costas, o argentino era o responsável por armar as tramas ofensivas alvirrubras.

A partida começou a se provar histórica ainda antes do apito inicial. Tradicional rito da torcida colorada na abertura de confrontos disputados no Beira-Rio, os nomes dos atletas titulares foram, um a um, enunciados pelo público. Após saudar Guiñazú, hermano que, àquela altura, já conquistara o coração do povo vermelho, o Gigante celebrou, pela primeira vez em seus 38 anos, Andrés Nicolás D’Alessandro. Perfeito, o canto dedicado ao gringo fez tremer a estrutura do templo alvirrubro, endereço que não costuma se curvar facilmente a jogadores estreantes. De certa forma, nossa casa parecia saber que o canhoto meio-campista faria história em seu gramado, e deixava esta profecia clara à multidão presente nas arquibancadas, que eufórica bradava D’Ale.

Naturalmente à procura do melhor entrosamento com seus companheiros, D’Alessandro compensou qualquer falta de ritmo com enorme movimentação. Insinuante, o gringo não economizou suor na luta por espaços, aparecendo ora pelos lados, ora centralizado. O tradicional refino na cobrança de bolas paradas também foi percebido em escanteios e faltas que aterrorizaram a defesa tricolor. Titular durante os 90 minutos, somente deixou de cobrar o pênalti colorado na partida, convertido por Daniel Carvalho. Minutos depois, Léo empataria para os visitantes, dando números finais ao confronto, primeiro dos atuais 486 que D’Ale, terceiro jogador que mais vezes vestiu o manto alvirrubro, disputou pelo Inter.


Surge o garçom


O dia 20 de agosto de 2008 pode ser entendido como um divisor de águas na história recente do Internacional. Na data, Alex, D’Alessandro e Nilmar atuaram juntos pela primeira vez. Trio de ouro, responsável por completar a nominata de geração que marcou época com a camisa colorada, estreou em jogo da segunda rodada do returno nacional, diante do Palmeiras. No Beira-Rio, debaixo de chuva fraca, mas constante, o Clube do Povo foi a campo em busca da reabilitação no Campeonato Brasileiro.

O azar, presente em recentes frustrações do Clube do Povo no certame, ameaçou a quinta-feira colorada logo cedo. Aos três minutos, Alex Mineiro cavou e cobrou pênalti para os visitantes. Pouco depois, Diego Souza ainda desperdiçaria clara oportunidade de gol. O bom momento, entretanto, subiu à cabeça dos palestrinos, que, ansiosos por marcar o segundo, esqueceram do poderio ofensivo colorado. A consequência? A virada, construída em um minuto. Primeiro, aos 18, Alex cobrou falta na cabeça de Índio, que empatou. Depois, aos 19, o canhoto camisa 10 soltou uma bomba de fora da área para colocar o Inter na frente.

A magra vantagem do Inter resultou em um começo de segundo tempo bastante agitado. Principal nome da etapa inicial, Alex, que retornava de lesão, precisou ser sacado cedo, aos 11. Sem o camisa 10, D’Alessandro ocupou protagonismo ainda maior na criação de jogadas. De modo praticamente simultâneo à saída do companheiro, que deixou o campo para a entrada de Taison, El Cabezón brigou contra dois marcadores, levou a melhor e cruzou rasteiro para Nilmar, que finalizou de primeira levando perigo à meta de Marcos. Pouco depois, aos 16, o craque argentino bateu falta pela esquerda da área paulista. Açucarada, a bola viajou até a segunda trave para, dentro do retângulo pequeno, encontrar Índio. Goleador, o zagueiro não perdoou. No placar, 3 a 1, e o camisa 15, logo em sua terceira exibição com o manto alvirrubro, já servia a primeira das 113 assistências que hoje soma pelo Clube do Povo.

Momento histórico: a primeira assistência de D’Alessandro pelo Inter

Já nos acréscimos, enquanto a torcida celebrava a vitória, D’Ale deu lindo corte na marcação e deixou com Adriano, dentro da área rival. O atacante dominou com a esquerda, limpou para a direita e soltou um foguete, espalmado por Marcos. O rebote, dentro da área, foi de Taison, que fuzilou para anotar o quarto. Goleada alvirrubra, celebrada com dança por seu autor e o garçom argentino, que aos poucos começavam a nutrir belíssima amizade.


O gol de número 1


O alto nível das primeiras atuações de D’Ale no Inter foi reconhecido, ainda no mês de agosto, com convocação do craque para a Seleção Argentina. Desfalque na 24ª rodada do Brasileirão, o gringo retornou a tempo de atuar contra o Botafogo, na jornada seguinte. Realizado no Engenhão, o confronto diante dos cariocas foi o primeiro disputado pelo inesquecível losango de Tite. Armador, El Cabezón correspondia ao vértice superior do meio de campo colorado, enquanto Edinho fazia a base. Pela direita, quem atuava era Magrão, ao lado do canhoto Guiñazú. O quarteto, ilustre, antecedia a dupla Nilmar e Alex.

O duelo contra os cariocas também contou com brilho do trio ofensivo alvirrubro. No primeiro tempo, aos 30, D’Alessandro, demonstrando grande entendimento das características de seu companheiro, lançou Nilmar em velocidade. Na corrida, o atacante venceu até mesmo o goleiro carioca para cruzar na direção do gol, onde Alex, livre, apenas completou. Inter na frente!

A grande pintura da noite ainda estava por vir. No início do segundo tempo, Guiñazú e Taison escaparam em grande tabela pela esquerda que chegou às cercanias da meta carioca, onde o argentino acionou seu compatriota D’Alessandro. El Cabezón dominou com a direita, já colocando na frente e invadindo a área. Com ângulo para arrematar de canhota, enquadrou o corpo e enganou o zagueiro Renato, que decidiu dar o bote. Genial, o camisa 15 colorado cortou para dentro, deixou o marcador no chão, reconduziu para fora e, com o pé bom, arrematou rasteiro. Golaço, o segundo do Clube do Povo no jogo, primeiro dos 94 marcados por D’Ale com o Inter.

Na comemoração, o futuro ídolo, eufórico com o marco que alcançava, e também com a jogada que produzira, convocou todos seus companheiros para o abraço. Destaque, é claro, para a celebração com Taison, reafirmando a crescente amizade da dupla.

O Botaofogo até conseguiu descontar, marcando o seu com André Luiz. A proximidade no placar, contudo, não resultou em grande pressão do time da casa. Maquiavélico, D’Ale assumiu o controle da partida e passou a ditar o ritmo de cada movimento realizado dentro de campo, escolhendo, a bel-prazer, quando o jogo deveria ser acelerado ou ter seu ritmo diminuído.

Com espaço no centro do campo, o gringo desfilou, sempre de cabeça erguida, inversões milimétricas, passes teleguiados, dribles desconcertantes e uma boa dose de experiência hermana. O show de Andrés apenas foi finalizado quando o camisa 15 deixou o campo para a entrada de Rosinei, que ajudou o Inter a garantir os três pontos.


Homem Gre-Nal


Do alto de seus 51 anos de vida, o Beira-Rio ostenta história rara entre os estádios do mundo. Ao longo das últimas cinco décadas, o Gigante já serviu de palco para diversas gerações vitoriosas e craques renomados. Foi ele, por exemplo, quem revelou Falcão, muito vibrou com Valdomiro, reverenciou Jair, aplaudiu Lula, amou Rubén Paz, eternizou Fernandão e consagrou Sobis, entre muitos outros geniais criadores. Sozinha, nossa casa sabe ocupar o papel de protagonista para superar batalhas difíceis. Humilde, também consegue servir de moldura perfeita aos espetáculos de artistas colorados. Poucas exibições foram tão belas quanto a oferecida por D’Alessandro no dia 28 de setembro de 2008.

D’Ale chegou ao Inter talhado para encarar o significado do Gre-Nal. Duas semanas depois de estrear com a camisa colorada no maior clássico do país, o argentino seria um dos destaques do jogo de volta da primeira fase da Sul-Americana, encerrado com empate de 2 a 2 e classificação do Clube do Povo em pleno Estádio Olímpico. Nada do que produzira contra o Grêmio ao longo do mês de agosto, todavia, pode ser comparado à magnificência do que ofereceu aos 42.590 colorados e coloradas que lotaram o Beira-Rio para acompanhar o confronto de número 373 na história entre Alvirrubro e Tricolor.

O Gre-Nal do segundo turno do Brasileirão de 2008 foi diferente. Antes da partida, o presidente gremista vociferara às rádios gaúchas que, no Beira-Rio, o time visitante “passaria a máquina” sobre o Inter. Ingênuo, injetou ainda mais ânimo no esquadrão colorado. Não que adrenalina fizesse falta, pois o Clube do Povo, vivendo grande fase, ansiava por coroar o bom momento superando o rival e, assim, dando fim a jejum de quase dois anos sem triunfos em clássicos. O infeliz comentário do dirigente, contudo, certamente alimentou a sede dos comandados de Tite, que entraram em campo sedentos, emulando o saudoso Rolo Compressor.

Maestro, El Cabezón transformou o Beira-Rio em teatro – nada silencioso, por óbvio. Como se conduzisse uma orquestra de tango, desfilou no tapete de nossa casa alternando entre o drama de passes estonteantes e a agressividade de arrancadas e finalizações incontroláveis. Sutil como são os gestos de um regente, aos quatro minutos progrediu até a área gremista mirando rebote que se oferecia à feição. Diante da bola, enquadrou o pé direito e chicoteou com a canhota, desabafando. Golaço do Inter, o primeiro de D’Ale no templo que, aos poucos, começava a chamar de casa.

Pouco depois, Tcheco empataria para os visitantes. O gol, verdade seja dita, não passou de ousada provocação a um time que apenas respirava, preparando-se para o segundo ato, que nada custou para chegar ao clímax. Muitos dos presentes, inclusive, sequer prestigiaram o reinício do espetáculo, culpa do maestro, que decidiu aprontar com a desatenção do público. O que você consegue fazer em oito segundo? D’Ale precisou deste punhado de centésimos para ter um lampejo e cobrar rápido falta pela direita. No pé de Alex, a bola foi fuzilada pelo camisa 10, que mandou rasteiro. Era o segundo.

A Maior e Melhor Torcida do Rio Grande jamais se comportou como plateia teatral. Se D’Ale regia uma orquestra, a reverência que recebia como resposta nada tinha de silenciosa, e sim apoteótica. Porque o Inter, naquele momento o gringo descobriu, não é o Clube do Povo por acaso. Instituição nascida em berço popular e embalada por blocos e marchas carnavalescos, carrega a efervescência como sobrenome. Todo colorado é um pouco Rao ou Charuto. Toda colorada sabe ser coreana. Em meio a esta bela mistura, perfeitamente heterogênea e bagunçada, seguiu o espetáculo. Primeiro, catapultado por Índio, que mandou, de cabeça, cruzamento de Andrés para as redes. Depois finalizado, também em um testaço, por Nilmar, completando lançamento açucarado do argentino. Massacre alvirrubro por 4 a 1, que ficou barato (assim como o ingresso, se comparado à excelência oferecida pela sinfonia dalessandrina), confirmado.

“Quando cheguei aqui, só se falava do Gre-Nal. É um clássico, e é preciso ganhar. O time necessitava da vitória. Hoje, tive sorte de ter uma atuação tão boa, meu gol foi importante para mim e para a torcida, mas amanhã pode ser com outro jogador. Para mim, o importante mesmo foi a vitória.”

D’ALESSANDRO, APÓS O CLÁSSICO

Debut continental


Lutando para atingir as primeiras posições no Campeonato Brasileiro, e ainda reticente quanto ao desenho da Sul-Americana, Tite preservou diversos atletas nos 180 minutos que compuseram a fase de oitavas de final do torneio, disputada contra a Universidad Católica. D’Alessandro, envolvido também em convocações para a Seleção Argentina, foi um deles, e sequer entrou em campo nas partidas diante dos chilenos.

O cenário de cautela para com o certame continental foi transformado a partir da classificação para as quartas de final e consequente proximidade do título. Na luta para garantir vaga entre os quatro melhores da América, o Clube do Povo enfrentou o Boca Juniors, recente algoz que eliminara o Colorado da competição nos anos de 2004 e 2005 e campeão da Libertadores na temporada anterior. Escalado com força máxima, o Clube do Povo venceu a primeira partida contra o time xeneize, antigo rival de D’Ale nos tempos de River, por 2 a 0. Disputado no Beira-Rio, o confronto, primeiro da trajetória de Andrés no Inter contra equipes do exterior, contou com dois gols de Alex, grande protagonista da noite.

Duas semanas depois, o Clube do Povo foi a campo, na Bombonera, para garantir a classificação às semis do continente. Disputado no dia 6 de novembro, o confronto foi o primeiro disputado pelo time de Tite com uma linha de quatro zagueiros na defesa. À frente de Lauro, um dos grandes destaques da partida, Bolívar, na direita, Marcão, na esquerda, e a dupla Índio e Álvaro, no miolo, formaram a defesa. A escalação era continuada, no meio, pelo já tradicional quarteto de Edinho, Magrão, Guiñazú e D’Alessandro, argentino que se somava a Alex e Nilmar para formar mágico trio ofensivo.

Extremamente vaiado a cada toque na bola, D’Alessandro, carrasco do Boca no início do século, ajudou a construir uma etapa inicial cadenciada, sem grandes sustos para o Inter. Imperante antes do intervalo, a morosidade foi completamente abandonada no segundo tempo, que contou com gol colorado logo no minuto inaugural. Nilmar, lançado por Magrão, foi ao fundo pela direita e cruzou na medida para o camisa 11, que mandou no travessão. A bola até picou dentro, mas, por via das dúvidas, o meio-campista completou, de cabeça, estufando as redes. O time da casa respondeu com as entradas de Riquelme e Dátolo, duas das estrelas xeneizes, que reacenderam a Bombonera. o mítico palco hermano foi ao delírio pouco depois, aos 12, quando Juan Román empatou.

Insuficiente para classificar o time da casa, a igualdade apenas impulsionou ainda mais o Boca Juniors, que tentava, a todo custo, encurralar o escrete colorado. Atuar de maneira desesperada contra o Inter de Alex, Nilmar e D’Alessandro, contudo, jamais foi uma ideia inteligente. Entregue a fortuitos cruzamentos na área alvirrubra, os quais raramente eram finalizados na direção do inspirado goleiro Lauro, o time xeneize aprendeu a lição a duras penas.

Aos 27, D’Alessandro foi lançado pela esquerda. Pouco depois da quina da grande área, mas ainda fora do retângulo, o argentino, esbanjando visão de jogo rara para os seres humanos, mas comum na rica carreira que ostenta, serviu, de canhota, assistência precisa para Alex. Em velocidade, o camisa 10 sequer precisou dominar e, de frente para o goleiro, apenas desviou buscando o canto. Golaço, à altura da épica atuação colorada, consagrador de vitória incontestável e maiúscula de um elenco que desejava ser campeão.

Ganhar do Boca,

na Bombonera,

é especial para mim!

D’ALESSANDRO, COMEMORANDO A EPOPEIA COLORADA

Aproximadamente quatro minutos após o gol da vitória, D’Ale, sacado para a entrada de Taison, fez questão de não deixar o campo sem antes agradecer a festa dos milhares de colorados e coloradas que lotaram o setor visitante da Bombonera. O craque, que aos poucos conquistava o coração do povo vermelho, não somente ganhou preciosos segundos durante o aplauso, como também despertou a ira da torcida local, reforçando sua fama de protagonista em clássicos. Gigante, Cabezón!


A primeira taça


Depois de eliminar o poderoso Boca Juniors com o maiúsculo placar agregado de 4 a 1, o Clube do Povo encarou, nas semifinais da Sul-Americana, o forte time do Chivas de Guadalajara. Com problemas intestinais, D’Alessandro desfalcou o Inter no confronto de ida, disputado no México, mas a ausência do gringo, felizmente, não foi sentida. Atuando com Andrezinho, que, como de costume, entregou grande exibição, o Colorado contou com noite inspirada da dupla Nilmar e Alex para vencer por 2 a 0, um gol de cada, e trazer a vantagem para o Beira-Rio.

Para a partida de volta, o desfalque foi outro – assim como o protagonista. Desfalcado de Alex, convocado pela Seleção Brasileira, o Inter encontrou em D’Alessandro o substituto ideal para o camisa 10. Reposição, esta, ocorrida não na criação de jogadas, já que o gringo, desde sua estreia, evoluía continuamente enquanto meia dos sonhos do povo vermelho, mas sim para o faro artilheiro em bolas paradas.

