No dia do aniversário do Beira-Rio, relembre a história das primeiras casas coloradas

Casa do povo colorado, o Beira-Rio completa, nesta segunda-feira (06/04), 51 anos. Endereço dos mais tradicionais do futebol sul-americano, serve de morada ao Internacional desde que o Clube tinha 60 anos. Palco de conquistas históricas, viu o Colorado se sagrar, entre outros feitos, tricampeão brasileiro e bicampeão da América. Antes de sua inauguração, contudo, o Inter já estava nacionalmente consagrado e devidamente profissionalizado, muito graças a outros templos que lhe serviram de residência. Relembre, agora, a história das primeiras casas alvirrubras!

O berço

Nosso primeiro campo foi o nostálgico Ground da Rua Arlindo, localizado na Ilhota, região marginal, habitada por negros e operários. Zona popular e carnavalesca. Berço de muitos anônimos, e também de Tesourinha e Lupicínio Rodrigues. Atualmente, a região equivale ao terreno que se estende da Praça Garibaldi até a Avenida Ipiranga, passando pelas Avenidas General Lima e Silva e Getúlio Vargas.

A Ilhota, nos arredores da Rua Arlindo

De sua parte, o campo pode ser rememorado no terreno vizinho ao Hospital de Porto Alegre, onde hoje se encontra a Praça Sport Club Internacional. Sobre o relvado, verdade seja dita, os grandes embates ali sediados foram disputados pelos próprios moradores da região. Constantemente alagado, recebeu apenas treinos, mas nunca jogos do Inter. Assim, foram os habitantes locais que, afastados das principais ligas da capital, protagonizaram naquele enlameado gramado campeonatos de altíssimo nível, hoje reduzidos ao pejorativo nome de Liga da Canela Preta.

Visão aérea do ‘Ground’

A brevidade da Ilhota em nossa história, contudo, não torna a região parte de um capítulo insignificante na biografia do Inter. Mais do que uma lembrança já centenária, a região segue viva no imaginário de nossa torcida, que jamais esquecerá do endereço que serviu de boêmio e operário berço colorado.

Palco dos primeiros prélios

O Campo da Várzea foi o primeiro a receber nossas partidas. Localizado em frente ao Colégio Militar, no Parque da Redenção, sediou nossa primeira vitória, diante de mais de mil pessoas. Era 10 de outubro de 1909, e nossa torcida já mostrava que era quem melhor entendia de torcer, mesmo que os contemporâneos não gostassem. Ou não entendessem.

Imagem aérea do Campo da Várzea

Na Várzea, uma vez mais ocupamos região popular. Desta vez, a Colônia Africana, formada por ex-escravizados que viam naquela zona bucólica uma chance de constituir comunidade, de começar uma vida que sempre lhes fora privada. A esperança recaia justamente sobre o futebol, um ambiente até então restrito à aristocracia da capital. Em 1912, entretanto, fomos obrigados a deixar este endereço tão entusiasta. Ficava evidente que o Inter precisava ter uma casa – se não comprada, ao menos alugada, mas não mais emprestada.

A Chácara dos Eucaliptos

Foi na Azenha, de frente para a José de Alencar, que levantamos nossa primeira taça, o Campeonato Metropolitano de 1913. Durante os 18 anos que por lá vivemos, também conquistamos, pela primeira vez, o Rio Grande, em 1927. Mais populares do que nunca, ali ainda recebemos nosso primeiro jogador negro, Dirceu Alves.

Afirmado como um clube vencedor, consolidado e prestigiado, o Colorado alugava o terreno de um Asilo local. O passar dos anos, todavia, tornou intensos os desentedimentos entre Inter e proprietários, levando o Clube a alimentar o sonho de possuir uma casa própria. Até que Ildo Meneghetti não se contentou com a simples fantasia.

Da Chácara, nosso eterno patrono levou o Clube, seu povo e algumas mudas de Eucaliptos para a Rua Silveiro. Não sabia na época, mas este grande passo estava também nos elevando de um patamar estadual para o posto de protagonista nacional – e anfitrião mundial.

O Estádio dos Eucaliptos

A estrutura que formava o Estádio dos Eucaliptos

A maioridade. Símbolo de uma vida autogovernada, independente, conquistada a partir da casa própria. Utopia de quase todos jovens adultos e adolescentes, compartilhada pelo Inter nos idos anos 20, e que virou realidade, graças à ajuda de nossa torcida, em 1931. Multidão vermelha, que ainda hoje pode ser escutada por ouvidos mais atentos que circulam entre as Ruas Silveiro, Dona Augusta, Barão do Cerro Largo e Barão do Guaíba.

Em um primeiro momento, como não poderia deixar de ser, quem pela região caminha afirma ouvir o espocar de foguetes no ar. Provavelmente sejam os fogos estourados pelo Departamento de Cooperação e Propaganda (DCP), projetado por Vicente Rao, no momento da entrada dos times em campo, fazendo a festa no apoio ao Clube do Povo.

Torcida colorada nos Eucaliptos

Conforme o pedestre avança na direção da zona sul, consegue compartilhar a tensão que antecedia cada um dos milagres de Ivo Winck e Milton Vergara, ou os precisos desarmes de Nena, Alfeu, Oreco e Florindo. Todos estes, é claro, acompanhados dos inconfundíveis e indecifráveis bravejos de Charuto, apoiando o seu Colorado até o último dos apitos, mesmo que ele venha depois do último gole.

Na sequência, o ar fica rarefeito, como se milhares prendessem a respiração subitamente, esperando pela assistência genial de Salvador, Odorico, Assis, Ávila e Abigail. Logo depois, a charanga sobe o som, ditando o ritmo da dança que Tesourinha, Russinho e Luizinho impunham aos infelizes adversários antes de, em um toque de mágica, lançarem Bodinho, Carlitos e Larry.

Povo colorado, sempre com o Inter, tomando as arquibancadas do antigo estádio

O trio domina no mesmo momento que a rua chega ao fim. Curiosamente, neste instante ela treme. Ruge. Explode. É gol do Inter, de Rolo Compressor e de Rolinho, que conquistam qualquer um de seus quinze estaduais vencidos ao longo dos 38 anos da era Eucaliptos.

Atravessando para a próxima quadra, o distraído andarilho se pergunta o porquê de um endereço com tanta história e tão alvirrubro ter sido deixado pelo Clube do Povo. A dúvida, contudo, não dura muito tempo. Poucos metros à frente, o Beira-Rio domina a mais bonita das paisagens de Porto Alegre e serve de justificativa. Por maior que fosse, percebe, o Estádio dos Eucaliptos ainda não era um Gigante.