De joia a ídolo: relembre a trajetória de Taison no Inter

O PASSISTA DO BEIRA-RIO VOLTOU! Fiel representante da essência do Clube do Povo, Taison está de volta ao Gigante. Anunciado na tarde desta sexta-feira (16/04), o ídolo retorna ao Inter para escrever novos capítulos em história que já conta boas doses de superação, alegria, taças e, é claro, muita irreverência vestindo vermelho.

Oriundo do pelotense Progresso, clube de sua cidade natal, Taison chegou ao Celeiro de Ases no ano de 2005. Jogador de extrema velocidade e dribles desconcertantes, foi descoberto durante confronto contra o próprio Inter. A partir de então, passou a ser cuidadosamente lapidado na base do Clube do Povo, onde viveu pouco mais de dois anos e atuou pelas categorias Sub-17 e Sub-20 até a promoção para os profissionais, oficializada no início de 2008.

À época, o mês de maio, inaugurado com taça estadual, não ofereceu final feliz para o Inter. Oscilante, o Colorado acumulou derrotas, por Brasileirão e Copa do Brasil, que culminaram com troca no comando técnico e despedida de ídolos. Neste cenário instável, Taison debutou entre os profissionais do Clube do Povo. No Estádio do Canindé, o jovem substituiu Magrão quando o relógio indicava 34 minutos da etapa final, e pouco pôde fazer para evitar o tropeço colorado para a Portuguesa, vitoriosa naquele domingo dia oito.

“Olha para trás, Taison.
Está todo mundo te observando e,
no dia do jogo, vai ter muito mais.
Tens que dar o teu melhor,
pois tu vai acertar!”

TIte, em seus primeiros treinos À frente do INTER
Taison e Cléber Xavier, auxiliar colorado durante a passagem de Tite

Os dias que sucederam o revés em São Paulo ficaram marcados por novas mudanças. Primeiro, Tite chegou. Pouco depois, Fernandão, nosso eterno capitão, deixou o Inter. O ataque vermelho, assim, sofria grande baixa, lacuna que aumentava a pressão sobre Taison. Felizmente, neste exato momento o jovem encontrou um amigo e fiel escudeiro na casamata do Beira-Rio. O novo comandante, em breve ficaria claro, era um entusiasta do futebol da cria colorada.

“Se o professor precisar de mim,
estou pronto para dar
o meu melhor.”

TAISON, SOBRE A CHEGADA DE TITE

Não demorou para Tite precisar de Taison. Em sua segunda partida à frente do Inter, o comandante deu novos minutos ao jovem, alçado a campo aos 22 da etapa final de partida contra o Vitória, em Salvador. O desempenho agradou a ponto de o pelotense ser escalado como titular no confronto seguinte. Formando dupla com Nilmar, a cria do Celeiro iniciou o Gre-Nal 370, disputado no Olímpico e válido pelo primeiro turno do Brasileirão. Missão difícil? Não para o futuro craque, escolhido o melhor do Inter no empate em 1 a 1.

Taison não sentiu o peso do primeiro clássico que disputou pelo Inter

Faltava a Taison apenas a estreia no Beira-Rio, que chegou no dia seis de julho. Diante do Coritiba, o insinuante avante ocupou papel de destaque em linha de frente compartilhada com Alex e Nilmar. Protagonista na vitória por 3 a 0, brilhou com dribles, ocupou o papel de garçom e fez os zagueiros adversários, infernizados com seu ritmo de garoto, acumularem cartões amarelos.

“A torcida é quem dá apoio para nós, estou muito emocionado. Temos muito o que mostrar ainda. Sempre sonhei em ter este reconhecimento, em ouvir a torcida gritando o meu nome no Beira-Rio. Que bom que isso aconteceu. O Inter apostou em mim, por isso quero dar o meu melhor.”

Taison, após estrear no Gigante

Se a parceria com nomes marcantes a exemplo de Alex, Tite e Nilmar avançava em velocidade equiparável apenas à das pernas do pelotense, o primeiro gol da joia pelo Inter apresentou uma nova dupla que faria história no Beira-Rio. A chuvosa noite de 20 agosto pareceu embalar D’Alessandro, que criou linda jogada para Adriano finalizar. Marcos defendeu, mas o rebote foi de Taison, que não hesitou em fuzilar. O Clube do Povo chegava a quatro, o Palmeiras seguia com um, e a cria do Celeiro estreava na lista de goleadores alvirrubros. Festa, no Beira-Rio, com El Cabezón!

A festa com o primeiro gol de Taison!