Cada vez mais adaptado ao corredor esquerdo, Marcão construiu excelente jogada individual aos 18 da primeira etapa, invadindo a área mexicana perseguido por três marcadores. O camisa 6 apenas perdeu a posse quando tentou fintar para dentro, mas o corte da zaga, parcial, encontrou o pé canhoto de D’Alessandro. Pisando na meia-lua, o gringo fingiu chutar e, esperto, ajeitou para a direita, adiantando na área e escapando do primeiro zagueiro. Pressionado por um segundo, tentou fazer o giro, mas foi derrubado por violento carrinho. Assinalado o pênalti, o próprio Cabezón abraçou a bola e, um minuto depois, bateu com exímia perfeição. Era o primeiro.

Os três gols de vantagem no agregado deixaram o Clube do Povo ainda mais tranquilo na partida. Armado com Taison e Nilmar na linha de frente, o Colorado, decidido a explorar a velocidade da dupla, soube oferecer parte do campo para os mexicanos, que passaram a cruzar a região central com relativa facilidade para, logo depois, esbarrar na defesa vermelha. Perfeita para contra-ataques, a receita ofereceu boas escapadas ao Inter.

Em uma destas, aos 35, o jovem atacante que substituía Alex chamou D’Alessandro para tabelar, mas, derrubado por trás, não conseguiu receber a devolução do argentino. Oscar Ruiz flagrou a irregularidade e indicou a falta. Coube ao grande nome do jogo, é claro, fazer a cobrança. Inteligente, El Cabezón percebeu pulo do goleiro na direção da barreira e cobrou no canto do arqueiro, pegando-o no contrapé. Indefensável, ela morreu na rede.

Marcão, de novo ele, investiu contra dois adversários pela esquerda e, experiente, cavou escanteio aos 43 do primeiro tempo. A cobrança, desta vez, coube ao destro Taison, que bateu fechado, buscando olímpico. No reflexo, o goleiro Hernandez até espalmou, mas manteve a bola na pequena área, entregue ao cabeceio de Nilmar, que ampliou. A dupla de ataque também aprontou na segunda etapa, com nova assistência do jovem camisa 20 para o artilheiro dono da 9. Mais do que garantir a classificação para a final, a vitória de 4 a 0 também serviu como homenagem perfeita a Arthur Dallegrave, ex-dirigente que figura entre os mais importantes políticos da história colorada, falecido dois dias antes da partida.

O adversário colorado na decisão foi o Estudiantes-ARG. Tradicional equipe do futebol sul-americano, o Pincha abriu a final, em seus domínios, apostando na magia de La Brujita Verón para largar em vantagem. Disputados no dia 26 de novembro, os primeiros 90 minutos do embate de alvirrubros envolveram tudo o que um duelo de gigantes continentais cobra. Drama, raiva, euforia, injustiça, heroísmo e uma boa dose de sorte flertaram com a maiúscula e histórica exibição do Clube do Povo, que teve em D’Alessandro um de seus referenciais. Genial como de costume, o gringo soube se adaptar às circunstâncias da partida, construindo atuação multifacetada.

No primeiro tempo, D’Alessandro foi letal no ataque. Mesmo deslocado de função a partir dos 24 minutos, quando Guiñazú recebeu injusto cartão vermelho, o gringo orquestrou todos os escapes colorados. Atuando pela direita da linha de quatro meio-campistas, formou, no flanco, triângulo perfeito com Bolívar, lateral, e Magrão, volante. Combinado, o trio misturava força e leveza, imposição física e alto quilate técnico.

Empolgado com a superioridade numérica, o Estudiantes se mandou para o ataque, deixando espaços letais na defesa. Aos 32, D’Alessandro percebeu um desses e, após receber passe de Nilmar, devolveu para o camisa 9 lançando, de direita, em profundidade, nas costas de Desábato. Incomodado, o beque atropelou o jogador colorado. Pênalti, que Alex bateu duas vezes para valer uma e abrir o placar!

Aos 37, D’Ale quase ampliou. Afiado nas cobranças de falta, o gringo mandou, da intermediária, chute forte no canto de Andújar. Venenosa, a bola triscou na ponta dos dedos do arqueiro, explodiu no poste esquerdo e retornou para os braços do camisa 1 pincharrata. Por detalhe o Clube do Povo não marcava o segundo, mas D’Alessandro demonstrava ser ele, e não Verón, o grande regulador do duelo. Como joga, Andrés!

Mais do que continuar dando exemplo de aplicação defensiva para fechar os espaços na retaguarda, na segunda etapa D’Alessandro, apoiado pela vantagem colorada no placar, passou a cozinhar o confronto. Sempre chamando a bola de “tu”, tratando a redonda com carinho, o gringo irritou seus compatriotas que, incrédulos, assistiam ao matrimônio de D’Ale com a esférica sem conseguir interferir no relacionamento. O camisa 15 ainda ofereceu assistência espetacular para Magrão, acionando o volante com um ganchinho surpreendente. Forte, o arremate do número 11 foi defendido por Andújar. Desta forma, findada a partida, o Inter garantia vantagem para a volta em Porto Alegre: 1 a 0!

Em campo, Lauro; Bolívar, Danny Morais, Álvaro e Marcão; Edinho, Andrezinho, Magrão e D’Alessandro; Alex e Nilmar. No Gigante, 51.803 apaixonados, decididos a conquistar o último título de elite que faltava na galeria de troféus alvirrubra. A terceira noite do mês de dezembro reuniu todos os ingredientes para ficar na história.

O clima de mobilização visto no Beira-Rio catalisou grande atuação colorada na etapa inicial. A exibição, é claro, passou longe de um massacre, como costumeiramente são disputadas as finalíssimas, mas era evidente a superioridade do Inter na partida. Incendiado por um Gigante que praticamente pegou fogo, o time do técnico Tite criou sua primeira oportunidade aos 4, com D’Alessandro, que pegou a sobra de boa jogada de Alex e finalizou, forte, com a canhota. A bola saiu por cima, levando muito perigo. Já às vésperas do intervalo, El Cabezón deu lindo passe para Andrezinho chutar colocado e exigir milagre de Andújar.

O Estudiantes cresceu no segundo tempo, especialmente depois dos 10 minutos. Time matreiro, conhecedor dos mata-matas, aproveitou o momento positivo para balançar as redes do Inter. A vitória pelo placar mínimo igualou o placar agregado, levando a decisão para a prorrogação. Uma vez mais, o Beira-Rio precisou exercer papel de protagonista para compensar o desgaste de seus heróis e amedrontar os visitantes mal-intencionados. Incendiário, o Gigante começou a jogar, e serviu de parceiro perfeito para a canhota de Andrés.

O time que começou a disputa do tempo extra exibia diferenças em relação ao escalado para a partida. No lugar de Alex, Taison compunha veloz linha de frente com Nilmar, enquanto Gustavo Nery, que substituira Andrezinho, acrescentava maior vigor físico na esquerda do meio. No início da etapa final, Sandro ainda foi alçado a campo na vaga do extenuado Magrão. Uma escalação pautada na imposição e na força, portanto, buscava a taça continental. Controlando o ímpeto e adicionando pitadas de brilhantismo à robustez, D’Alessandro capitaneava cada avanço vermelho, sempre acompanhado por seus companheiros, que ofereciam respostas perfeitas aos movimentos do camisa 15. O gringo, consciente de sua responsabilidade, criou as melhores oportunidade do Clube do Povo na prorrogação.

Ainda nos primeiros 15 minutos, D’Alessandro progrediu, a seguidos cortes, pela esquerda da área rival. Com espaço, alçou bola milimétrica para Bolívar, que cabeceou na zaga, deu início a verdadeiro caos e, ainda, encerrou a jogada soltando um petardo milagrosamente defendido pelo goleiro. No segundo tempo, aproveitando o recente entrosamento com Bolívar e tirando vantagem do fôlego renovado de Taison, o argentino ocupou, com grande frequência, o lado direito do campo. Por ali, aos 6, driblou dois marcadores para invadir a área, aplicou o La Boba em um terceiro e cruzou de direita por cima de Andújar. Posicionado sob as traves, Nilmar teria o gol aberto para marcar, mas fora cortado, segundos antes do arremate, por Angeleri. Apesar de desperdiçada, a oportunidade deixava claro qual era o caminho do gol.

O relógio indicava oito minutos e quatro segundos da etapa final da prorrogação quando D’Ale, empurrado pela curva sul do Beira-Rio, partiu para levantar escanteio na área argentina. Cavado por Taison, o córner, pela direita, permitia ao canhoto a possibilidade de cobrança fechada. Exatamente assim o camisa 15 alçou, procurando a entrada da pequena área. Ali, quem subiu foi Danny Morais, testando para o solo.

Na subida, a bola resvalou nos dedos de Andújar e explodiu no travessão, oferecendo-se para Nery. De esquerda, o meio-campista soltou o pé, mas também foi bloqueado pelo goleiro. O rebote, contudo, sobrou para o artilheiro. Encarando um gol aberto, Nilmar não teve problemas para honrar o faro goleador de sempre e empatar para o Clube do Povo. Gol de título, de um campeão de tudo. E o Beira-Rio? Ficou catártico!

O título da Sul-Americana foi o primeiro dos 13 que D’Ale conquistou, até o presente dia, com o Colorado. Já amado pela torcida após míseros quatro meses de Beira-Rio, o argentino não titubeou ao escolher a comemoração perfeita para o triunfo. Com a taça em mãos, disparou até a saudosa goleira do placar e, de frente ao público ensandecido, subiu no antigo fosso do Gigante. Encarando cada torcedor nos olhos, provou ser um capitão nato para erguer o cobiçado troféu, levando dezenas de milhares ao delírio. Clube do Povo, campeão continental! Vamo, Inter; e Dale, D’Alessandro.

Vantagem de fogo: com show da torcida, há 10 anos Inter vencia o São Paulo nas semis da Libertadores

Dono de um elenco formado por jogadores selecionáveis e abrilhantado por nosso Eterno Capitão, o adversário era tido como favorito. Responsável por construir a segunda melhor campanha da fase de grupos, ele teria a vantagem de decidir em seus domínios a vaga para a final. Cenário, para muitos, completamente adverso. Para o Inter, motivador. Apostando na força de nossa casa, explorando a qualidade de um grupo sedento pela América e abusando das superstições, largamos na frente no caminho rumo à decisão. Há 10 anos, Clube do Povo e São Paulo abriam as semifinais da Libertadores!


A Campanha colorada


O Colorado construiu campanha segura nos grupos da América. Invicto, conquistou três vitórias sob o comando de Jorge Fossati, além de empatar as rodadas que disputou fora de casa. Com 12 pontos, avançou para as oitavas, quando sofreu o primeiro baque – duro.

O Inter abriu a fase eliminatória encarando o Banfield, fora de casa. No alçapão Florencio Sola, os mandantes, beneficiados por seguidos erros de arbitragem, marcaram três vezes, mas Kleber, que depois seria injustamente expulso, anotou valioso gol para o Colorado. Assim, embora retornasse a Porto Alegre na obrigação de triunfar, o Clube do Povo poderia garantir a vaga com uma nem tão improvável vitória por 2 a 0 – exatamente o que aconteceu. Regido por D’Alessandro, o Beira-Rio explodiu com Alecsandro, no primeiro tempo, e Walter, no início da etapa final, para comemorar, em êxtase, a classificação para as quartas.

A luta por vaga entre as quatro melhores equipes do continente foi aberta no Beira-Rio. De um lado, o Inter, embalado pela recente classificação. Do outro, o Estudiantes, atual campeão da América. Reedição da final da Sul-Americana de 2008, torneio vencido pelo Clube do Povo, o confronto foi encerrado, em seus 90 primeiros minutos, com triunfo alvirrubro. Já nos instantes finais, Sorondo marcou, de cabeça, o único gol da noite gaúcha.

Na semana seguinte, o Estádio Centenário, em Quilmes, recebeu a partida de volta. Incendiado por sua torcida, o Estudiantes adotou postura agressiva desde o apito inicial e, liderado por Verón, conseguiu abrir 2 a 0 antes dos 25 minutos de jogo. O resultado foi mantido, mais uma vez, até os últimos instantes, iludindo a torcida da casa, que com sinalizadores festejava a iminente classificação. Para a infelicidade destes, porém, Walter, após dominar lançamento de Abbondanzieri, aguardou a chegada de um segundo marcador para lançar Andrezinho. Inteligente, o meia se livrou de adversário e ganhou espaço para pensar, ao mesmo tempo em que Giuliano se projetou sobre a retaguarda rival. Percebido, o talismã recebeu a assistência e, no meio da neblina de fogos de artifício, iluminou o caminho colorado rumo ao topo da América. Gol do Inter, vaga também!


Novo semestre, velhos conhecidos


Em virtude da disputa da Copa do Mundo da África do Sul, a Libertadores foi paralisada após o encerramento da fase de quartas de final, ocorrido ainda em maio. A retomada da competição, principal do continente, levaria mais de dois meses para acontecer. Antes do Mundial, cinco rodadas do Brasileirão ainda seriam jogadas, sequência que, nos arredores do Beira-Rio, era tida como fundamental para dar continuidade ao embalo do elenco alvirrubro. As expectativas, todavia, foram frustradas e, como consequência, Jorge Fossatti deixou o comando do Clube do Povo. Em seu lugar, assumiria Celso Roth.

O novo comandante foi oficialmente anunciado em 12 de junho, apenas seis dias após a disputa da rodada anterior à Copa do Mundo. Pouco depois, no dia 18, o elenco colorado se reapresentou para dar início à intertemporada. Entre os atletas, três reforços chamavam a atenção: Oscar, promessa vinda do São Paulo, e os velhos conhecidos Renan, goleiro, e Tinga, meio-campista. Oxigenado, o grupo ainda receberia, no mês de julho, outro jogador que já ostentava linda história no Clube do Povo. Rafael Sobis, grande herói da vitória por 2 a 1 sobre o São Paulo, na abertura da decisão da Libertadores de 2006, retornou ao Inter ansioso para conquistar o Bicampeonato.

Encorpado por Sobis e Tinga, o Inter passava a contar com praticamente todos os atletas que haviam marcado na decisão de quatro anos antes. Restava “apenas” Fernandão, atacante que também iria a campo nas semifinais continentais. Desta vez, para enfrentar o Colorado, integrando o poderoso elenco do São Paulo. Ao seu lado estavam nomes como Dagoberto, Marlos, Hernanes, Richarlyson, Miranda, Cicinho, Rogério Ceni, Alex Silva, Jorge Wagner e Ricardo Oliveira.

O Tricolor paulista gozava de grande prestígio junto à crítica nacional. Após encerrar a fase de grupos com a segunda melhor campanha da Libertadores, somando 13 pontos de 18 possíveis, a equipe do Morumbi eliminou, nas oitavas, o Universitário-PER, embate decidido nas penalidades. A vítima seguinte foi o Cruzeiro, que sucumbiu tanto no Mineirão, quanto na capital paulista, ambos confrontos finalizados em 2 a 0 para o São Paulo. Um grande duelo, portanto, despontava no horizonte.


Julho otimista


O Inter voltou aos gramados em grande estilo. Antes de entrar em campo pela Libertadores, o Clube do Povo, que durante a intertemporada conquistara, sobre o Peñarol, a Taça Fronteira da Paz, encarrilhou quatro vitórias consecutivas no Campeonato Nacional. A primeira vítima foi o Guarani, seguido por Ceará, Atlético Mineiro e, enfim, Flamengo. Dos triunfos, dois aconteceram no Beira-Rio, enquanto Galo e Bugre foram derrotados em seus domínios.

Os resultados positivos consagraram as alterações realizadas na equipe titular, motivando os jogadores a acreditarem no novo trabalho. A variação de esquemas, por exemplo, antes regra, foi abandonada. No lugar da alternância entre três zagueiros, fora de casa, e duas linhas de quatro, no Beira-Rio, o Inter se aproximou de uma grande tendência que começava a surgir no futebol do início dos anos 2010: o 4-2-3-1. Taison, que após um 2009 de altíssimo nível vinha figurando no banco de reservas, ganhou nova chance entre os 11 iniciais, agora atuando pela esquerda. Na função, foi eleito o melhor jogador contra Guarani e Flamengo, partidas nas quais também balançou as redes.

Tinga também ganhou minutos na região central, valiosos para estabelecer entrosamento com D’Alessandro, o maestro do time, encarregado de circular entre o meio e, principalmente, a direita, seu corredor preferido. Na frente, Alecsandro foi mantido, enquanto Índio, na zaga, ganhou, em definitivo, o lugar de Sorondo, lesionado. Por fim, Renan garantiu, no final de semana anterior à jornada continental, a titularidade da meta colorada.

