A coroa continental completa 13 anos

Felizes somos por ter nossa biografia escrita em vermelho. Rubro tom usado pelos guerreiros antes de uma batalha, a cor se confunde à vida do Inter, legítimo combatente que jamais se permite iniciar um duelo derrotado. Gigante Colorado das glórias, cansou de reverter situações difíceis apostando no apoio da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande, que é também a mais obstinada nação de nossas terras. Com esta persistência, por exemplo, conquistamos, no dia 07 de junho de 2007, a Recopa Sul-Americana.


Pré-jogo de mobilização

É fato: o século XXI alimentou nossa determinação em lutar até o último centímetro de grama. Por diversas vezes corremos a ponto de metamorfosear sangue e barro, meião e pele, chuteira e encouraçado da bola.

Cancheiro como poucos, o Clube do Povo encerrou os primeiros 90 minutos da decisão contra o Pachuca em dívida no escore. Havíamos marcado um, pelos pés de Pato, contra dois dos mexicanos, e a virada, portanto, convertia-se em uma indigesta obrigação. Por sorte, o Inter conta com o privilégio de ver sua mística, uma das maiores do continente, crescer ainda mais em partidas eliminatórias.

O gol de Pato/Imagem: SporTV

“Devemos isso à torcida,

que nos ajudou até o final.”

ALEXANDRE PATO, APÓS O JOGO

Sabendo que a soma de campo e cimento nos faz mais fortes, a torcida vermelha adotou postura exemplar já no desembarque do elenco, marcado por recepção calorosa no Aeroporto Salgado Filho. Poucos dias depois, o povo formou, assim que iniciada a comercialização de ingressos, filas quilométricas no pátio do Beira-Rio. Embora considerável, contudo, a multidão, formada pelos milhares que peregrinaram à Padre Cacique em busca de uma entrada, tornou-se pequena quando comparada à presente no Gigante na noite da finalíssima.

Verdadeiro caldeirão, mais apimentado do que qualquer chili mexicano, nosso templo esteve tomado das cadeiras à inferior, embebedado por atmosfera capaz de contagiar o elenco alvirrubro e engolir qualquer obstáculo. Caso conquistada, a taça continental se somaria aos troféus de Mundial e Liberdadores, consagrando a tão desejada Tríplice Coroa colorada.

Escalado por Gallo, o Inter foi a campo com Clemer no gol; Ceará, Índio, Sidnei e Rubens Cardoso na defesa; Edinho, Wellington Monteiro, Alex e Pinga no meio; Iarley e Pato no ataque. Desfalcado de seu capitão, mais do que um 12º jogador o Colorado buscava, nas arquibancadas do Gigante, um sinal de protagonismo, uma demonstração de que, a despeito do tempo em que a desvantagem resistisse no placar, teria a torcida ao seu lado. Conscientes de tamanha responsabilidade, os mais de 51 mil colorados e coloradas presentes no Beira-Rio fizeram questão de, no momento da entrada dos times em campo, liquidar todas as dúvidas.

Após convocar, nome a nome, cada um dos atletas, a multidão comprovou, da melhor maneira possível, que, naquela noite, Clube e Povo seriam campeões. Apitado o início do confronto, um ensurdecedor ‘Vamo, Vamo Inter’ tomou conta da capital gaúcha.


A tensa etapa inicial

Enquanto o Gigante balançava de maneira ininterrupta, as redes custavam a ser estufadas. Não por culpa do Inter, que antes dos 15 minutos já acumulava oportunidades desperdiçadas, e sim do irônico destino, que parecia interceder nos rumos da partida, reservando boas doses de tensão ao Clube do Povo. Como desdobramento, nosso primeiro respiro aliviado chegou apenas aos 29 minutos.

“Só com o sacrifício e com o apoio

é que se consegue conquistar!”