Grande conquista colorada em 2008, a Sul-Americana também presenciou atuações de luxo do jovem colorado. Importante na fase de oitavas, quando o Inter enfrentou a Universidad Católica com equipes mistas, Taison saiu do banco no histórico triunfo de 2 a 1 sobre o Boca, na Bombonera.

Seu momento de maior brilho na campanha – e, provavelmente, na temporada -, veio na sequência, na partida de volta das semifinais. Titular diante da ausência de Alex, convocado para a Seleção Brasileira, a joia serviu Nilmar nos dois gols marcados pelo parceiro na vitória por 4 a 0 sobre o Chivas.

A mágica Academia do Povo de 2008 já contava com Taison (20)

O show particular contra o Chivas, inclusive, ocorreu no embalo do segundo gol de Taison pelo Inter, marcado dias antes, durante goleada sobre o Ipiranga. Anotado em bonito chute de fora da área, o tento foi o último marcado pela cria no seu ano de estreia entre os profissionais.

Para além das bolas na rede, contudo, a participação do jovem pelotense também foi decisiva através de dribles insinuantes. Na finalíssima continental, contra o Estudiantes, foi Taison quem esbanjou coragem para encarar dois marcadores, um deles Desábato, e cavar o escanteio que originaria o inesquecível gol de Nilmar.

Taison, o terceiro agachado da direita para a esquerda

“Tive a felicidade de entrar e marcar. Agora, vou continuar trabalhando
para conquistar uma chance

do técnico Tite.”

Taison, após partida contra o são josé-poa

A titularidade absoluta de Taison chegou em 2009. Avassalador, o jovem saiu do banco na segunda rodada do Gauchão para marcar dois gols na brigada vitória de 3 a 1 do Inter sobre o São José e, a partir de então, se consolidar nos 11 iniciais de Tite. O último gol do jovem na partida, vale lembrar, saiu já nos instantes finais de jogo.

Aos poucos, a camisa 7 conhecia seu mais novo dono

Novo dono da camisa 7 colorada, Taison voltou a marcar na semana seguinte, participando de importante 4 a 0 em cima do Sapucaiense. Logo depois, outro doblete, contra a Ulbra, confirmou o inspirado início de temporada do jovem. No horizonte, um clássico Gre-Nal despontava como momento perfeito para o pelotense referendar o recente protagonismo.

“Todo mundo brinca que eu sou um raio. Então, o Nilmar é o papa-léguas!”

Em Erechim, Taison foi gigante. Uma vez mais, o jovem provou que sua estrela vai muito além dos gols, e protagonizou contra-ataque histórico com Nilmar. Em alta velocidade, a dupla transformou lance de perigo do rival em rabisco eternizado na retina do povo vermelho. O gol, segundo do Inter, garantiu vitória por 2 a 1 no primeiro clássico do ano de nosso centenário.

Taison e Bolívar, futuro e passado, então juntos no presente

O ritmo goleador não apenas foi mantido até o fim do primeiro turno estadual, conquistado em Gre-Nal disputado no Beira-Rio, como também renovado nas semanas seguintes. Campeão da primeira fase, o Inter também venceria o returno do Rio Grande, desta vez com goleada histórica sobre o Caxias. Autor de 15 gols no torneio, muitos deles decisivos, a exemplo do anotado em cima do Grená, Taison encerrou o Gauchão no topo da artilharia.

“Taison ou Messi?

Depois do Rio Grande, o Brasil inteiro também teve a oportunidade de se curvar à fase estrelada de Taison. Autor de gol nas fases segunda, de oitavas, quartas e semifinal da Copa do Brasil, o craque chegou a suscitar, em partida contra o Coritiba, que abriu a disputa por vaga na decisão, questionamento marcante da imprensa gaúcha. Como esquecer da heresia do saudoso Wianey Carlet, que ousou comparar o menino de Pelotas a Lionel Messi? Na noite de 27 de maio de 2009, os colorados e coloradas perceberam quem era melhor.

O Brasileirão, vale lembrar, também serviu de solo fértil para grandes exibições de Taison. Peça importante na excelente arrancada do Clube do Povo na competição, o atacante desenvolveu, ao longo do torneio, simpatia cada vez maior pelo corredor esquerdo do gramado, consequência da cada vez mais evidente defasagem do sistema 4-4-2, revolucionado por Mourinhos e Guardiolas.

Desacompanhado de Nilmar, negociado com o futebol espanhol, o camisa 7 encontrou parceria com outros nomes de destaque no Inter de então. Ao lado de Giuliano, Marquinhos, Alecsandro e companhia – além dos companheiros mais longevos, é claro -, Taison ajudou a classificar o Colorado, vice-campeão nacional, para a Libertadores seguinte.