Tradicionais na história alvirrubra, as peças pregadas pelo destino se fizeram presentes antes da abertura das semifinais da América. Arrasador, Tinga parecia ser o titular necessário para o Clube do Povo encarar o São Paulo. A 10 minutos do fim do duelo contra o Flamengo, contudo, o meio-campista precisou ser substituído com dores na perna direita. Constatado edema na coxa, virou desfalque para o embate continental. As atenções, assim, voltavam-se ao trio Giuliano, Wilson Mathias e Andrezinho. Afinal de contas, quem iniciaria a jornada diante dos paulistas?


As Ruas de Fogo


Porto Alegre jamais havia presenciado festa igual à organizada pela torcida colorada naquele mágico 28 de julho. Decidido a jogar com o Inter desde muito antes do primeiro apito, o povo vermelho queria fazer a diferença. Durante os 90 minutos, sabia-se, gramado e cimento teriam de estar perfeitamente sincronizados, em matrimônio. Nada melhor, portanto, do que selar a união ainda no asfalto da Padre Cacique.

Quem pôde, abriu mão de viver naquela tarde de quarta-feira. Toda ela foi encarada como prólogo de uma épica batalha, que teria seu primeiro capítulo disputado em gigante templo. Nos arredores do Estádio, muito mais intenso do que o passar dos minutos era o caminhar da multidão, que não parava de crescer. Praticamente todo colorado e toda colorada partiram para o Beira-Rio vestindo vermelho, carregando uma bandeira e munidos de sinalizadores.

Nos dias que antecederam a partida, a torcida se programara para recepcionar de maneira inédita o ônibus colorado, criando o evento ‘Ruas de Fogo’. A partir dele, seria organizado, da entrada do pátio do Beira-Rio até a porta dos vestiários, um túnel vermelho, de artefatos pirotécnicos e fogos de artifício, responsável por acender o caldeirão alvirrubro. Em chamas nossa casa abraçaria seus heróis, aquecendo cada um dos escalados para o duelo da noite.

Por mais audaciosos que fossem, os planos do povo alvirrubro se provaram humildes quando comparados ao ambiente criado para o desembarque da delegação do Inter. A partir da chegada do ônibus ao pátio do Gigante, nada mais pôde ser visto. Incendiária, a Avenida Padre Cacique se converteu em um portal, transportando atletas e torcedores para um ambiente sagrado. Da cidade, partiram em direção a um verdadeiro um oásis, que de miragem não tinha nada. Nos braços de sua gente, o Colorado foi conduzido até os portões do paraíso. Faltava pouco para adentrarem, juntos, na eternidade.

Na 12, Bandeirão desfraldado. O mais afinado sopro de metais soando na Fico. Rubros sinalizadores emoldurando a Nação, e bandeiradas incessantes da Força Feminina. Na curva do sul da Popular, delírio total. Em cada canto ocupado pelas 48.166 pessoas presentes no estádio, euforia. Sem parar de cantar, o Beira-Rio viveu a entrada do Clube do Povo, seu melhor amigo, em campo. Fora das quatro linhas, a vantagem era grande, e vinha sendo honrada há algumas horas. Agora, chegava o momento de ser presenciada também no gramado verde do Gigante. Era noite de Libertadores, de semifinal de Copa. Era noite de Inter. Dale, Colorado!


Atuação de gala


Renan; Nei, Bolívar, Índio e Kleber; Sandro, Guiñazú, Andrezinho, D’Alessandro e Taison; Alecsandro. Estes foram os 11 escolhidos por Celso Roth para representar o sonho de milhões de colorados e coloradas espalhados pelo planeta. Um a um, tiveram seus nomes ovacionados pelo Estádio, que trepidou com especial sinergia durante os inesquecíveis cantos de Guiñazú e D’Alessandro. Do outro lado, Ricardo Gomes escalou Ceni; Alex Silva, Miranda e Richarlyson; Jean, Rodrigo Souto, Hernanes, Marlos e Júnior César; Dagoberto e Fernandão.

Confira especial da Rádio Colorada sobre a partida:

Empurrado por sua gente, que implorava pelo Campeonato e por ele afirmava estar disposta a dar a vida, o Inter tentou encurralar os paulistas desde cedo. Para tanto, contava com a agressividade de Taison, pela esquerda, e a genialidade de D’Alessandro, aberto na direita. No meio, Andrezinho percorria toda a intermediária, ajudando na transição ofensiva.

De modo a confundir a defesa adversária, André e D’Ale, sempre próximos na região central, trocavam constantemente de posição. Acompanhando a dupla estava, de longe, Nei, encarregado de oferecer amplitude, permanecendo em cima da linha lateral. Na esquerda, era Taison quem jogava aberto, explorando o flanco como um legítimo ponteiro, enquanto Kleber tinha liberdade para se aproximar dos armadores e apoiar na construção de jogadas.

Por sua vez, o São Paulo, completamente retraído no campo de defesa, variava, a partir dos recuos de Jean e Júnior, da ala para a lateral, e de Dagoberto para a meia-direita, do 3-5-2 para o 5-4-1. Na frente, um isolado Fernandão era constantemente acionado a cada falta, lateral ou mesmo tiro de meta, mas sofria para fazer o pivô em meio aos amigos Bolívar e Índio, conhecedores da genialidade do atacante.

O jogo de ataque contra defesa funcionou para os visitantes ao longo do primeiro terço de partida. Embora inexistente no campo ofensivo, o São Paulo dificultou as tramas da linha de frente colorada, colhendo frutos com seu ferrolho. Madura, porém, a equipe alvirrubra soube se adaptar às circunstâncias do embate, e passou a apostar em cruzamentos e arremates de longa distância, armas que garantiram as primeiras boas chegadas do Inter. Das arquibancadas, simultaneamente, a torcida fazia questão de tranquilizar seus atletas, afirmando que, haja o que houver, seguiria fiel no apoio, independente do que passasse.

Toda a imprevisibilidade que faltara ao Inter nos instantes de abertura da partida, e que começara a surgir a partir dos 15 minutos, aflorou na segunda metade da primeira etapa. O responsável, como não poderia deixar de ser, foi o grande craque daquela Libertadores: Andrés Nicolás D’Alessandro. Gênio, ídolo, amor ou divindade, trate-o como quiser, o argentino, um dos maiores de nossa história, assumiu o papel de protagonista que dele se esperava. Travesso, convidou os marcadores para o dramático bailar do tango, e passou a percorrer toda a extensão do campo, causando um alvoroço nos desorientados beques que, atordoados, deram espaços aos outros craques vermelhos.

Consicente da necessidade da vitória, o Clube do Povo seguiu martelando até o apito final, que encerrou um primeiro tempo de placar em branco no Beira-Rio. Resultado que passava longe do ideal, o empate não conseguiu retratar, na frieza de seus números, a superioridade alvirrubra, mas nem por isso foi lamentado.

O Colorado partiu para os vestiários ainda mais preparado para buscar o triunfo, como comprovou o primeiro minuto sucessor ao intervalo. Embalado por estridente ‘Vamo, Vamo, Inter’, Andrezinho pegou a sobra de tabela entre Taison e Kleber e, da esquerda, bateu colocado, com curva, exigindo milagre de Ceni.

Torcida deu espetáculo nas arquibancadas do Beira-Rio/Foto: Divulgação

Definitivamente, Taison viveu uma noite inspirada contra os paulistas. O camisa 7, que seria escolhido pela torcida o melhor em campo, não se satisfez com a boa exibição que construira na etapa inicial e retornou a campo ainda mais inquieto. Aos cinco, o atacante serviu Kleber, que invadiu a área e finalizou abafado por Rogério, grande nome dos visitantes. No lance seguinte, Alex Silva pareceu se inspirar no arqueiro e bloqueou, com a mão, cabeceio de Bolívar. Pênalti claro, ignorado pela arbitragem. O erro colocou ainda mais pólvora no caldeirão da beira do Guaíba, que pedia, uníssono, por uma vitória capaz de honrar a briosa tradição do Rio Grande, e também nosso louco amor colorado.

Tentando oferecer ao flanco direito fôlego equiparável ao visto no corredor oposto, Roth sacou, aos 18 do segundo tempo, Andrezinho. Aplaudido, o meio-campista deu lugar a Giuliano, grande herói da classificação colorada às semifinais. Com o talismã, esperava-se, D’Alessandro voltaria a construir grandes combinações no lado que sempre lhe serviu de melhor morada – e assim aconteceu.

Cheio de gás e iluminado pela mítica camisa 11 que levava às costas, Giuliano conseguiu, logo de cara, injetar novo ânimo na armação colorada. Buscando a bola entre os zagueiros, passou a abrir espaços na zona central de um paredão tricolor que, apostando em encaixes individuais, mostrava-se hesitante para acompanhar a movimentação do substituto. Aos 22, a consequência das dúvidas paulistas foi fatal. Após receber bom passe vertical de Bolívar, o meio-campista abriu o jogo com Nei e fingiu disparar para a ponta. Segundos depois, esbanjou grande agilidade para fintar com o corpo e retornar em direção à intermediária, livre. Novamente acionado, costurou para o meio e tentou servir Sandro. Rebatida pela marcação, a bola sobrou para D’Ale.

El Cabezón é um jogador diferente, não se pode questionar. Capaz de antever inúmeras situações, raramente recebe a bola sem ter certeza de seu próximo movimento. O camisa 10 é um daqueles atletas que transforma segundos em eternidade, centímetros em hectare. Sagaz, o argentino sequer dominou a espirrada sobra da defesa são-paulina e, com a canhota, serviu Alecsandro. Centroavante clássico, especialista no jogo aéreo e dono de grande pivô, o 9 alvirrubro superou a marcação com o corpo, deixando para Giuliano. Como um segundo atacante, o camisa 11 lembrou Sobis para entortar o zagueiro. Perdido no giro do jovem colorado, Miranda por pouco não assistiu, deitado, ao arremate do artilheiro, que, milésimos depois de dominar, soltou a bomba de pé direito. Cruzada, a finalização primeiro beijou o poste de Ceni para, enfim, morrer nas redes paulistas. Inter na frente!

Talismã Giuliano/Imagens: Rede Globo

Em dívida no escore, o São Paulo precisou mudar – e o fez em dobro. Na vaga de Richarlyson, entrou Cleber Santana, reestruturando a equipe em duas linhas de quatro. Já na frente, Dagoberto deu lugar a Ricardo Oliveira. As alterações na nominata, contudo, em nada afetaram o roteiro da partida. Aos 27, D’Alessandro, gozando da mesma liberdade que tivera em seus melhores momentos na etapa inicial, caiu pela ponta-esquerda e aplicou La Boba perfeito para superar a marcação, inclusive colocando a bola entre as pernas de Rodrigo Souto. Com espaço, cruzou forte, fechado. Rogério espalmou, e a sobra foi de Kleber que, embora diante do gol aberto, precisou arrematar com a direita, tirando tinta do travessão. (D’ALE 2)

Como joga, D’Alessandro, por favor!/Imagens: Rede Globo

Embebedada de alegria, a torcida colorada rememorava os inesquecíveis dias vividos ao lado do Inter quando, aos 33, Renan fez sua primeira defesa no jogo, impedindo que chute de Ricardo Oliveira, travado por Bolívar, saísse em escanteio. Minutos depois, com o Gigante em festa e o povo completamente ‘doidão’, Taison desconcertou Alex Silva, invadiu a área e, a centímetros do pequeno retângulo, chutou de direita. Com o pé, Ceni operou mais uma defesa salvadora.

Muito mais do que um vício ou amor, o Rolo Compressor seguiu alucinante. D’Ale aprontou nova La Boba aos 38, desta vez pela direita, e cruzou, de imediatado, buscando a segunda trave. Soberano, Alecsandro subiu muito mais do que Jean e, pisando na pequena área, testou forte, por cima. Logo depois, Fernandinho entrou no lugar de Marlos, enquanto Rafael Sobis, extremamente festejado pelo público que lotava as arquibancadas do Beira-Rio, veio a campo no lugar de Taison. Exaurido, o camisa 7 deixou o gramado de maca, e também recebeu o devido reconhecimento. Já nos acréscimos, Hernanes desferiu o primeiro chute a gol do São Paulo no jogo, seguramente defendido por Renan. Os paulistas ainda desperdiçaram, antes dos 48, instante do apito final, um escanteio, igualmente encaixado pelo goleiro alvirrubro.

Barato para os vistantes, surpreendente para os críticos e festejado pela torcida, o 1 a 0 garantiu importante vantagem para o jogo de volta. É bem verdade que a atuação magistral, somada ao apoio do povo vermelho, mereciam mais, mas a vitória, sem nenhum gol sofrido, mantinha muito vivo o sonho da reconquista continental. No Morumbi, caberia ao Inter fazer, mais uma vez, história contra 70 mil. Felizmente, não existe time mais lapidado para encarar caldeirões do que o Clube do Povo, dono do temido Gigante da Beira-Rio.

Parabéns, Nilmar! Ídolo completa 36 anos; relembre sua trajetória pelo Inter

Nilmar Honorato da Silva é um gigante na história alvirrubra. Nascido em 1984 no paranaense município de Bandeirantes, chegou ao Inter ainda garoto, acreditando, como muitos em nosso país, no sonho da profissionalização no futebol. Hoje (14/07), data em que celebra 36 anos de vida, o craque certamente pode se orgulhar da carreira que construiu por gramados Brasil afora. No Clube do Povo, foi soberbo, e marcou gerações de colorados e coloradas. Confira especial da Rádio Colorada sobre o ídolo e relembre, abaixo, sua trajetória no Beira-Rio:

Sport Club Internacional · Rádio Colorada: Especial Nilmar Honorato

Surge o craque


Honrar posto já ocupado por gigantes como Flávio Minuano, Claudiomiro e Escurinho não é tarefa simples. Nilmar fez parecer. De cria do Celeiro à figura incontestável na lista de maiores atletas da história colorada, o atacante construiu linda biografia com a camisa vermelha. Revelado em 2003 por um Inter que se transformava, tinha a responsabilidade de, junto a seus companheiros, não somente fazer a torcida esquecer do panorama negativo deixado pela temporada predecessora, como também reconduzir o Clube do Povo ao caminho das grandes conquistas.

Foto: Divulgação

Após flertar com o descenso até as últimas rodadas do Brasileirão de 2002, o Inter, sob o comando de Muricy Ramalho, abriu o novo ano apostando no sempre fértil Celeiro de Ases como espinha de uma nova geração. Os gêmeos Diego e Diogo representavam a maior esperança do Clube do Povo, mas não eram as únicas promessas alvirrubras. Na linha de frente, o jovem Nilmar, de 18 anos, também alimentava o sonho de novos dias vencedores no horizonte do colorado, bem como Daniel Carvalho, já frequente entre os titulares desde a temporada anterior.

Foto: Correio do Povo

A história de Nilmar com a camisa vermelha foi oficialmente inaugurada no dia 15 de março. Nesta data, o Inter recebeu o Juventude em partida que encerrou a primeira fase do Gauchão. Titular, o jovem atacante sofreu um pênalti e criou jogada que originou outro, assim desempenhando papel fundamental no triunfo parcial do Clube do Povo, por 3 a 0, conquistado antes mesmo do intervalo. Na segunda etapa, os visitantes até buscaram a igualdade, resultado que, embora lamentado, em nada afetou a classificação alvirrubra para a fase final, feito que garantiu três meses de descanso no Estadual.

A boa exibição diante do Papo ajudou o atleta a ganhar importantes pontos com Muricy Ramalho. Após atuar em confrontos da Copa do Brasil, o atacante fez sua estreia no Brasileirão em duelo contra o Bahia, válido pela terceira rodada do Nacional. O Inter já vencia por 1 a 0 quando, aos 31 minutos da etapa final, Diego arrancou pela ponta direita e cruzou rasteiro para Nilmar, que acabara de entrar, marcar, em sua quarta partida com a camisa colorada, o primeiro gol como profissional. A jovem promessa precisou de apenas mais três jornadas para voltar a balançar as redes, desta vez contra o Vitória, em Salvador. Alçado a campo na segunda etapa, foi o grande nome do jogo, anotando dois dos três tentos alvirrubros no triunfo por 3 a 0 sobre os baianos.

Muito graças ao Celeiro de Ases, o Clube do Povo encerrou o mês de abril vivendo o seu melhor momento nos últimos anos. Entre as promessas que brilhavam, obviamente, estava Nilmar. Habituado a ouvir seu nome gritado pela torcida em todos os jogos do Colorado no Beira-Rio, no dia 18 de maio, contra o Athletico-PR, o jovem fez sua segunda partida como titular alvirrubro. Destaque do confronto, marcou gol no injusto empate de 1 a 1, resultado que em nada transpareceu a supremacia vermelha nas ações do jogo.