ALEX, NA FESTA DO TÍTULO

Após passar quase um quarto de hora sem conseguir furar a defesa visitante, o Colorado chegou ao ataque em rápida tabela de Iarley e Pato. Lançado pelo jovem, o camisa 10 do Mundial foi derrubado por Pinto. Falta, dentro da área, assinalada pela arbitragem.

Alex converteu pênalti que, ao mesmo tempo em que nos aproximava do título, em nada afugentou o risco de uma escapada rival. Coube, então, ao Gigante, que antes fora atacante, começar a defender, impossibilitando qualquer princípio de troca de passes mexicana.

A canhota de Alex que fez explodir o Beira-Rio/Imagem: SporTV

Uma atuação de Rei para garantir a coroa

Logo na volta do intervalo, Pinga serviu de gasolina ao incendiário Beira-Rio, acendendo não a torcida, já efervescente, mas o clima de carnaval, digno de um título continental conquistado por brasileiro. O meio-campista recebeu grande passe de Wellington Monteiro e, de primeira, finalizou cruzado, com efeito, direto na bocheca da rede mexicana.

Ao Pachuca, não restou alternativa senão abandonar a retranca e tentar encurralar o Inter. Não contavam os mexicanos, no entanto, que pouco mais de 10 minutos após o segundo, chegaria o terceiro. Lançado pela esquerda, Pato provou o quão embalado estava pela arquibancada e, de frente para a marcação, decidiu sambar. Pobre da coluna do adversário que, entortada, viu o Beira-Rio explodir e Alexandre, de frente para a torcida, reger a festa. Golaço da jovem promessa!

Já na reta final da partida, quem decidiu entrar na roda foi Mosquera. Representando toda a América, o zagueiro se curvou à euforia colorada e, ao desviar contra o próprio patrimônio cruzamento vindo de Pinga, salsou à brasileira. Quarto gol vermelho, e jogo encerrado.

Mosquera impediu o gol de Pato, mas não a goleada alvirrubra

“Três títulos importantes,

todos estão de parabéns!

A conquista é o fechamento de 2006!”

Fernandão, depois de levantar a taça

Contínuo ao apito final, teve início uma verdadeira apoteose no gramado do Beira-Rio, com direito a invasão de torcedores que puderam, aos abraços e reverências, festejar com os atletas colorados. O relógio já se aproximava da primeira meia hora do dia 8 quando, ladeado por Fernandão e Clemer, Iarley ergueu a taça continental. Inter, campeão da Recopa e dono não apenas do continente, mas também da Coroa. Tríplice.

É CAMPEÃO!

Há 12 anos, time e torcida jogaram juntos para virar na Copa do Brasil

Não é de hoje que a sintonia entre time e torcida faz a diferença dentro de campo. Também pudera, a casa do povo colorado não ficou conhecida como Gigante à toa. À altura de sua imponência, está também a história de um estádio descrente na existência do impossível. Erguido sobre as águas de um rio por uma torcida apaixonada, o número 891 da Padre Cacique se distingue das demais canchas espalhadas pelo planeta. Sua tradição, somada às vozes de dezenas de milhares de alvirrubros, resultam em sinergia capaz de intimidar qualquer adversário. Foi assim que, em 2008, eliminamos o Paraná e avançamos às quartas no principal torneio eliminatório do Brasil.

“Da maneira como

eles vieram hoje…

realmente deixa qualquer um louco!”

FernaNdão

O Colorado gaúcho chegou às oitavas da Copa do Brasil credenciado por campanha irretocável. Na fase inicial da competição, eliminou o Nacional, da Paraíba, após triunfo por 4 a 0, fora de casa. Na sequência, diante da Chapecoense, Alex e Adriano construíram o 2 a 0 que garantiu a vaga entre as 16 melhores equipes. Superados os catarinenses, foi a vez de enfrentar a equipe curitibana, que venceu o primeiro confronto, disputado no estádio Durival de Brito, por 2 a 0, gols de Ângelo e Fábio Luis.