Titular na última rodada do Brasileirão, Taison deu assistência para Giuliano na partida

O Taison, com velocidade, caiu
em cima
da última linha
do Emelec.”

fossati, depois da estreia nos grupos da libertadores
Taison abriu a temporada com gols no Gauchão…

A estreia do grupo principal colorado em 2010 ocorreu diante do Juventude. Titular, Taison marcou gol no Beira-Rio, logo acompanhado pelo segundo da temporada, tento anotado na terceira partida que disputou no ano. Com a chegada de Jorge Fossati para a casamata, todavia, o elenco passou a conviver com maior rotatividade na linha de frente.

Desta forma, o camisa 7 abriu a Libertadores na reserva do 3-5-2, mas entrando em campo para mudar esquema e postura do lado vermelho, contribuindo na virada sobre o Emelec. Também partindo do banco, a cria do Celeiro atuaria em outras quatro das cinco partidas que completaram a participação alvirrubra na fase de grupos da América.

Habituado a fazer a diferença em momentos decisivos, Taison viveu, na abertura das quartas de final, sua primeira grande noite no principal campeonato de clubes do continente. Contra o Estudiantes, foi o escolhido de Jorge Fossati na busca por espaços na retaguarda argentina, que emperrara o jogo colorado ao longo de todo o primeiro tempo.

Camisa 7 incomodou o Estudiantes

Chamado pelo técnico aos 18 minutos, o camisa 7 cumpriu sua missão com louvor. Garçom para gol de Alecsandro, anulado por centímetros, atordoou o corredor direito da defesa pincha, estonteando Cellay. Não por acaso, neste setor surgiu a falta cobrada por Andrezinho e desviada, em direção ao gol e à vantagem, por Sorondo.

“Venho treinando com dedicação,
quero aproveitar
esta chance!”

Taison, durante a intertemporada

A Copa do Mundo de 2010 paralisou a disputa dos campeonatos de clubes, oferecendo intertemporada fundamental para Celso Roth, substituto de Fossati, conhecer o elenco do Clube do Povo. Com as atenções completamente voltadas para as semifinais da Libertadores, o Inter ainda pôde tornar preparativos os quatro jogos que tinha por disputar pelo Brasileirão antes de enfrentar o São Paulo na luta por vaga na final da América.

“Fiquei morto após a arrancada, mas valeu o empenho!”

Decidido a conquistar o continente com o Colorado, Taison marcou dois gols nas quatro vitórias alcançadas pelo Inter antes do embate com os paulistas. O primeiro, anotado em jogada de altíssima velocidade, saiu logo na retomada do Brasileirão, contra o Guarani, em Campinas. O outro, uma pintura, saiu na partida anterior à semifinal. No Beira-Rio, o camisa 7 fez o acertou lindo chute de perna direita no ângulo da meta flamenguista.

Meu gol não me garantiu contra o São Paulo. Tenho certeza de que todos querem jogar.”

Que se registre para a posteridade: Taison viveu uma noite inspirada contra os paulistas. Disputados no Beira-Rio, os primeiros 90 minutos das semifinais da América tiveram no camisa 7 seu grande nome. Dono de crescente entrosamento com Kleber, o proprietário da ponta-esquerda de ataque do Inter participou de duas grandes oportunidades, milagrosamente defendidas por Ceni. Substituído por Sobis a instantes do apito final, deixou o campo justamente ovacionado pelas cerca de 50 mil pessoas presentes no Gigante.

Taison perturbou a zaga do São Paulo

Talhado para encarar momentos de tensão com a típica leveza dos craques, Taison sempre irritou marcadores que não compreendem a hierarquia exercida pelo pelotense dentro de campo. À pressão de 60 mil gargantas paulistas, ele respondeu com a tranquilidade característica de quem carrega o DNA do Celeiro, eternamente cassada pelos rivais. Fracassada para quem enfrenta Andrés D’Alessandro, a perseguição ao 7 valeu para o gringo falta cobrada na medida certa para o finalista resvalo de Alecsandro.

“Foi uma vitória muito importante.
Agora, vamos trabalhar forte
para o jogo da volta.”

taison, depois do jogo em guadalajara

Iniciada fora de casa, a decisão continental seguiu roteiro parecido ao do jogo de volta das semis. Liso como de costume, Taison seguiu oferecendo aos adversários um único caminho para ser interrompido: as faltas. Diferente do que ocorrera em São Paulo, entretanto, a melhor oportunidade que o jovem cavou em Guadalajara não virou gol – por detalhe. Alecsandro, desta vez, mandou no travessão. Sem problemas, graças ao grande segundo tempo colorado, premiado com vitória por 2 a 1.