Nimar galgou posições na hierarquia do grupo alvirrubro em ritmo comparável apenas ao de suas meteóricas arrancadas. Em junho, já era titular absoluto do time de Muricy, a ponto de disputar – com notoriedade – seu primeiro Gre-Nal, válido pelo Brasileirão e encerrado sem gols. Exatos três dias após o clássico, o atacante produziu, contra o São Gabriel, em duelo de volta das semifinais estaduais, verdadeira obra de arte. O placar de 2 a 0 para o Colorado não parecia satisfazer o inquieto paranaense, que, logo no reinício da partida, invadiu a área adversária pela esquerda, driblou dois marcadores e tocou por cima do goleiro, de cobertura, fazendo delirar a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande. Vitorioso por 4 a 1, o Clube do Povo avançou para a decisão gaúcha, realizada diante do XV de Novembro e iniciada, em Campo Bom, com novo triunfo vermelho, agora por 2 a 0, também marcado por pintura da cria do Celeiro, agora de letra.

A grande fase individual de Nilmar foi recompensada com convocação para a Seleção Brasileira Sub-23 que disputaria, entre os dias 12 e 27 de julho, a Copa Ouro, no México. Antes de se apresentar à esquadra nacional, o jovem conquistou, no terceiro dia do sétimo mês do ano, o Gauchão, segundo consecutivo do Inter, sua primeira taça como profissional e a última comemorada pela saudosa Coreia do Beira-Rio. Com a Canarinho, foi vice-campeão do torneio realizado em território norte-americano, e desfalcou o Clube do Povo ao longo de seis rodadas. No retorno, marcou, contra o São Paulo, no Morumbi, mais um golaço, o seu sétimo na temporada, logo sucedido, na jornada seguinte, por tento marcado sobre o Coritiba.

O elenco campeão gaúcho de 2003. Nilmar é o terceiro da esquerda para a direita

Cada vez mais entrosado com Daniel Carvalho e Diego, Nilmar marcaria, ainda em agosto, seu nono gol pelo Inter. A vítima? O Bahia, exatamente o time que sofrera, no primeiro turno, o tento de número um da carreira do paranaense. Em setembro, como reflexo das artilheiras atuações que vinha construindo ao lado dos companheiros de juventude, a promessa colorada ocupava a sétima colocação na corrida pela Bola de Ouro, tradicional ranking da Revista Placar. Entre os atacantes, o paranaense era o quarto melhor do Brasileirão, e Daniel, seu companheiro, o oitavo.

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Não foram só notícias positivas, todavia, que formaram o nono mês do ano para Nilmar, que sofreu delicada injúria no joelho. Inicialmente, o atleta foi preservado de três partidas, voltando aos gramados no dia 4 de outubro, data de empate do Clube do Povo com o Paysandu. Cinco dias depois, contra o Criciúma, o atacante esbanjou oportunismo para, pegando rebote de cabeceio de Jéfferson Feijão na trave, emendar rápido carrinho em direção às redes. O que poderia significar um regresso avassalador, contudo, precisou ser interrompido, uma vez mais, por conta da lesão. O retorno definitivo ocorreu apenas no mês de novembro, em duelo diante do Atlético-MG, fora de casa.

Enfrentando adversário direto na luta por vaga na Libertadores, o Clube do Povo sabia da importância da vitória, e chegou a ela através de Nimar. Como se os 28 dias em que ficara afastado dos gramados fossem revertidos em fome de gols, o atacante deu show no Estádio Independência, abrindo o placar aos cinco minutos de jogo. Aos 14, o artilheiro acertou linda cabeçada para voltar a balançar as redes. Protagonista no triunfo alvirrubro por 2 a 1, foi convocado para a disputa do Mundial Sub-20, que seria realizado, entre os dias 27 de novembro e 19 de dezembro, nos Emirados Árabes. A situação muito desagradou ao Inter, que perderia o atleta, junto de Daniel Carvalho, também chamado, nas três rodadas finais do Brasileirão.

O Clube do Povo bem que tentou, recorrendo à CBF, mas não teve seus anseios atendidos. Sem Nilmar e Daniel, somou quatro pontos nos últimos nove, e terminou o Brasileiro na sexta colocação, a um ponto do Coritiba, quinto, primeiro classificado para a Libertadores. O sonho de retornar à elite continental e finalizar hiato iniciado no ano de 1993, portanto, era adiado. Ao mesmo tempo, a vaga na Sul-Americana servia de grande consolação, capaz de alimentar os sonhos colorados de brilho em terriório latino.


‘Triturante’ homem Gre-Nal


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Marcados por intensa dedicação ao Brasil, os meses último de 2003 e primeiro de 2004 não permitiram descanso para Nilmar. O atacante, primeiro, conquistou o Mundial de juniores, competição na qual anotou três gols e foi um dos destaques. Logo depois, integrou a delegação Sub-23 que disputou o Pré-Olímpico. Em compensação à exaustante maratona de jogos, o jovem recebeu, junto de Daniel Carvalho, seu companheiro nas empreitadas selecionáveis, tempo especial de folga concedido por Lori Sandri, novo comandante alvirrubro.

Já desacompanhado de Daniel, vendido para o futebol russo, Nilmar se reapresentou em 4 de fevereiro. Cinco dias depois, estreou, como titular, na temporada colorada – e o fez em grande estilo. No Beira-Rio, o atacante marcou os dois gols do Inter no empate com o Santa Cruz, chegando a 14 com a camisa do Clube do Povo. Passada menos de uma semana, voltou a campo para participar, ativamente, de empate por 1 a 1 com o Grêmio, no Gigante. O clássico serviu de estreia para Oséas, centroavante que, ao longo do primeiro semestre de 2004, consolidaria-se como dupla ofensiva da jovem promessa alvirrubra.

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Houve quem acreditasse que o Inter seria triturado no Gre-Nal 358, disputado em 7 de março de 2004. Integrante do segundo turno do Gauchão, o clássico esteve marcado, ao longo de toda a semana que lhe serviu de véspera, por relativa arrogância de parte do lado azul, que cantou vitória, por dias, aos quatro cantos. Dentro de campo, porém, o roteiro foi bastante diferente daquele esperado pelos mandantes.

Após Elder Granja abrir o placar na etapa inicial, aos oito do segundo tempo Wellington escapou em grande arrancada pelo meio e lançou Nilmar, nas costas do marcação. Endiabrado como de costume, recebendo bola na medida para aprontar das suas, o jovem velocista, de frente para o gol, dominou de esquerda e, com a direita, tocou na saída do arqueiro. O Inter marcava o segundo, garantindo vitória até diminuída no escore por Christian, mas nem por isso menos comemorada pelos cerca de oito mil colorados e coloradas presentes no campo da Azenha. Com os três pontos, o Clube do Povo praticamente garantia a liderança da Chave B.

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Nilmar também brilhou na segunda fase da Copa do Brasil, marcando os dois gols colorados na vitória por 2 a 0 sobre o Prudentópolis, triunfo suficiente para classificar o Clube do Povo sem a necessidade do jogo de volta. Protagonista, voltou a fazer o Grêmio de vítima no dia 4 de abril, data em que o Inter completou 95 anos de história.

Válido pela decisão da primeira fase do Gauchão, o Gre-Nal 359 foi disputado em Bento Gonçalves, no Estádio Montanha dos Vinhedos, e teve seu placar inaugurado aos 18 do primeiro tempo por Luciano Ratinho, atleta gremista. Persistente, o Inter não se deixou abalar, empatando, 11 minutos depois, com Edinho, em bonito cabeceio. Inalterado ao longo de toda a etapa final, o escore igualado exigiu a disputa da prorrogação.

Com Sobis na vaga de Oséas, o Inter mostrou o porquê de Paulo Paixão, seu preparador físico, ser um dos melhores que já desempenharam a função na história do futebol brasileiro. Voando em campo, ao ritmo da jovem dupla de ataque, o Clube do Povo amassou o rival, que nada pôde fazer quando, aos 22 do tempo extra, Nilmar, em cabeceio milimétrico, venceu Tavarelli. A taça era nossa, assim como a vaga na fase final do Estadual!


Nilmaravilha


Ainda sofrendo para digerir injusto revés sofrido diante do Figueirense, fora de casa, na abertura do Brasileirão, o Inter recebeu, no dia 25 de abril, o Palmeiras, em partida da segunda rodada do Nacional. Na raça, Nilmar marcou, aos 37 da etapa inicial, o único gol da ensolarada tarde gaúcha. Para tanto, o insistente atacante precisou interceptar a saída de jogo do goleiro Marcos e dividir com o arqueiro do Penta antes de mandar às redes. Os três pontos eram alvirrubros!

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Nilmar seguiu voando nas rodadas seguintes, cavando pênalti na terceira, contra o Coritiba, e servindo assistência milimétrica para Granja, na quarta, diante do Paysandu. Com os arranques do atacante, o Inter chegou a sete pontos somados em 12 disputados, confirmando o bom início de Brasileirão. No confronto com os paraenses, entretanto, o avante sofreu grave lesão muscular, injúria responsável por retirar a promessa dos gramados por um mês. Em seu retorno, no dia 2 de junho, o Clube do Povo garantiu vaga na decisão estadual após superar, nos pênaltis, o Glória, em duelo realizado no Beira-Rio.

Os patrões do Rio Grande em 2004. Cabeludo, Nilmar está agachado no centro

Junho, dia 6. Sediado em Canoas, o Complexo Esportivo da Ulbra recebeu a finalíssima do Gauchão. Contra os donos da casa, o Inter sofreu para impor seu estilo de jogo, especialmente nos primeiros movimentos. Ao mesmo tempo, a equipe da região metropolitana levava bastante perigo, especialmente em bolas aéreas. Exatamente de um cruzamento, Alex Martins, aos 20, marcou o primeiro gol do jogo, suscitando dúvidas na torcida alvirrubra, mas que pouco duraram.

Recém-chegado ao Clube do Povo, Alex deu uma das primeiras mostras do poderio de sua perna canhota aos 30, quando cobrou falta na cabeça de Oséas. Soberano, o centroavante escorou para a confusão, onde Edinho, avassalador, surgiu fuzilando para as redes. O empate permaneceu até o segundo tempo, marcado por expulsão precoce de Alexandre Lopes, que deixou o Inter com um a menos. Felizmente, Nilmar, um craque já afirmando, mostrou-se capaz de jogar por dois.

Aos 15 minutos, Bolívar costurou da direita para o centro e lançou o atacante em profundidade. Genial, o camisa 11 deixou a bola passar entre suas pernas para então fazer o giro e correr em direção à redonda, que atingiu, antes de goleiro ou zagueiro, já na altura da pequena área. Preciso, com a canhota deu toque sutil para encobrir o arqueiro Rafael e virar o jogo. Inter 2 a 1. Inter, tricampeão estadual, dono do Rio Grande pela 36ª vez em sua história. Nilmar? Escolhido o melhor atacante do campeonato!

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Embalado pela coroa gaúcha, Inter esteve sublime na rodada seguinte do Brasileirão. Azar do Galo, que não teve chance diante da exuberante atuação alvirrubra no Beira-Rio. Depois de descer para os vestiários com o placar igualado em 1 a 1, o Colorado desempatou, logo aos 4, com Nilmar, que ganhou na velocidade de Luiz Alberto, driblou o goleiro Eduardo e mandou rasteiro para a cidadela mineira.

Golaço, foi respondido pela torcida com os gritos de “Uh! Terror! O Nilmar é matador!”. O segundo do atacante no jogo, terceiro do Clube do Povo, veio aos 31. Também belíssimo, o tento serviu de antítese perfeita ao anterior, posto que, no lugar do jeito, a promessa usou da força para, da entrada da área, mandar arremate indefensável e garantir a vitória, que ainda foi encerrada, nos acréscimos, por Gavilán.


A breve parceria com o Capitão


Nilmar voltou a sofrer grave lesão após o show diante do Atlético-MG, desfalcando o Inter em sete rodadas do Brasileirão. Voltou à ativa somente no dia 20 de julho, em duelo contra o Corinthians, no Pacaembu. Encerrado com o placar em branco, o confronto teve como grande destaque a composição do ataque colorado, também formado por Fernandão, recém-chegado e já credenciado pelo Gol Mil, e Sobis, cada vez mais afirmado.

O técnico alvirrubro, diga-se, também era outro: no lugar de Lori, Joel Santana. Na volta de Nilmar ao Beira-Rio, a assistência do atacante para Danilo acabou ofuscada por infeliz revés diante do Juventude, vencedor por 2 a 1. O reencontro com as redes, em compensação, foi muito festejado. Aos 42 da etapa final, o atacante completou, de cabeça, cruzamento de Gavilán, virando para o Inter sobre o Paraná e encerrando um jejum de seis partidas sem vitória.

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O gol marcou, em definitivo, o início de nova fase iluminada na carreira do artilheiro. Primeiro, no dia 13 de agosto de 2004, Nilmar foi convocado para a Seleção Brasileira que disputaria, em Porto Príncipe, amistoso contra o Haiti, naquele que ficou conhecido como o ‘Jogo da Paz’, responsável por catapultar forte campanha desarmamentista em país que se encontrava mergulhado em grave crise política.

Já com a camisa colorada, o bom momento foi comprovado em partida contra o Figueirense, realizada no Beira-Rio. Imparável, Nilmar participou do tento de Fernandão, segundo da jornada, e ainda marcou dois na vitória por 4 a 0 sobre os catarinenses – o último de letra. Verdadeira obra de arte, a pintura correspondeu à 25ª bola na rede do artilheiro pelo Inter, e serviu de carimbo perfeito no passaporte do atacante que, do Gigante, partiu direto para a concentração da Seleção. Com o Brasil, inclusive, o craque também anotaria gol, o sexto no festivo triunfo sobre os caribenhos.

Desfalque na jornada de meio de semana válida pelo Brasileirão, Nilmar retornou para Porto Alegre em tempo de defender o Inter, contra o Coritiba, em confronto da terceira rodada do returno nacional. Na ocasião, formou dupla de ataque com Fernandão, e assistiu, de posição privilegiada, à bicicleta inesquecível do camisa 9, que abriu o placar no empate de 1 a 1. Breves 72 horas depois, o craque voltou a campo para, com o Clube do Povo, estrear na Sul-Americana.

Modorrenta, a igualdade sem gols com o Figueirense, em Florianópolis, serviu de injusto ponto final à empolgante e avassaladora primeira passagem de Nilmar pelo Inter, oficialmente terminada no dia 28 de agosto, quando o Clube do Povo oficializou a venda do atacante para o Lyon-FRA. De coração partido, a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande se despediu do craque entristecida, é claro, mas também convicta de que aquele não era um adeus, e sim até logo. Em breve, todos sabiam, o gramado do Beira-Rio reencontraria um de seus mais letais avantes. Nosso tapete, era fato, não aguentaria muito tempo longe de um dos maiores nomes nele escrito.


O retorno


Poucos atletas simbolizam o crescimento vivenciado pelo Inter na primeira década do século XXI com precisão comparável a Nilmar. Personificação ideal do gigantismo colorado, o atacante possui trajetória com a camisa alvirrubra que se confunde à história que trilhamos rumo ao topo. Curiosamente, exibe este posto mesmo sem ter participado das principais conquistas do Clube do Povo nos anos passados. Pelo menos, dentro de campo. Afinal, torcedor que é, jamais esteve completamente afastado do Beira-Rio.

“Comecei com 18 anos aqui.

Agora estou de volta, mais maduro

e consciente de que é preciso

dar ao máximo cada dia.

Me sinto em casa.”

NILMAR, NO RETORNO AO INTER

Na exata temporada em que Nilmar foi negociado, o Inter voltou a frequentar a elite do futebol latino, brilhando na Sul-Americana. Simultaneamente, o atacante dava seus primeiros passos por campos europeus, sempre na luta por vaga na Seleção Brasileira. Três anos depois, o craque retornou para sua casa, sediada no mesmo número 891 da Padre Cacique, mas completamente revolucionada em sua estrutura interna, agora campeã de América e Mundial. Boa parte das mudanças, inclusive, consequência do valor arrecadado pelo Clube com a negociação do atacante. Também ele, diga-se, era outro. Antes revelado como parte de geração promissora, agora desembarcava em Porto Alegre com o status de estrela, responsável por formar, junto de Fernandão e Iarley, uma nova linha de frente multicampeã com o Alvirrubro.