Com o revés, teve início semana de intensa concentração, que passou, também, pela classificação alvirrubra à decisão do Gauchão, após triunfo sobre o Caxias nas semifinais do Estadual. Dias antes do confronto de volta contra o Paraná, ingressos de vários setores já estavam esgotados, mobilização refletida em um Gigante lotado por mais de 40 mil pessoas na noite de 23 de abril, data do jogo.

Desfalcado por Alex e Guiñazú, o Inter sabia que, para avançar, precisaria de estímulos que transcendessem as quatro linhas. Enquanto a torcida fazia sua parte, cantando uníssona, o Clube do Povo tratava de atrair bons ventos para a beira do rio vestindo o mesmo branco que conquistara o mundo em 2006. No momento da subida ao gramado, o entrevistado Magrão deixou claro que o uniforme era reflexo de como o elenco encarava a partida, tida como uma decisão, para a qual Abel Braga escalou Clemer, Índio, Orozco e Marcão; Bustos, Jonas, Magrão, Andrezinho e Ji-Paraná; Nilmar e Fernandão.

“Num Beira-Rio lotado desses, não se pode esquecer de jogar com o coração.

Essa camisa já diz tudo, né? Pra nós, é final. É decisão.”

magrão

Toda euforia que antecedeu o primeiro apito, entretanto, foi ameaçada logo aos 15 segundos, quando Índio e Jonas esbarraram em disputa de bola pelo alto. O jovem levou a pior, caindo de mal jeito, batendo a nuca no chão, e não conseguiu permanecer em campo, dando lugar a Sidnei. O quadro ficou ainda mais dramático aos 3 minutos, instante em que Ângelo cruzou, Giuliano, futuro atleta colorado, escorou, e Fábio Luis completou para o gol, inaugurando o marcador.

A tragédia parecia anunciada. A classificação, praticamente impossível. Os jogadores da equipe paranaense comemoravam abraçados o tento que soava ser decisivo. O destino, no entanto, aparentemente traçado, esqueceu de avisar o povo colorado de sua inevitável chegada. Tão logo Clemer foi vencido e a rede balançou, a multidão que abarrotava as arquibancadas, sociais e cadeiras do Gigante se ergueu para empurrar o Internacional com o tradicional canto “Vamo, Vamo Inter!”. Sinta o clima:

Embalado por esta trilha sonora, Andrezinho acionou Bustos, aberto na direita. O lateral partiu para o fundo, cortou para a esquerda e suspendeu na área, devolvendo na medida para o camisa 10 colorado que, antes do relógio acusar 5 minutos, também de peito dominou e, de bate pronto, emendou bonito, rasteiro, para empatar. A torcida, que já estava em rotação elevada, entrou em polvorosa. O ritmo subiu ainda mais aos 20, quando Ângelo foi expulso após entrada violenta em Andrezinho. Pouco depois, aos 31, graças a Índio, o estádio quase explodiu.

Marcão lançou na entrada da área para Fernandão, que matou no peito e deixou atrás com Orozco. O zagueiro, por sua vez, abriu em Bustos, que com a direita levantou no pé do xerifão colorado. Forte, o arremate morreu no canto do goleiro. O Inter virava: 2 a 1. Por ter sofrido um gol como mandante, todavia, o Clube do Povo precisava marcar mais duas vezes para ficar com a vaga. Exatamente por isso, a pressão não apenas foi mantida, como elevada, assim como a tensão, capaz de, aos 34, causar espinhoso desentendimento entre Sidnei e Joélson, encerrado com os dois avermelhados.

O embate de 9 contra 10 abriu ainda mais espaços no gramado, que foram devidamente aproveitados pelo Inter. Tanto que, transcorridos 38 minutos, Nilmar invadiu a área a dribles e só foi parado após pênalti absurdamente ignorado pela arbitragem. Um minuto depois, Fernandão deixou Orozco na cara do gol, mas o goleiro Fabiano Heves conseguiu salvar chute forte do zagueiro. Passados alguns segundos, a jogada se repetiu, com o capitão alvirrubro recebendo lançamento preciso e e oferecendo assistência ainda mais açucarada para um companheiro livre. O agraciado da vez foi Andrezinho, que, vivendo noite mágica, colocou com precisão, permitindo ao Colorado descer para os vestiários a um tento da vaga às quartas.