Piscou? Perdeu!

Nova final, novo brilho. No gol de Rafael Sobis, do empate no Beira-Rio, foi Taison quem, atento à luta de Guiñazú, recuperou a posse para o Colorado e acionou D’Alessandro. Do Cabezón a bola seguiu até Tinga, que abriu tudo com Kleber, garçom da noite. O camisa 7, como de costume, era decisivo.

Sacado de campo logo após o empate, Taison acompanhou do banco os minutos que antecederam a consagração do Inter como bicampeão da América. Encerrada a partida, ele vivia o sonho de todo colorado. Pela segunda vez na história, seu time do coração conquistava a maior taça do continente. Pela primeira, com participação direta dele.

A emocionada euforia de um campeão da América/Foto: Ricardo Duarte

A reafirmação do futebol de Taison ao longo da campanha, coroada com a taça da Libertadores, não passou despercebida pelo mercado europeu. Assim, na semana seguinte ao Bi da América, o camisa 7 disputou, diante do Avaí, a última de suas 137 partidas com o Inter.

“Estou muito feliz por estar de volta a minha casa.
De volta a todos vocês, colorados.
Estou muito feliz, vocês
não têm noção.”

TAISON, NESTA SEXTA, EM LIVE NO PERFIL DO INTER

Casa adversária, a Ressacada presenciou tanto os últimos movimentos de Taison vestindo vermelho quanto as lágrimas que correram no rosto do craque após o jogo, no vestiário visitante. Quase 11 anos depois, o Clube do Povo agora volta a fazer sua cria chorar. Desta vez, de alegria. Bem-vindo de volta, ídolo!

D’Ale Para Sempre – documentário inédito

Não é fácil se despedir de um dos maiores jogadores da história centenária de um clube, da mesma forma, não é simples contar como foram mais de 12 anos de idolatria, amor e conquistas. D’Ale Para Sempre é um documentário que mostra imagens únicas e exclusivas de um camisa 10 que ficou eternizado na memória e no coração de todos os colorados.

Da sua chegada em julho de 2008, passando pela conquista inédita da Sul-Americana, o bicampeonato da Libertadores da América, o título da Recopa Sul-Americana, os diversos Campeonatos Gaúchos, o homem Gre-Nal, o gol histórico da reinauguração do Beira-Rio, o dia do Fico, a primeira despedida, o retorno, os recordes individuais até chegar em dezembro de 2020, a despedida.

Vídeos, entrevistas, fotos. Uma história contada pelo seu protagonista. Andrés Nicolás D’Alessandro abre o seu coração, a sua casa e deixa um legado incalculável. Argentino, canhoto, camisa 10, que representou dentro e fora de campo milhares de pessoas. Que se tornou brasileiro, com filho gaúcho e cidadão de Porto Alegre. Um gigante das causas sociais, um exemplo para todos que acreditam num mundo melhor.

Um documentário que deixa registrado todos esses anos de paixão, de um matrimônio, de algo que ficará para a eternidade: D’Ale Para Sempre.

D10S: Há 12 anos, D’Alessandro era oficialmente apresentado

Com festa, o recebemos. Diferenciado, provou-se capaz de transformar centímetro em hectare, segundo em eternidade. Assim, evoluiu: de gênio para amor, depois ídolo e, enfim, divindade. Há 12 anos, D’Alessandro, um dos maiores de nossa história, era oficialmente apresentado pelo Inter. Marcada, desde o desembarque, por grandes emoções, a trajetória do craque esteve repleta de estreias em sua primeira temporada. Relembre-as agora!


O primeiro contato


As primeiras linhas da história entre Andrés Nicolás D’Alessandro e Sport Club Internacional foram escritas no dia 30 de julho de 2008. Gélida quarta-feira invernal, a data conviveu, desde cedo, com grande movimentação de colorados e coloradas no Aeroporto Salgado Filho. De todos os cantos, centenas desejavam receber o mais novo reforço alvirrubro, que desembarcou às 18h35 do horário de Brasília. Poucos minutos depois, o argentino ouviu, no lugar do intenso zunido das turbinas de aeronaves, som ainda mais estrondoso. Este, proferido pela torcida colorada que, a plenos pulmões, alternava do ‘Vamo, Inter!’ ao Dale, D’Alessandro!