Nilmar foi oficialmente apresentado como reforço colorado no dia 17 de setembro de 2007. Encarando o estágio final de recuperação de cirurgia no joelho, o atacante sabia que, embora a velocidade fosse sua principal característica, desta vez era a cautela sua melhor aliada. Com ela, em menos de 30 dias realizou seu primeiro treino com bola e, na abertura de novembro, mês seguinte, estava relacionado para uma partida. Diante do Vasco faria, no dia 4, sua reestreia.

E que atuação! Todos acreditavam que a reestreia aconteceria apenas no segundo tempo, menos Abel. O comandante colorado, que escalou o Inter no 3-5-2, com Nilmar e Iarley formando dupla ofensiva municiada por Fernandão, teve sua ousadia recompensada cedo. Logo aos 7, o novo reforço alvirrubro superou a marcação com linda finta de corpo e, cara a cara com o goleiro, tentou por cobertura, por cima. Aos 14, o atacante desarmou o zagueiro adversário na entrada da área e driblou o arqueiro, mas, por detalhe, chegou atrasado para a finalização. Um minuto depois, decidiu ser garçom, e serviu assistência açucarada para Fernandão abrir o placar.

“O talento do Nilmar é incrível.

Ele é fora de série.

Com o que joga, merece Seleção”

FERNANDÃO, APÓS PARTIDA CONTRA O VASCO

Nilmar seguiu jogando em alto nível, apesar da forte chuva que caía em São Januário, até os 15 minutos da etapa final, quando foi sacado para a entrada de Roger. Do banco, viu seu substituto cavar pênalti convertido pelo Eterno Capitão, gol que garantiu importante triunfo. Empolgante, a atuação do craque foi escolhida pela torcida como a melhor da vitória colorada. Animadas, quase 30 mil pessoas encheram as arquibancadas do Beira-Rio para prestigiar o retorno oficial da cria ao Gigante, ocorrido em duelo contra o Cruzeiro.

“Está passando um filme na minha cabeça. Toda vez que vou treinar, olho para a concentração onde morei aqui no Beira-Rio. Aprendi a valorizar muito este clube. Vai ser um jogo especial para mim!”

Nilmar sobre a reestreia no Gigante

Dentro de campo, Nilmar atuou durante toda a primeira etapa, causando estresse à defesa mineira. Sacado no intervalo, comemorou, do banco de reservas, o gol de Alex, único da partida, marcado nos acréscimos do confronto. A aparição contra o Cruzeiro, inclusive, foi a última do atacante na temporada, uma vez que, com incômodo no ombro, o camisa 7 não participou das duas últimas partidas do Clube do Povo no ano, de modo a garantir que, no retorno aos trabalhos, previsto ainda para o mês de dezembro, consequência da disputa da Dubai Cup, estivesse em suas melhores condições.

Os atletas colorados se reapresentaram para a pré-temporada em 26 de dezembro. Uma semana depois, no dia 2 de janeiro, ocorreu o desembarque nos Emirados Árabes. A estreia na Dubai Cup, por sua vez, aconteceu no dia 5, diante dos alemães do Stuttgart. Válido pela semifinal, o confronto de alvirrubros foi encerrado com triunfo do Clube do Povo, placar de 1 a 0, gol de Alex. Titular, Nilmar formou, com Fernandão, a dupla de ataque do Inter, sustentada por um losango no meio de campo, de Maycon no vértice mais baixo, Magrão, na direita, Guiñazú, pela esquerda, e Alex, no topo.

Depois de enfrentar um irmão de cores na semifinal, o Clube do Povo lutou pela taça, no dia 7 de janeiro, contra seu xará italiano. Para o duelo, Abel Braga repetiu quase todo o time que superara o Stuttgart, à exceção de Índio. Lesionado, o xerife goleador deu lugar a Sidnei, que formou a defesa com Wellington Monteiro, na direita, Orozco, zagueiro, e Marcão, lateral-esquerdo, além do goleiro Renan.

Matador como sempre, Fernandão inaugurou o placar logo a um minuto, acertando lindo voleio de fora da área. Aos 40, os italianos da Internazionale empataram com Jimenez, após assistência de Ibrahimovic. Fazia-se necessário, portanto, vazar novamente o catenaccio milanês, lacrado por nomes como Júlio César, Maicon, Materazzi, Iván Córdoba, Burdisso e Javier Zanetti. Felizmente, o Inter também contava com grandes estrelas.

Nilmar, uma das principais, fez questão de deixar isso claro aos 19 minutos da etapa final, quando Marcão escorou de cabeça para a área, na medida para o camisa 7 emendar bicicleta cinematográfica direto para as redes rivais. Pintura, 26ª marcada pelo atacante com a camisa alvirrubra, foi a primeira depois de seu retorno e garantiu o título colorado, por isso sendo comemorada com lágrimas.

De volta ao Rio Grande do Sul, o Inter disputou a primeira rodada do Gauchão no dia 20 de janeiro. Após conquistar o Tetra entre os anos de 2002 e 2005, o Clube do Povo desejava encerrar o jejum de dois anos sem levantar a taça estadual. Para tanto, visitou o Inter-SM com o que tinha de melhor, formação que garantiu importante igualdade de dois gols para cada lado. Já o retorno para Beira-Rio, ocorreu no dia 24.

Contra o Veranópolis, vitória por 2 a 0, e Nilmar, garçom de Iarley no primeiro gol, escolhido o melhor em campo. Três dias depois, no Passo d’Areia, a goleada de 4 a 1 confirmou o grande início de temporada colorado. Infelizmente, no entanto, o confronto contra o São José-POA esteve marcado, também, por lesão muscular do jovem atacante, que se tornou desfalque para os meses de fevereiro e março.


Recuperação compressora


Nilmar voltou aos gramados em 5 de abril, dia seguinte ao aniversário de 99 anos do Clube do Povo. Contra a Ulbra, entrou no segundo tempo do confronto de volta das quartas estaduais e precisou de somente quatro minutos para, em uma de suas muitas arrancadas, ser derrubado dentro da área. Pênalti assinalado e, por detalhe, desperdiçado por Fernandão. A oportunidade não fez falta para o Colorado, que avançou com vitória por 3 a 2, agregado de 7 a 3.

Empolgante, o retorno deu para Abel a confiança necessária para escalar o atacante como titular. Assim ocorreu nos dois confrontos semifinais contra o Caxias, finalizados com classificação alvirrubra, e também nos duelos das oitavas da Copa do Brasil, diante do Paraná. Encarando o Tricolor da Vila, o camisa 7 cavou novo pênalti, este convertido por Fernandão, que garantiu o 5 a 1 para o Clube do Povo.

Na decisão gaúcha, frente ao Juventude, o atleta formou dupla de ataque com Fernandão, municiada, no confronto de volta, disputado no Beira-Rio, por Alex, que vivia grande fase. Com o trio atuando junto, o Clube do Povo superou o Papo por 8 a 1, e Nilmar, além de servir assistência para o Eterno Capitão anotar o segundo, marcou o sexto. A taça foi a terceira do camisa 7 com o Clube do Povo, que também passava a somar 27 bolas na rede com a camisa colorada.


Segundo semestre goleador


A empolgação colorada com o título estadual durou pouco. Na contramão da arrasadora goleada sobre os caxienses, as partidas seguintes foram frustrantes para a torcida alvirrubra. Na Copa do Brasil, o Inter foi eliminado para o Sport, enquanto, no Brasileirão, três rodadas sem vitória custaram a permanência de Abel Braga. Apesar do cenário conturbado, porém, Nilmar seguiu como uma das melhores notícias dos meses de maio e junho do Clube do Povo, marcando dois gols, contra Flamengo e Portuguesa, e servindo uma assistência nas cinco primeiras jornadas do Nacional.

Se a fase individual de Nilmar já era boa, a partir da chegada de Tite o coletivo também cresceu. Com problemas musculares, o atacante não foi a campo na estreia do novo comandante, ocorrida, com vitória por 2 a 1 sobre o Botafogo, no dia 14 de junho de 2008, marcante data em que Fernandão se despediu do Inter. Na rodada seguinte, consciente da cobrança ainda maior por ocupar papel de protagonista no elenco colorado, o artilheiro, novo dono da camisa 9, retornou aos gramados marcando o gol alvirrubro em injusto revés para o Vitória, na Bahia. Uma semana depois, no Olímpico, teve participação direta no tento de Índio, o único do Clube do Povo no empate contra o maior rival.

Coroando o momento garçom, Nilmar também brilhou nas duas primeiras partidas do mês de julho. Contra o Coritiba, sofreu pênalti que Alex converteu – o camisa 10 fez os três gols do Clube do Povo no jogo. Já diante do Goiás, também no Gigante, o camisa 9 serviu Adriano, autor do único tento da invernal noite gaúcha. O reencontro com as redes aconteceu na 12ª rodada, quando o Inter superou o Atlético-MG, por 1 a 0, no Beira-Rio, que esteve tomado por 27 mil pessoas. O gol, de cabeça, saiu logo aos 6 da etapa inicial, após excelente cruzamento de Marcão. Na jornada seguinte, frente ao Náutico, o atacante liderou um Inter desfalcado, repleto de jovens, incluindo Walter e Taison, futuros campeões da América, e marcou o de empate no Recife.

A iluminada sequência de Nilmar atingiu ponto alto na noite do dia 23 de julho. Diante de um Beira-Rio lotado por mais de 40 mil pessoas, o centroavante balançou as redes do São Paulo em duas ocasiões na vitória colorada por 2 a 0. Com os gols, isolou-se ainda mais na artilharia alvirrubra na competição, chegando a sete no torneio. Pelo Clube do Povo, já eram 34.

O início de agosto também foi especial para o ídolo colorado. Logo no segundo dia do mês, o atacante encerrou sequência de duas derrotas consecutivas ao marcar dois contra o Fluminense, no Maracanã, e garantir a primeira vitória do Inter como visitante no Brasileirão. Duas rodadas depois, o camisa 9 reencontrou as redes para anotar o de empate contra o Figueirense, no Beira-Rio. Singular, o confronto diante dos catarinenses marcou a reestreia de Daniel Carvalho e Bolívar com o manto alvirrubro. Ex-companheiros de Nilmar, retornavam para garantir um segundo semestre de resultados ainda melhores ao Clube do Povo. A grande cereja do bolo, contudo, veio do exterior. Após desembarcar em Porto Alegre no dia 30 de julho, Andrés Nicolás D’Alessandro estrearia na rodada inaugural da Sul-Americana, marcada por clássico Gre-Nal no Gigante. Uma geração inesquecível, aos poucos, começava a ser montada.

É bem verdade que, com desconforto na panturrilha, Nilmar não foi a campo na estreia de D’Ale pelo Inter. A primeira partida dos dois juntos, inclusive, ficou marcada por dolorida derrota para o Vasco, no Rio de Janeiro. Até por isso, a expectativa da torcida era grande para o duelo entre Inter e Palmeiras, que ocorreria, no Beira-Rio, no dia 20 de agosto. Dentro de campo, o camisa 9 entraria em campo pela 100ª vez com o manto colorado. Somando 37 gols em duas passagens, o ídolo lutava, com seus 10 tentos, pela artilharia do Brasileirão, estando a quatro de Kléber Pereira, o goleador de então.

“Vem um filme na cabeça, lembrar que a carreira começou aqui, onde fiz meus primeiros jogos como profissional. Apesar de jovem, hoje já tenho um certo nome no futebol, sou reconhecido graças, ao Internacional. Devo muito a esse Clube. Não poderia ser outro melhor para ter a oportunidade de comemorar 100 jogos. Espero que eu possa jogar muitos mais pelo Inter!

Índio, Bolívar e Marcão na zaga. Magrão, Guiñazú e D’Alessandro no meio. Alex e Nilmar na frente. Debaixo de fina chuva, uma formação de altíssimo quilate foi a campo no Beira-Rio e patrolou o adversário paulista. A vitória colorada por 4 a 1 contou com participação do camisa 9, que tabelou com Alex antes deste marcar, em um foguete, o segundo vermelho, e sofreu falta que originou o terceiro alvirrubro, de autoria de Índio. O 11º gol do ídolo no Brasileirão saiu quatro dias depois, também no Gigante. Prejudicado pela arbitragem, o Clube do Povo jogou melhor, mas não saiu do 1 a 1 com o Flamengo.

De volta à Sul-Americana, no dia 28 de agosto o Olímpico virou Beira-Rio, com o Inter avançando às oitavas após empate de 2 a 2. Nilmar, depois de driblar diversos marcadores, abriu o placar no antigo estádio gremista. Em justo reconhecimento ao grande ano do atacante, 24 horas mais tarde ele seria convocado para a Seleção Brasileira do técnico Dunga.

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Sem seus camisas 9 e 15, entregues às respectivas seleções de Brasil e Argentina, o Inter superou, no Beira-Rio, a Portuguesa, placar de 1 a 0. Quando Nilmar e D’Ale retornaram, o técnico Tite já havia promovido alteração importante no esquema colorado. No lugar do 3-5-2, o Clube do Povo vinha atuando com duas linhas de 4, estruturado em um losango, exata formação que enfrentou, no Rio de Janeiro, o Botafogo.

Como ocorrera ainda em janeiro sob o comando de Abel, Magrão e Guiñazú fizeram os lados direto e esquerdo do meio de campo. Na base esteve Edinho, verdadeiro cão de guarda, enquanto o armador foi D’Ale, que esbanjou grande entrosamento junto à dupla Alex e Nilmar. Dos pés do trio, inclusive, saiu o primeiro do Inter. D’Alessandro lançou o camisa 9 na linha de fundo, dentro da área carioca. Antes do goleiro, ele chegou na bola e colocou, com toque sutil, para o retângulo pequeno, na medida para o gol do 10. No segundo tempo, o argentino ainda faria o segundo do Clube do Povo, seu primeiro com o manto alvirrubro, último da vitória por 2 a 1 no Engenhão.

O Inter alcançou, na 26ª rodada, seu terceiro triunfo consecutivo no Brasileirão. Contra o Vitória, no Beira-Rio, Nilmar sofreu pênalti que Alex cobrou para marcar o único do Colorado na partida. Uma semana depois, após empatar, no dia 25, com a Universidad Católica, na abertura das oitavas da Sul-Americana, em 1 a 1, o Clube do Povo recebeu, em 28 de setembro, o Grêmio, atual líder do Brasileirão. A boa fase do rival motivou o presidente Paulo Odone a afirmar, antes do clássico 373, que os visitantes passariam a máquina sobre o Alvirrubro. Para sua infelicidade, o coitado mandatário acabou conhecendo a força do Rolo Compressor.

Uma seleção abraçada por seu povo, com Nilmar agachado, o segundo da direita para a esquerda

Logo aos 4, D’Alessandro, grande nome da partida, abriu o placar após voleio de fora da área. Aos 18, Tcheco até empatou, mas a igualdade durou míseros 10 minutos, tempo necessário para Alex, servido por El Cabezón, recolocar o Inter à frente no marcador. Nova assistência do argentino, aos 40, encontrou a cabeça de Índio, que fez o terceiro. Antes do intervalo, Nilmar, também completando cruzamento do camisa 15, marcou o seu 12º no Brasileirão e fechou o caixão gremista.

Inaugurado com classificação às quartas da Sul-Americana, outubro contou com dois gols de Nilmar para o Inter. O primeiro saiu no dia 4, quando o Clube do Povo foi derrotado, fora de casa, para o Coritiba, por 4 a 2. Já no dia 18, contra o Atlético Paranaense, o camisa 9 abriu o placar na vitória colorada por 2 a 1 no Beira-Rio. A partida mais emocionante do décimo mês do ano, todavia, foi disputada pelo torneio continental.

Mais de 36 mil colorados e coloradas lotaram o Beira-Rio na noite de 22 de outubro para empurrar o Inter em busca da vitória na partida de ida das quartas de final da Sul-Americana. Em campo, Clube do Povo, campeão da América em 2006, e Boca Juniors, vencedor da Libertadores de 2007, prometiam um duelo do mais alto nível. Recentemente, as duas equipes já haviam se enfrentado em confrontos eliminatórios válidos pelo mesmo torneio, integrantes das edições de 2004 e 2005 e encerrados, os dois, com o agregado de 4 a 2 para os hermanos. Demonstrando ter tirado importantes aprendizados dos encontros passados, o Colorado encurralou os visitantes desde o primeiro momento e, contando com show de Alex, venceu por 2 a 0, os dois gols marcados pelo camisa 10.

La Bombonera. Palco dos mais temidos do mundo, foi determinante para as classificações xeneizes sobre o Inter nos anos anteriores. Credenciado pela grande vitória do Beira-Rio, o Clube do Povo até tinha a vantagem para o jogo de volta, mas, calejado pelas frustrações passadas, sabia que regulamento algum poderia transformá-lo em favorito no palco hermano. Para sair com a vaga nas semifinais, a atuação precisaria ser irretocável, épica. E assim foi.