Reiniciado o confronto, o Inter seguiu apresentando a mesma postura ofensiva dos 45 minutos iniciais. O passar do tempo, ressalte-se, até deu espaço para os primeiros sinais de nervosismo, insuficientes para abalar a moral de um grupo liderado por nosso Eterno Capitão, agraciado com noite inspirada de Andrezinho e impulsionado pelas vozes de seu povo. Aos 18, Fernandão recebeu lateral de Bustos e, de cabeça, alçou na confusão. A zaga afastou mal, nos pés do craque da noite, que teve liberdade para pensar.

Vivendo uma de suas jornadas mais iluminadas com a camisa colorada, Andrezinho honrou a 10 alvirrubra com passe milimétrico. Sem sequer dominar, colocou a redonda no peito de Magrão, que ajeitou com estilo inferior somente à finalização que logo armou de primeira, sem deixar cair, de voleio. Gol! Tremores na beira do Guaíba, que viu suas próprias águas se curvarem ao sobrenatural poder emanado da união de um povo com seu clube.

Com a classificação encaminhada, o Inter se permitiu correr menos riscos, diminuindo o ritmo alucinante que imprimira ao longo de mais de 60 minutos de confronto. Coube então à torcida, antes fundamental no ataque, vaiar cada ataque paranaense, tornando insuportável aos oponentes o som ambiente, postando-se como a mais fiel zagueira.

Maravilhosa essa torcida! O grupo se doando!

Têm três, quatro jogadores aí, com dor na perna.

ANDREZINHO

Desconfortáveis, os visitantes pouco criaram, oferecendo, em contrapartida, espaço para os contra-ataques colorados, perigo supostamente impensável para quem enfrenta o imperdoável Nilmar. Em uma de suas escapadas, o camisa 7 recebeu balão da zaga, avançou para cima da defesa, entortou a marcação e só foi parado com falta. Dentro da área. Assinalada pelo árbitro.

O cronômetro indicava exatos e pontuais 48 minutos quando Fernandão deu início à caminhada na direção da marca do cal. Tranquilo, exibindo sangue frio contrastante ao delírio da torcida, apenas deslocou o arqueiro para confirmar a vaga colorada entre as oito melhores equipes do país. Com o tento, o Inter tinha cinco. O Paraná, um. O Beira-Rio ainda celebrava quando a partida foi encerrada, abrindo espaço para as emocionadas entrevistas pós-jogo, antecedidas pela festa dos atletas com seu povo. A vaga era nossa!

FICHA TÉCNICA:

Internacional (5): Clemer; Bustos, Índio (Titi), Orozco e Marcão; Jonas (Sidnei), Magrão, Ji-Paraná (Adriano) e Andrezinho; Fernandão e Nilmar. Técnico: Abel Braga.

Paraná (1): Fabiano Heves; Daniel Marques, Luiz Henrique e João Paulo; Ângelo, Jumar (Cristian), Léo, Giuliano (Clênio), Everton e Joélson; Fábio Luiz (Goiano). Técnico: Paulo Bonamigo.

Gols: Fábio Luiz (P), aos 3’/1º T. Andrezinho, aos 4’/1ºT, Índio, aos 31’/1º T, Andrezinho, aos 41’/1º T, Magrão, aos 18’/2º T, e Fernandão, aos 48’2º T (I).

Cartões amarelos: Bustos e Marcão (I). Léo, Daniel Marques, Éverton (P). 

Expulsões: Ângelo e Joélson (P). Sidnei (I). 

Renda: R$ 361.091,00. 

Público: 41.837 (38.263 pagantes). 

Arbitragem: Wagner Tardelli Azevedo (SC), auxiliado por Dibert Pedrosa Moisés (RJ) e Claudemir Mafessoni (SC). 

Local: Beira-Rio.