O Inter deu exemplo de raça, talento e organização na inesquecível noite de 6 de novembro. Inábalavel, ignorou o pulsar do caldeirão hermano, muito graças à genialidade do técnico Tite, que escalou o time com formação inédita. Na defesa, Álvaro integrou o miolo com Índio, enquanto Marcão e Bolívar fizeram as laterais. No gol, esteve Lauro. Do meio para a frente, foi repetida a poética nominata de sempre, com Edinho, Magrão, Guiñazú e D’Alessandro; Alex e Nilmar. Depois de uma etapa inicial sem gols, o Clube do Povo abriu o placar ainda no primeiro minuto do tempo final. Responsável por, com sua velocidade e disposição, causar pesadelos à zaga argentina desde a semana retrasada, o camisa 9 colorado foi lançado pela direita e cruzou açucarada para Magrão. Com a canhota, o meio-campista mandou no travessão. A bola picou dentro, mas, por via das dúvidas, o próprio concluiu, de cabeça, para as redes, garantindo o tento. Riquelme ainda empatou para os locais aos 12, mas Alex, completando grande tabelinha com D’Alessandro, marcou, aos 27, o último do jogo. Que viesse o Chivas!


Campeão do continente


Uma vez garantido entre os quatro melhores da Sul-Americana, o Inter passou a encarar o torneio como obsessão. A tangibilidade do título, distante apenas quatro partidas, motivou o Clube do Povo a tratar a competição como principal objetivo para o final do ano. O ineditismo da taça, também. Nunca conquistada por uma equipe brasileira, a competição era a única, entre as de elite, que faltava no museu colorado.

Como a partir do duelo de ida das semifinais os confrontos eliminatórios seriam jogados semanalmente, sem tempo para respiro, uma equipe alternativa, repleta de grandes valores como Andrezinho, Sandro e Taison, assumiu a responsabilidade de disputar o Brasileirão. Ao mesmo tempo, a escalação estreada por Tite contra o Boca, formada por quatro zagueiros na linha defensiva, virou a titular, logo se provando capaz de brindar o povo vermelho com atuações sempre melhores a cada nova jornada.

Embora desfalcado por D’Alessandro, o Inter abriu em grande estilo o duelo por vaga na decisão continental. Em Guadalajara, o Clube do Povo anulou completamente as ações ofensivas do Chivas. Ao mesmo tempo, contando com o apuro de Andrezinho na armação, os comandados de Tite apresentaram contra-ataques tão afinados quanto o sistema defensivo, e perturbaram a defesa mexicana com as escapadas conduzidas pelo ritmo da dupla Alex e Nilmar, sempre acompanhada dos incansáveis Guiñazú e Magrão. Desta forma, aos 24 da etapa final, o camisa 9 colorado abriu o placar.

Após troca de passes rápidos na intermediária ofensiva, Andrezinho criou espaço percebido por Magrão. O camisa 11 se lançou pelo centro e, na hora certa, abriu o jogo com Nilmar, que dominou, no mano a mano, pela esquerda da área adversária. Lépido, chamou o zagueiro Reynoso para dançar, cortou para a direita e mandou rasteiro, no contrapé do goleiro. Inter na frente!

Menos de 10 minutos depois, Índio lançou o artilheiro nas costas da marcação, que só conseguiu conter o paranaense com falta. De muito longe, Alex assumiu a responsabilidade e mandou direto, surpreendendo o goleiro Hernández. No placar, 2 a 0, e a vantagem garantida para a volta.

O decênio inaugural do século XXI brindou a Maior e Melhor Torcida do Rio Grande com diversos esquadrões inesquecíveis. Na memória dos adultos, estas formações, campeãs de Libertadores e Mundial, somaram-se à Academia do Povo da década de 70 para ocupar lugar privilegiado na nostalgia colorada. De sua parte, os mais antigos, frequentadores do Estádio dos Eucaliptos, também não pouparam comparações entre os escretes dos anos 2000 e Rolo Compressor ou Rolinho. Fértil, portanto, a mitologia alvirrubra não carece de gerações mágicas, o que evidencia o futebol encantador praticado pela de 2008. Afinal de contas, para muitos torcedores e torcedoras trata-se, graças ao seu toque de bola hipnótico, da melhor formação de nossa história – pelo menos recente. Certamente, as quase 40 mil pessoas que encheram o Beira-Rio no dia 19 de novembro compartilham desta certeza.

Diante do Chivas, o Inter foi a campo decidido a confirmar sua vaga na final com autoridade. Mais do que ratificar o grande momento da equipe, uma vitória correspondia à única homenagem possível para Arthur Dallegrave, histórico dirigente alvirrubro falecido dois dias antes do duelo. Contando com o retorno de D’Alessandro, o Clube do Povo teve como único desfalque Alex, convocado para a Seleção Brasileira. Na vaga do camisa 10 entrou Taison, oferecendo ao público um prelúdio do que ele e Nilmar seriam capazes de produzir no ano do Centenário vermelho. Embalado pela dupla de ataque, que atuou na mesma intensidade do Beira-Rio, frenético, o Colorado abriu o placar aos 19 minutos com D’Ale, cobrando pênalti que ele mesmo sofrera. Aos 35, o argentino voltou a balançar as redes, desta vez em batida de falta.

Ainda antes do intervalo, a dobradinha alucinante converteu seu primeiro tento na partida, terceiro do Inter. Aos 43, Taison cobrou escanteio fechado, buscando olímpico. Atento, Hernandez impediu o golaço com tapa de grande reflexo, mas, para sua infelicidade, a sobra ficou na medida para Nilmar. De cabeça, o camisa 9 se atirou em direção à bola e, com ela, estufou as redes mexicanas.

A proximidade da final, que teria sua disputa aberta em apenas sete dias, motivou o time colorado a reduzir a intensidade para o segundo tempo. No lugar dos arranques, brilharam os passes, delirantes para uma torcida que respondeu à ilusão das triangulações com uma outra tão bela quanto: a ola. Vivo, o Beira-Rio assistiu à assistência milimétrica de Taison, aos 25, acionando Nilmar. Imaginando ter encontrado o antídoto perfeito para conter o camisa 9 alvirrubro, o goleiro adversário deixou o gol em alta velocidade, como que tentando superar o pique de nosso ídolo. Ao desespero rival, o craque respondeu com sua tradicional genialidade e, por cobertura, marcou o quarto e último do Inter, seu quarto na Sul-Americana e 45º com o manto vermelho.

Os pincharratas tomaram o Estádio Ciudad de La Plata, na noite de 26 de novembro, convictos de que o Halloween argentino seria comemorado com um mês de atraso. Certos de que la brujita Verón causaria pesadelos à zaga colorada, apostavam na enfeitiçada perna canhota do craque para largar em vantagem na luta pela taça latino-americana. Não contavam nossos vizinhos, contudo, com a força do folclore brasileiro. Às maldições que tentaram pregar, o Inter respondeu honrando o Saci que tem como mascote. No lugar da perna, apenas, o que nos faltou foi um jogador, pois Guiñazú, injustamente, foi expulso aos 24 da primeira etapa. Cenário dramático? Ao Clube do Povo, nada mais do que motivação para aprontar em terras castelhanas.

Ludibriado Estudiantes, acreditou que a superioridade numérica cobraria menor dedicação defensiva, e se lançou ao ataque sem qualquer pudor. Fechado em duas linhas de quatro, a segunda formada por D’Alessandro, Magrão, Guiñazú e Alex, o Inter se retraiu sorridente, tranquilo. Por quê? Bom, acontece que, para quem tem Nilmar, qualquer centímetro de espaço vira latifúndio.

O relógio indicava 32 minutos quando D’Alessandro recuperou a posse para o Inter, ainda no campo de defesa, e tentou armar contra-ataque. O gringo, ainda vestindo a 15, entortou dois marcadores e cavou arremesso lateral, que o pressionado Bolívar cobrou em direção ao ataque. Após corte parcial da zaga, Nilmar deixou com El Cabezón. De primeira, com a canhota, o argentino devolveu para o avante, lançando em profundidade. O camisa 9 chegou nela antes de Desábato, que não aceitou comer poeira e desferiu um pontapé no jovem colorado. Pênalti, que Alex cobrou duas vezes para valer.

Gigante travessura era forçar o adversário a furar uma retaguarda de Bolívar, Índio, Álvaro e Marcão. Pelo chão, o espaço inexistia. No alto, conseguir vantagem sobre os xerifes não passava de delírio. De longa distância, os arremates normalmente explodiam na muralha. Pior ainda, quando superavam o quarteto era preciso vazar um iluminado Lauro. Ao mesmo tempo, o trio de ouro formado por Alex, D’Alessandro e Nilmar produzia tudo que o rival sonhava em criar. Assim, a derrota por 1 a 0 acabou ficando barata para os mandantes, que escaparam de perder o título ainda nos 90 minutos iniciais.

Nada passou pela defesa colorada

Não existia assunto mais comentado entre os latinos ao longo do dia 3 de dezembro de 2008 que a final da Sul-Americana. No Brasil, a crônica esportiva celebrava a iminente conquista do Clube do Povo, afirmando que, ao erguer o troféu, o Inter se tornaria o único brasileiro Campeão de Tudo, dono de todas as taças possíveis para um time da elite de nosso continente. Com a mesma confiança, 51.803 colorados e coloradas lotaram o Beira-Rio e transformaram nossa casa em um verdadeiro caldeirão, decidido a cozinhar o Estudiantes.

Terceiro em pé da esquerda para a direita, Nilmar disputou sua primeira final continental pelo Inter

A euforia dos de fora, é bom registrar, somente era convertida em motivação pelos colorados, tanto torcedores quanto atletas. O clima de ‘já ganhou’ passava longe da Padre Cacique, onde a decisão foi disputada no limite até o último apito. Melhor em campo na primeira etapa, o Inter não conseguiu ampliar sua vantagem nos 45 minutos iniciais. Por outro lado, o Estudiantes aproveitou seu principal momento no jogo para, aos 20 do segundo tempo, balançar as redes alvirrubras, igualar o escore da partida de ida e obrigar a disputa da prorrogação.

Só o Inter jogou no tempo extra. Praticamente reduzido ao retângulo de sua área, o Estudiantes sofria para respirar, tamanha a pressão colorada. Orquestrado por D’Alessandro, que tinha a companhia dos recém-entrados Sandro e Gustavo Nery, o Clube do Povo encurtou o campo de jogo pela metade, com Danny Morais e Álvaro, os zagueiros titulares da decisão, atuando postados na altura do grande círculo. Bolívar e Marcão alternavam no apoio, atendendo aos movimentos de El Cabezón, enquanto Taison, que substituira Alex, e Nilmar tratavam de abrir espaços no ferrolho argentino. Mesmo assim, apesar do bombardeio alvirrubro e devido a milagre do goleiro Andújar, os primeiros 15 minutos não alteraram o placar.

Os comandados de Tite seguiram martelando na etapa final. Qualquer cruzamento ou passe vertical, contudo, parecia carregar, mais do que o cansaço de quase duas horas de partida, a pressão das penalidades. Tão grande quanto a vontade de vencer era o receio de permitir uma escapa rival. Diante de tamanha tensão, somente a leveza e a alegria típicas da juventude poderiam fazer diferença. Taison aceitou sua responsabilidade e, representando o Celeiro de Ases, partiu para cima de dois marcadores, cavando escanteio.

O relógio apontava 8 minutos e 5 segundos quando D’Alessandro fez a cobrança. Na entrada da pequena área, a bola encontrou a cabeça de Danny, que testou para baixo. Andújar, milagroso, voou para espalmar, mandando a redonda em direção ao travessão. Na frente de Gustavo Nery ela picou, ao que o atleta respondeu emendando de voleio. Uma vez mais, o goleiro salvou, mas dando rebote. Na frente do gol aberto. Na frente da abençoada goleira do placar. Na frente do pé esquerdo de Nilmar.

Imagens: Rede Globo

Pouco mais de cinco anos após ser revelado por um Inter que lutava para voltar ao topo, Nilmar tinha, diante de sua canhota, a oportunidade perfeita para colocar o Clube do Povo no mais alto posto do continente. No Estádio que lhe servira de casa, podia virar herói e fazer explodir como nunca as arquibancadas sob as quais no passado dormira. Demonstrando o faro artilheiro tão bem conhecido pela Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, não perdoou. Gol! Gol chorado, suado, brigado, lutado e, sem sombra de dúvidas, colorado. Gol de título, que valeu por todos os outras. Incontestavelmente, virávamos campeões de tudo! E o Beira-Rio? Ficou catártico!

Nilmar encerrou o ano amplamente requisitado pelo futebol estrangeiro. Artilheiro, ao lado de Alex, na conquista da Sul-Americana, o atacante ainda foi eleito o melhor em campo da finalíssima continental. Mais do que isso, diante do Estudiantes fechou a temporada da mesma maneira que abrira, ainda em janeiro: com gol de título. Ao todo, ao longo de doze meses mandou 21 bolas às redes rivais, totalizando 46 tentos com o manto colorado. O risco de perder o craque, consequentemente, era alto. Mas o ídolo decidiu ficar para o Centenário do Clube do Povo.


Ídolo renascentista


O Inter abriu 2009 com uma grande novidade para o ataque. Após se destacar como alternativa de velocidade para a linha de frente na temporada anterior, Taison iniciou com tudo o ano do Centenário colorado. Na quarta rodada do Gauchão, assumiu a titularidade da equipe, transformando o antigo trio de ouro em um poderoso quarteto ofensivo. Neste mesmo confronto, jogado contra a Sapucaiense, no Beira-Rio, Nilmar marcou seus primeiros tentos depois das férias, o segundo recebendo assistência da jovem promessa, demonstrando o entrosamento crescente da dupla, que na semana seguinte encararia seu maior teste.

A cidade de Erechim recebeu, no dia 8 de fevereiro, o Gre-Nal 374. Primeiro clássico da temporada, lotou as arquibancadas do Colosso da Lagoa, que estiveram divididas pela metade. Dentro de campo, o Inter contou com Lauro; Danilo, Índio, Álvaro e Marcão; Magrão, Guiñazú, D’Alessandro e Alex; Taison e Nilmar. Cedo na partida, El Cabezón cobrou falta da intermediária ofensiva, pela esquerda, com veneno. Viva, a bola triscou a cabeça de Wiliam Magrão e morreu nas redes tricolores. A vantagem colorada perdurou até os 16 da etapa final, quando Jonas empatou para os azuis, deixando o duelo completamente em aberto. Nos espaços criados, quem brilhou foi a dupla de ataque do Clube do Povo.

Aos 37 minutos, depois de cobrança de falta que explodiu na defesa alvirrubra, Taison ficou com a sobra e disparou em altíssima velocidade. Apenas um atleta, dentre os 22 que estavam em campo, conseguiu acompanhar seu ritmo: Nilmar. Como um raio, o camisa 9 abriu pela direita e foi percebido pelo 7, que ofereceu assistência primorosa. Sem nem dominar, o autor do gol do título da Sul-Americana soltou a bomba da entrada da área e mandou no ângulo de Victor. Vitória colorada!

Que não tratem Nilmar como grosseiro. Duas rodadas após a vitória no Gre-Nal, o camisa 9 retribuiu a generosidade de Taison servindo um par de assistências para o camisa 7, que brilhou na goleada por 5 a 1 sobre o Caxias. Escalado entre os 11 iniciais na ocasião, o lateral-esquerdo Kleber, recém-chegado, fez uma de suas primeiras partidas com a equipe titular, e soube explorar o ritmo alucinante da veloz e furiosa dupla de ataque do Clube do Povo. A sinfonia alvirrubra ficava cada vez mais afinada, e nem mesmo a saída de Alex, negociado com os russos do Spartak de Moscou, abalou a dinâmica da equipe. No lugar do canhoto, entrou Sandro, encorpando o meio de campo nas quartas e semis do turno estadual. Para chegar à decisão, inclusive, o Colorado voltou a contar com seu centroavante, que marcou bonito gol sobre o Novo Hamburgo, abrindo a vitória por 2 a 0.

A finalíssima foi de novo clássico. Homem Gre-Nal que era, Nilmar, por incrível que pareça, passou em branco, embora tenha causado problemas para a defesa gremista. Por sorte, a ausência de seus gols foi compensada pelo faro artilheiro da dupla Índio e Magrão. Com um gol cada, garantiram a vitória por 2 a 1 e a Taça Fernando Carvalho. O goleador voltou a marcar na segunda rodada do returno, contra o Brasil-Pel. No Bento Freitas, deu uma assistência e anotou um tento, seu quinto no Gauchão. Os números só não seguiram crescendo nas jornadas seguintes pois o paranaense recebeu folga, no início da segunda metade de março, para celebrar seu casamento.

Parecia impossível, mas o matrimônio conseguiu melhorar ainda mais a fase de Nilmar. Na primeira partida que disputou levando a aliança no dedo, o camisa 9 marcou três gols no passeio colorado em Bento Gonçalves, finalizado com vitória de 6 a 2 sobre o Esportivo. Taison, contando com duas assistências de sua dupla ofensiva, marcou outra trinca, comprovando que, dentro de campo, o casamento de atacantes alvirrubros também vivia grande momento.

Quatro dias depois de atropelar o Esportivo, o Inter voltou a brindar os fãs do bom futebol com novo confronto emocionante. O empate de 3 a 3 com o Juventude, em Caxias, garantiu a primeira colocação do grupo e a certeza de que o Beira-Rio sediaria todas as partidas eliminatórias da Taça Fábio Koff. Tudo isso, entretanto, ficou em segundo plano. O grande destaque no Alfredo Jaconi foi, como de costume, Nilmar, que marcou dois gols para o Colorado, o primeiro inspirado na genialidade de Pelé. Como fizera o Rei na decisão da Copa de 1958, nosso camisa 9 aplicou lindo chapéu no marcador, após receber passe de Taison, e, sem deixar a bola picar, emendou de primeira, com a direita. Uma pintura, tão bela quanto as de Michelangelo ou Da Vinci, mas longe de ser a mais bonita que o craque produziria na temporada.

Nas quartas de final do segundo turno, outro clássico Gre-Nal foi disputado no Beira-Rio. Desta vez, ainda mais especial do que o confronto era a data em que a partida ocorreria. Apenas 24h após completar 100 anos de história, o grupo alvirrubro foi a campo, no dia 5 de abril, consciente de que a vitória correspondia ao melhor parabéns possível para a biografia do Clube do Povo. Apoiado por cerca de 45 mil colorados e coloradas, o Inter não se abalou com o gol de Tcheco, abrindo o placar para os visitantes aos 18, e, ainda no primeiro tempo, viu Nilmar enozar a coluna de Thiego. Irritado, o zagueiro respondeu com um carrinho. Pênalti e gol de Andrezinho. Na etapa final, D’Alessandro deixou Índio na frente de Victor, e o defensor artilheiro não titubeou, mandando de cobertura para as redes.

Contra a Ulbra, nas semifinais, o camisa 9 voltou a marcar. De cabeça, fez o primeiro dos quatro gols colorados no Beira-Rio. Com a goleada, o Inter garantia vaga na decisão do segundo turno. Vencedor do primeiro, caso levantasse nova taça seria, também, campeão gaúcho. Rodeada de expectativas, a finalíssima foi disputada, em 19 de abril, no Gigante, que, apesar do frio e da chuva, recebeu um público de quase 40 mil pessoas. Repetindo o escore do ano anterior, o Clube do Povo teve atuação perfeita para despachar o Caxias por 8 a 1. Nilmar, que marcara nas finais de 2003, 2004 e 2008, fez dois, chegando a 13 no Gauchão, e ainda deu assistência para Guiñazú. Magrão, duas vezes, Álvaro, Taison e D’Alessandro fecharam o espetáculo.

Encerrado o Gauchão, Nilmar decidiu que era hora de balançar redes em outras competições. Na abertura das oitavas da Copa do Brasil, anotou o primeiro da vitória colorada por 3 a 0 sobre o Náutico, no Recife. Além dele, Taison e Marcelo Cordeiro garantiram importante vantagem, aumentada, na volta, após triunfo por 2 a 0 no Beira-Rio, gols de D’Alessandro e Taison. Superado o Timbú, era hora de encarar o Flamengo.

Antes do confronto de quartas de final diante dos cariocas, aconteceria a abertura do Brasileirão. Em São Paulo, Inter e Corinthians realizaram duelo de campeões estaduais, que teve o 1 a 0 para os visitantes como placar final. Não é a frieza dos números, contudo, quem melhor narra o que ocorreu naquela tarde de Pacaembu. Tudo começou com um bom lançamento de D’Alessandro para Nilmar, aos 9 minutos do primeiro tempo. O atacante recebeu pela ponta direita e, distante de seus companheiros, apostou na velocidade para encarar a defesa corintiana. Liso, passou por um, dois, três, quatro, cinco marcadores até pisar na área. Dentro do retângulo alvinegro, teve tranquilidade para brecar o embalo com que percorrera o campo e dar um corte no sexto defensor. Com ângulo para o pé direito, chutou rasteiro, colocado, direto no canto do goleiro Felipe. Uma peça de antologia, um gol de gênio, construído com toques mais belos do que qualquer afresco, quadro ou tela jamais foi capaz de conhecer.

Após boa atuação no empate que abriu a disputa por vaga nas semifinais nacionais, e participar do gol de D’Alessandro, segundo na vitória do Inter por 2 a 0 sobre o Palmeiras, em partida da segunda rodada do Brasileirão, Nilmar jogou o fino da bola no épico triunfo do Clube do Povo sobre o Flamengo, conquistado nos últimos minutos diante de um Beira-Rio lotado. Inteligentíssimo, o camisa 9 percebeu erro de passe do lateral Juan e, antecipando-se à marcação, disparou em velocidade com campo livre, pela esquerda. Já dentro da área, rolou para Taison, que marcou o primeiro de jogo que teria em Andrezinho o grande protagonista. No dia seguinte à classificação, o craque colorado foi convocado, junto do companheiro Kleber, para duas jornadas das eliminatórias da Copa do Mundo e, também, para a Copa das Confederações de 2009.

Antes de se apresentar à Seleção, Nilmar voltou a ser garçom de Taison, acionando o camisa 7 para que este marcasse o primeiro gol do Inter contra o Coritiba. Válido pelas semifinais da Copa do Brasil, o confronto foi encerrado com vitória de 3 a 1 do Colorado. Já com a Amarelinha, o camisa 9 do Clube do Povo marcou gol no duelo frente ao Paraguai, integrante das Eliminatórias. Na campanha vencedora da Copa das Confederações, foi a campo em uma ocasião, contra a Itália.

De volta ao Beira-Rio, Nilmar marcou dois gols na primeira partida que disputou pelo Brasileirão. Em Recife, foi o artilheiro solitário da vitória colorada sobre o Náutico, anotando o primeiro como centroavante, na pequena área, e o segundo em lindo chute no ângulo da meta adversária. Uma semana depois, contra o Athletico-PR, em Curitiba, o atacante descontou no revés de 3 a 2 para os locais. Também foi dele a bola na rede gremista no clássico 377, realizado no Olímpico.

Aos 25 anos, somando 64 gols em 150 partidas disputadas com a camisa colorada, Nilmar foi vendido para o Villareal no dia 24 de julho. Na primeira passagem, após surgir como promessa, foi vendido com status de craque. Assim retornou, para então ser negociado já enquanto ídolo. Nas graças da torcida, fez questão de se despedir através de comunicado endereçado ao povo vermelho. Feliz com a oportunidade de brilhar em uma das principais ligas do futebol mundial, não escondeu a dor por deixar amigos em Porto Alegre, nem a vontade de, no futuro, retornar para o Beira-Rio. Atitude gigante, como sempre foram suas atuações.

“Vou sempre estar torcendo pelo Inter, que foi muito especial na minha vida. Quero agradecer por tudo que a torcida fez por mim. Não sou gaúcho, mas vou morar em Porto Alegre no futuro. Sou colorado graças ao carinho que sempre tive aqui. Quero deixar um agradecimento, que o Inter continue crescendo cada vez mais. Nós, jogadores, estamos de passagem, mas o Clube continua com seus 100 anos de história. Espero que brilhe cada vez mais”


De volta para casa


Diferente do que os desavisados possam ter imaginado, a sexta-feira 19 de setembro de 2014 não foi um dia de jogo do Inter em Porto Alegre. Mesmo assim, o Beira-Rio recebeu grande público na data, que entoou, ao longo de toda a tarde, canto dos mais clássicos destinado a um atleta colorado. Uníssonas, mais de quatro mil pessoas bradavam que ali estavam para ver os gols de Nilmar. O motivo? A volta do craque ao seu clube de coração.

Anunciando como reforço no dia 16 de setembro, Nilmar retornou ao Inter com um currículo ainda mais encorpado. Jogador de Copa do Mundo, convocado para a edição da África do Sul, desembarcou, aos 30 anos, em um estádio de nível internacional, que recentemente sediara a disputa de cinco jogos do Mundial do Brasil. Também o Clube do Povo, então bicampeão de Libertadores e Recopa, demonstrava, ao atacante, estar em contínuo crescimento. Além disso, não era só a torcida que estava empolgada com o retorno do ídolo, como comprova o vídeo abaixo.

Vindo do banco, Nilmar reestreou pelo Inter no dia 9 de outubro, fora de casa, diante da Chapecoense. Comandando por Abel Braga, na rodada seguinte pôde, contra o Fluminense, reencontrar o gramado do Beira-Rio. Uma semana depois, foi titular contra o Corinthians, e balançou as redes ao marcar o gol colorado na derrota por 2 a 1. Entre os 11 inicias seguiu na jornada posterior, disputada contra o Flamengo, no Maracanã.

O segundo gol marcado por Nilmar em sua terceira passagem pelo Inter saiu contra o Bahia, no Beira-Rio. Aos 38 da primeira etapa, o camisa 7 tabelou com Jorge Henrique, recebeu na altura da marca do pênalti, dominou com a canhota, fez o giro e soltou a bomba de pé direito. O tento foi último da partida, vencida por 2 a 0, escore que recolocou o Clube do Povo no G-4. O atacante também foi titular em duelo frente ao Santos, na Vila, quando o Colorado encerrou jejum de 25 anos sem vitórias no Alçapão praiano, bem como no Gre-Nal 403, disputado na Arena, e no clássico nacional frente ao São Paulo, no Morumbi. Neste, sofreu lesão muscular na coxa direita, que o tornou desfalque para as últimas rodadas do Brasileirão.

Classificado para a fase de grupos da Libertadores após encerrar o Brasileirão na terceira posição, o Clube do Povo abriu o ano de 2015 realizando amistoso com o Juventude, em Caxias. Acostumado a aprontar no Jaconi, Nilmar marcou o primeira na vitória por 3 a 1 sobre o Papo. Um possível início de ano artilheiro, contudo, foi abreviado por problemas físicos, que tornaram o atacante desfalque para muitas das rodadas iniciais do Gauchão. Mesmo assim, retornou em grande estilo para os confrontos decisivos, e brilhou, como de costume, na decisão, disputada contra uma de suas principais vítimas, o Grêmio. Na finalíssima, sediada no Beira-Rio, o camisa 7 marcou o primeiro e deu assistência para Valdívia anotar no segundo e garantir a 44ª taça estadual do Clube do Povo, quinta consecutiva.

A Copa Libertadores de 2015 foi a primeira que Nilmar disputou com a camisa colorada. Campeão continental em 2008, quando marcou o gol do título da Sul-Americana, o camisa 7 jamais havia entrado em campo, vestindo o manto vermelho, para uma partida do principal campeonato das Américas. Na campanha que deu ao Inter a terceira colocação no torneio, o atacante encontrou grande destaque principalmente na fase de grupos, onde marcou três gols, dois deles na goleada por 4 a 1 sobre a Universidad de Chile, em Santiago, e outro no Gigante, diante do Emelec, após assistência mágica de D’Alessandro. Na partida de ida das semifinais, o craque ainda teve participação fundamental nos gos de El Cabezón e Valdívia.

O craque também marcou seus gols no Brasileirão. Logo na terceira rodada, fez o do Inter no empate por 1 a 1 com o Vasco, em São Januário. Na comemoração, reverenciou a estátua de Romário, localizada atrás de uma das metas do campo alvinegro. Na sexta jornada do Nacional, o Camisa 7 voltou a balançar as redes, desta vez contra o Coritiba, em partida disputada exatamente um ano após o falecimento de Fernandão, Eterno Capitão colorado e ex-companheiro de Nilmar. Seu terceiro e último tento na competição saiu no duelo posterior ao realizado contra os paranaenses. No Itaqueirão, abriu o placar, diante do Corinthians, depois de linda tabela com Rafael Moura, aos 40 da etapa inicial.

Nilmar provavelmente não sabia, mas disputou sua última partida com a camisa colorada em 26 de julho de 2015, quando Inter e Ponte Preta empataram sem gols no Moisés Lucarelli. Poucos dias depois, foi selada a venda do atleta para o Al Nasr, equipe de Dubai. Menos artilheira do que suas predecessoras, a terceira passagem do ídolo pelo Beira-Rio contou com 10 gols marcados em 35 jogos disputados, números que em nada deixaram de ser positivos, comprovando a facilidade para balançar redes que sempre acompanhou a cria do Celeiro de Ases.

Ao todo, foram 185 aparições com o manto do Clube do Povo e 64 as bolas na rede. Mais do que isso, inúmeras as lágrimas que em sua face deixou correr, e em nossos olhos fez surgir. Jogador decisivo, identificado com nossas cores e história, protagonista nos grandes momentos e companheiro de paixão e arquibancada. Referência, ocupa posto de luxo em nossa biografia, e é um dos maiores que tivemos o privilégio de assistir ao longo de ricos 111 anos de vida. Ídolo na acepção da palavra. Colorado, também. Eterno, por óbvio. Obrigado por tudo, Nilmar!

Guiñazú inaugura a série Ídolos Eternos

O ex-volante colorado Pablo Horacio Guiñazú é a primeira atração da série ‘Ídolos Eternos’, que estreou no Facebook do Inter nesta quinta-feira (2/7). De sua casa, Cholo concedeu a entrevista a partir uma sala virtual – são quase 50 minutos de um bate-papo exclusivo que foi dividido em dois episódios!

[Ídolos Eternos] Guiñazú – Episódio 1

Cholo Guiñazú é a atração na estreia da série 'Ídolos Eternos'! Nosso lendário volante lembra dos momentos marcantes que viveu com o manto colorado, conta histórias de bastidores e demonstra todo seu amor pelo Clube do Povo! Assista agora ao bate-papo exclusivo com este fenômeno! 🇦🇷 🇦🇹

Posted by Sport Club Internacional on Wednesday, July 1, 2020
Episódio 2 – Entrevista Cholo Guiñazú

A força do Beira-Rio está gravada na memória de Cholo Guiñazú! No segundo episódio da entrevista exclusiva para o Facebook do Inter, Cholo fala sobre a mística da nossa casa. Assista: bit.ly/GuinaEP2 ❤️

Posted by Sport Club Internacional on Thursday, July 9, 2020

O carismático argentino contou histórias de bastidores e revisitou momentos marcantes das seis temporadas que atuou com a camisa do Clube do Povo. “O time de 2008 brincava de jogar bola! Os adversários não sabiam quem marcar, e todos nós dávamos carrinho. Jogávamos de memória e, por isso, conquistamos a Copa Sul-Americana, que foi espetacular”, recordou.

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A série ‘Ídolos Eternos’ faz parte das produções digitais do Inter criadas exclusivamente para o Facebook, e também apresentará, nas próximas semanas, perfis do ex-zagueiro Pinga, campeão da Copa do Brasil de 1992, e dos lendários craques da década de 1970 Dadá Maravilha e Jajá.

A vitoriosa trajetória de Guiñazú pelo Inter

Estádio Defensores del Chaco, 27 de julho de 2006, duelo de ida das semifinais da Libertadores. Transcorridos 34 minutos da etapa inicial, Índio corta cruzamento perigoso do adversário, mas a bola sobra, na entrada da meia-lua, com o camisa 17 do Libertad, que domina no peito e, já dentro da área, chuta com a canhota. Rasteiro, o arremate beija a trave de Clemer e cruza a extensão da meta. Os donos da casa ficam com o rebote e criam nova oportunidade, defendida pelo goleiro colorado. Perigo, definitivamente, afastado. Assim foi o primeiro capítulo da marcante história entre Inter e Guiñazú, o quase algoz vermelho.


A chegada ao Clube do Povo

Alguns meses depois, no dia 14 de junho do ano seguinte, há exatos 13 anos, Clube e atleta tornaram a se cruzar. Desta vez, em episódio feliz para ambos: a apresentação de Pablo Horacio Guiñazú como jogador do Sport Club Internacional. Aos 28 anos, o volante não escondeu a ansiedade em sua primeira fala à imprensa, destacando a vontade de retribuir, o quanto antes, toda a expectativa da torcida para com seu futebol e estrutura disponibilizada a ele pelo Colorado.

Um breve hiato, no entanto, retardou o primeiro ato oficial do novo casamento. Contratado do exterior, Guiñazú só poderia estrear com a camisa do Inter a partir de agosto, quando seria aberta a janela para transferências internacionais. Desta forma, restou ao atleta se preparar para, assim que legalizado, estrear – e como El Cholo se preparou, a ponto de logo adotar Porto Alegre não apenas como residência, mas também lar!

“Estou me sentindo em casa.

Fui muito bem recebido!

O pessoal na rua me reconhece

por causa da minha careca!”

Guiñazú, antes mesmo de estrear pelo inter

“Ele é muito dedicado. Algumas vezes temos até que pedir que pegue um pouco mais leve na intensidade, para que não acabe sofrendo uma lesão. É um atleta exemplar.” Com estas palavras, Flávio Soares, auxiliar de preparação física do Clube do Povo, definiu a intensidade dos treinos do argentino. Guiñazú, inclusive, não era o único sedento por ir a campo, e tinha sua angústia compartilhada pelos igualmente recém-contratados Magrão e Jorge Luís, lateral-esquerdo.

O esperado momento de estreia chegou no dia 5 de agosto, em duelo contra o Cruzeiro, fora de casa. De grande exibição, o argentino, vestindo a 11, sobressaiu-se na região central do campo, mas nem mesmo seu ímpeto foi capaz de conter os mandantes, que atuavam diante de um Mineirão cheio. Escore final, um injusto 3 a 2.

Guiñazú seguiu encantando a torcida ao longo de todo o semestre final de 2007, especialmente a partir da chegada de Abel Braga, no mês de agosto. Treinado pelo comandante vencedor de América e mundo na temporada anterior, El Cholo se provou extremamente polivalente, muitas vezes atuando na ala esquerda do 3-5-2, assim repetindo, com Alex, dobradinha similar à que o ídolo dos chutes precisos fizera, em 2006, com Jorge Wagner. Incansável, caiu como uma luva em engrenagem já existente, assim fascinando o povo vermelho, também por sua indescritível vibração e aguçada qualidade na afiada canhota.

Novos reforços, a exemplo de Nilmar e Sorondo, foram apresentados no Beira-Rio nas semanas seguintes à chegada de Guina, assim encorpando o elenco que se preparava para alcançar grandes feitos em 2008. O ano de estreia de Cholo chegou ao fim com o Inter classificado à Sul-Americana e Pablo Horacio conquistando, de vez, a paixão dos colorados.


A pré-temporada inaugural

Embora sonhasse em colher alegrias, dificilmente Guiñazú imaginava ser tão feliz quanto foi com a camisa do Clube do Povo. Apresentando exatos sete dias após a conquista da Tríplice Coroa, não demorou para levantar sua primeira taça com a camisa colorada. Pelo contrário, o troféu chegou ainda na primeira semana de 2008.

Estou encantado pelo Inter, de coração!

Quero retribuir todo o carinho.

Tenho certeza que ainda serei muito

feliz aqui!

GUIÑAZÚ, EM ENTREVISTA CONCEDIDA NO FINAL DE 2007

Internacionalmente reconhecido e admirado, o Colorado foi convidado para participar, no mês de janeiro, da Dubai Cup, torneio disputado por instituições de grande tradição que integrou a pré-temporada alvirrubra. O período de treinos foi iniciado ainda em 2007, no dia 26 de dezembro, uma semana antes do desembarque nos Emirados Árabes, realizado após viagem de grande estilo, como a imagem abaixo comprova.

A estreia na Copa aconteceu no dia 5 de janeiro, diante do Stuttgart-ALE, e foi encerrada com vitória por 1 a 0, gol de Alex. Apenas 48 horas depois, o Clube do Povo voltou a campo para, contra a Internazionale-ITA, disputar a finalíssima, também vencida pelo Alvirrubro, agora por 2 a 1, golaços de Fernandão e Nilmar. De sua parte, mesmo tendo deixado o campo lesionado, Guiñazú foi eleito, em enquete no site do Inter, o melhor da finalíssima, dando o tom do protagonismo que exerceria no ano que estava por vir.


O primeiro título estadual

Capaz de afastar o motorzinho colorado dos gramados, a contusão não pôde se considerar vencedora na luta contra o abissal preparo físico do argentino. Após breves semanas entregue aos cuidados do departamento médico, Guiñazú retornou à ativa antes do previsto e com sangue nos olhos. Sua primeira exbição depois da injúria, ocorrida no dia 10 de fevereiro, deixava claro o tamanho do problema que aguardava os adversários colorados. Impecável, atuou por 80 minutos na ala-esquerda e foi um dos destaques na goleada alvirrubra por 5 a 0 sobre o Brasil, em Pelotas.

Titular absoluto, Guina voltou aos gramados com a mesma competência que apresentara nos meses anteriores, oferecendo grande contribuição à notória campanha alvirrubra na primeira fase do Gauchão, encerrada com 32 pontos conquistados através de 10 vitórias, duas derrotas e mais um empate. Além do tradicional brilho nos desarmes e passes, contudo, o argentino também tratou de inaugurar, nas primeiras semanas de 2008, um raro instante artilheiro em sua carreira. Ainda em fevereiro, anotou uma pintura de perna direita na goleada de 4 a 0 do Clube do Povo sobre o Nacional-PB, na fase inicial da Copa do Brasil. Já em março, o tento, marcado em um irônico carrinho, teve como vítima o Canoas, em partida de abertura das quartas de final do Estadual.

O alto nível de exibições, é bom lembrar, não ficou restrito a Guiñazú, que teve seu brilho acompanhado por diversos companheiros, fato comprovado nas goleadas aplicadas sobre Paraná, por 5 a 1, na partida de volta das oitavas da Copa do Brasil, e Juventude, derrotado na finalíssima gaúcha por acachapante escore de 8 a 1. Para a decisão contra o Papo, inclusive, Cholo deu nova demonstração de sua obstinação ao ir e campo e atuar durante os 90 minutos somente duas semanas após ser submetido a uma artroscopia! A recompensa para tamanha garra, sempre acompanhada de grande qualidade, foi a inquestionável vaga na seleção do Campeonato. Aos poucos, o que poderia ser uma corriqueira paixão platônica tomava contornos de idolatria.


A mágica formação campeã continental

Um início de Brasileirão claudicante, seguido das saídas de líderes como Fernandão, Iarley e Abel Braga, ameaçou um ano que, desde seu alvorecer, prometia grandes feitos à torcida. Foi então que o Clube do Povo se reforçou, como que anunciando, para quem quisesse ouvir, que o recente campeão de América e mundo seguia buscando taças. Desta vez, com novos nomes. Entre eles, Guiñazú, que tinha seu desempenho reconhecido, inclusive, no principal escalão do futebol mundial.

Estou muito bem no Clube,

todos me tratam maravilhosamente.

Não troco grana nenhuma por isso,

estou muito à vontade e aqui vou ficar!

Guiñazú, ao anunciar sua permanência no inter

No início do segundo semestre, o argentino recebeu propostas do futebol árabe, sedutoras pelos altos valores envolvidos, mas prontamente rechaçadas pelo atleta, que se mostrava decidido a fazer história no Inter. Na mesma época, Guiñazú virou matéria no site da FIFA, sendo definido como ‘a alma do time colorado’. Denominação, diga-se, nada exagerada para o meio-campista, um carregador de piano, como diriam os antigos, mas que exibia qualidade rara para os que costumam ocupar a faixa de campo que lhe servia de casa.

Foi exatamente contando com este aguerrido pulmão argentino que Tite construiu, para o quarto e último trimestre de 2008, um dos maiores esquadrões do Inter neste século. Verdadeira seleção alvirrubra, era escalada com um losango no meio de campo, e encontrava no camisa 5, bem como no parceiro Magrão, alicerce perfeito para o trio ofensivo formado por Alex, D’Alessandro e Nilmar. À leveza dos avantes, o argentino respondia com a dose ideal de imposição física. Era, também, a experiência internacional necessária para um reformulado grupo, bem como o responsável por caprichosos desarmes que protegiam a forte defesa estruturada por Bolívar, Índio, Álvaro e Marcão. Em outras palavras, Guiñazú correspondia a um ingrediente chave na receita da Academia do Povo campeã da Sul-Americana.

No intervalo, vimos que o Guiñazú

estava muito desanimado pela expulsão.

Então, combinamos de dar algo a mais

para vencer por ele!

NILMAR, APÓS A PARTIDA DE IDA DA DECISÃO DA SUL-AMERICANA

Eleito o melhor jogador no Gre-Nal que serviu de estreia para o Colorado no torneio, ‘El Cholo’ esteve praticamente imparável ao longo da competição. Deixou de atuar apenas na partida de ida das oitavas, preservado, e na abertura das quartas de final, lesionado para enfrentar o Boca, no Beira-Rio. Além disso, o volante, que chegou a sofrer uma luxação no cotovelo durante a Sul-Americana, também foi desfalque para a finalíssima, consequência de injusta expulsão que sofrera durante a vitória colorada por 1 a 0 sobre o Estudiantes-ARG, em La Plata. A ausência, entretanto, em nada abalou a paixão da torcida pelo craque, que teve seu nome ovacionado antes do embate que consagrou o Inter campeão.


O capitão do centenário

Mais do que campeão, Guiñazú abriu 2009 como capitão. Posto histórico, em se tratando do ano de centenário do Internacional, que foi assumido pelo infatigável volante com naturalidade, soando como simples desdobramento na caminhada que vinha trilhando desde sua chegada a Porto Alegre, marcada por liderança e exemplo. Mais do que na braçadeira, a imagem de referência exercida pelo argentino podia ser atestada na capa de chuva que usava em todos os treinos realizados no verão, vestida com o único objetivo de aumentar sua resistência física.

Se em 2007 o encaixe entre Inter e Guiñazú fora quase instantâneo, de maneira ainda mais rápida aconteceu a consagração do ídolo como capitão. Quatro meses após empunhar a faixa, levantou a taça do Gauchão, título conquistado de maneira invicta e abrilhantado por gol do argentino na final, disputada contra o Caxias. Cholo anotou o quinto dos oito marcados pelo Clube do Povo, que sofreu apenas um para reeditar o escore da decisão da temporada anterior. Excepcional ao longo do torneio como de costume, foi escolhido, ao lado de outros seis companheiros, para a seleção do Estadual.

O troféu do Rio Grande foi o primeiro dos dois que Guiñazú ergueu na temporada – o outro foi da Copa Suruga. Formando, com Sandro, nova dupla na abertura do meio de campo colorado, encontrou rápido entrosamento com a jovem promessa, e assim foi escolhido o melhor volante do Brasileirão, prova do destaque que alcançou nas campanhas vice-campeãs nacionais em 2009. No campeonato de pontos corridos, ainda marcou, contra o Goiás, seu quarto (e último) gol pelo Clube do Povo.


Campeão da América

Prestes a disputar sua primeira Libertadores com a camisa colorada, Guiñazú iniciou o ano de 2010 sonhando, é claro, mas, principalmente, suando. Na formação de Fossati, o capitão cansou de se sacrificar pela equipe, atuando em diversas funções do meio de campo em decorrência das variações do comandante, que gostava de alternar a formação entre o 4-4-2, quando local, e o 3-6-1, nas partidas disputadas longe do Gigante.

“Sonho todos os dias em

levantar a taça da Libertadores,

mas agora é hora de trabalho.”

GUIÑAZÚ, NA PRÉ-TEMPORADA DE 2010

Classificado para a fase eliminatória do torneio sul-americano na liderança de sua chave, o Inter perdeu a invencibilidade que ostentara ao longo dos grupos logo no primeiro duelo de mata-mata. Dolorido, o revés por 3 a 1 para o Banfield foi respondido, por Guiñazú, com convocação à Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, multidão tida pelo ídolo como capaz de, com sua energia, contaminar os atletas em campo. Ao todo, mais de 35 mil pessoas atenderam ao convite do argentino, lotaram o Beira-Rio e garantiram a vaga nas quartas da América!

A tranquilidade no caminhar de um capitão que objetivava apenas o triunfo

Contra o Estudiantes, Guiñazú teve exibição de luxo no gramado do Beira-Rio, sendo um dos grandes responsáveis pela vitória conquistada já nos minutos finais. Na Argentina, contagiou o elenco com seu espírito imbatível, áurea que foi fundamental para a classificação rumo às semis, conquistada nos minutos derradeiros através do esfumaçado arremate de perna direita desferido por Giuliano.

Se é verdade que o argentino chegou a ceder a faixa de capitão para Bolívar após a Copa do Mundo de 2010, também não se pode contestar o empenho do ídolo, que seguiu entregando tudo de si dentro de campo. Titular nas 14 partidas da campanha campeã, Guiñazú superou até mesmo as expectativas mais otimistas para continuar brilhando nas semis, contra São Paulo, e final, diante do Chivas. No seu melhor estilo de jogador incansável, disputou todas as 14 jornadas do Inter na competição, correndo mais de uma centena de quilômetros em campo, geralmente na luta por cada palmo do gramado, para se converter em um dos principais rostos do elenco bicampeão da América.


Novo ano, nova taça

Temporada na qual completou 200 jogos pelo Inter, 2011 também foi, para Guiñazú, um ano marcado por taças. Multicampeão, o argentino parecia não conceber a mínima possibilidade de passar 365 dias consecutivos sem levantar troféus. Logo em maio, vestiu a faixa de vencedor gaúcho, participando da última volta olímpica do Estádio Olímpico, tradicional casa de nosso rival.

O último time campeão no Estádio Olímpico

Foi em agosto, contudo, que o grande momento da temporada chegou. Lesionado, Guiñazú não disputou a primeira partida da Recopa, realizada no dia 10 de agosto, no Estádio Libertadores da América, contra o Independiente-ARG. Duas semanas depois, entretanto, o ídolo fardou sua camisa 5 e ajudou o Inter a virar o placar, aplicando 3 a 1 no ‘Rojo’ e garantindo o bicampeonato no torneio.

Elenco vencedor da Recopa Sul-Americana

No último trimestre da temporada, Cholo ainda formou, com Tinga, grande dupla de volantes, importante na boa campanha colorada no Brasileirão. Foi a partir deste momento, inclusive, que o argentino se consolidou como responsável pela abertura do meio de campo alvirrubro, exercendo a função de primeiro homem, no passado recente desempenhada por nomes como Edinho, Sandro e Wilson Mathias. Lado a lado, os motorzinhos da Libertadores de 2006 e 2010 garantiram vaga na competição continental da temporada seguinte, finalizando em grande estilo mais um capítulo vitorioso para o Clube do Povo.


O capítulo final

O último ano de ‘Cholo’ no Inter foi marcado por nova conquista, o Gauchão, seu quarto no Clube do Povo. Além disso, líder como sempre, o argentino também ajudou o Colorado a construir campanhas livres de maiores percalços ao longo de período no qual o Beira-Rio passou a acumular cada vez mais setores interditados, fruto da reforma com vistas para a Copa do Mundo do Brasil.

Igualmente em 2012, o ídolo superou a casa dos 250 jogos, aumentando e enriquecendo ainda mais sua vasta biografia com a camisa vermelha. As convocações para a Seleção, já presentes no passado recente, foram multiplicadas a ponto de, no final da temporada, Guina ser indicado, pela primeira vez em sua carreira, ao prêmio ‘Rei das América’. Craque!

Agora o Inter ganha

mais quatro torcedores:

eu, meus filhos e minha esposa!

GUIÑAZÚ, NA COLETIVA DE DESPEDIDA

A trajetória de Pablo Horacio ‘el Cholo’ Guiñazu nas cercanias da Padre Cacique foi encerrada no dia 5 de janeiro de 2013, antes mesmo do início da pré-temporada alvirrubra. Encarando problemas particulares, o ídolo teve seu pedido de desligamento do Clube prontamente atendido, em demonstração de gratidão do Colorado para com seu craque. Icônico camisa 5, o volante finalizou sua história no Inter concedendo emocionante entrevista no CT Parque Gigante.

O momento mais marcante de sua despedida, todavia, aconteceu longe dos microfones, quando foi ovacionado por centenas de colorados e coloradas que o aguardavam para um justo até logo. Somando 282 partidas disputadas, incontáveis milhões de gotas de sangue e suor despejadas, além, é claro, de uma cadeira cativa e perpétua no coração da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande conquistada, Guina, Cholo ou ídolo, chame como quiser, foi preciso ao definir a eterna relação que levará junto ao Clube do Povo por toda sua vida. Paixão, esta, recíproca, compartilhada com uma multidão que jura amor eterno ao argentino que tanto honrou o manto alvirrubro. Salve, Guiñazú!