As expectativas, vale lembrar, eram grandes em ambos os lados. Para o Clube do Povo, D’Ale simbolizava a ambição de um time que queria mais e seguia sedento por títulos mesmo depois de conquistar América e Mundial. Carregando status de jogador diferenciado, o gringo era a grande aposta para superar quaisquer desconfianças com a reformulação do elenco, que recentemente perdera Iarley, seu camisa 10, e Fernandão, capitão, além do comandante Abel Braga. Nem o mais otimista apaixonado poderia imaginar, contudo, que o buenairense que desembarcava na capital gaúcha assumiria, com o tempo, os dois papéis: de referência técnica, vestindo o número dos gênios, e também anímica, empunhando faixa costurada nos braços de gigantes.

De sua parte, D’Alessandro sonhava em atingir, no Inter, o patamar que sempre provou ser capaz. Revelado pelo River Plate, precisou de poucos anos para virar o grande craque do time hermano. Referência técnica também da Seleção Argentina Sub-20, campeã mundial em 2001, foi negociado, dois anos depois, com o Wolfsburg, da Alemanha. No velho continente, atuaria ainda por Portsmouth, da Inglaterra, e Zaragoza-ESP. Já em 2008 regressou, por empréstimo, ao seu país natal, onde disputou, com o San Lorenzo-ARG, boa Libertadores. O Clube do Povo, portanto, representava o sonho de afirmação do atleta. Também ele não sabi, mas, em breve, começaria a trilhar, a passos largos, roteiro rumo à eternidade alvirrubra.


A estreia


D’Alessandro teve seu nome registrado no Boletim Informativo Diário (CBF) da CBF em 11 de agosto, seis dias depois de começar a trabalhar com seus companheiros. Já devidamente integrado ao grupo, o craque estava, assim, pronto para estrear com a camisa colorada. A partida mais próxima no horizonte, por ironia do destino, era um Gre-Nal. Duelo sempre único, o clássico da ocasião, que teria como palco o Beira-Rio, era ainda mais especial, uma vez que valia pela abertura da primeira fase da Sul-Americana. Após breves contatos com o povo vermelho, tanto no desembarque quanto em seu primeiro treino, acompanhado por 300 pessoas, El Cabezón conheceria, enfim, a força do Gigante lotado.

Cerca de 30 mil pessoas tomaram as arquibancadas do Beira-Rio na noite de 13 de agosto de 2008, data do Gre-Nal 371. Comandado pelo técnico Tite, o Inter, desfalcado de Alex e Nilmar, foi a campo no esquema 3-5-2. Protegido em sua meta por Clemer, o time colorado contava, na defesa, com a segurança do trio Índio, Sorondo e Bolívar. Wellington Monteiro fez a ala-direita, e Nery a esquerda. Na volância, Edinho e Guiñazú conferiam sustentação ao Clube do Povo, que apostava na dupla de ataque formada por Daniel Carvalho e Adriano. Completando a formação estava, é claro, D’Alessandro. Camisa 15 às costas, o argentino era o responsável por armar as tramas ofensivas alvirrubras.

A partida começou a se provar histórica ainda antes do apito inicial. Tradicional rito da torcida colorada na abertura de confrontos disputados no Beira-Rio, os nomes dos atletas titulares foram, um a um, enunciados pelo público. Após saudar Guiñazú, hermano que, àquela altura, já conquistara o coração do povo vermelho, o Gigante celebrou, pela primeira vez em seus 38 anos, Andrés Nicolás D’Alessandro. Perfeito, o canto dedicado ao gringo fez tremer a estrutura do templo alvirrubro, endereço que não costuma se curvar facilmente a jogadores estreantes. De certa forma, nossa casa parecia saber que o canhoto meio-campista faria história em seu gramado, e deixava esta profecia clara à multidão presente nas arquibancadas, que eufórica bradava D’Ale.

Naturalmente à procura do melhor entrosamento com seus companheiros, D’Alessandro compensou qualquer falta de ritmo com enorme movimentação. Insinuante, o gringo não economizou suor na luta por espaços, aparecendo ora pelos lados, ora centralizado. O tradicional refino na cobrança de bolas paradas também foi percebido em escanteios e faltas que aterrorizaram a defesa tricolor. Titular durante os 90 minutos, somente deixou de cobrar o pênalti colorado na partida, convertido por Daniel Carvalho. Minutos depois, Léo empataria para os visitantes, dando números finais ao confronto, primeiro dos atuais 486 que D’Ale, terceiro jogador que mais vezes vestiu o manto alvirrubro, disputou pelo Inter.


Surge o garçom


O dia 20 de agosto de 2008 pode ser entendido como um divisor de águas na história recente do Internacional. Na data, Alex, D’Alessandro e Nilmar atuaram juntos pela primeira vez. Trio de ouro, responsável por completar a nominata de geração que marcou época com a camisa colorada, estreou em jogo da segunda rodada do returno nacional, diante do Palmeiras. No Beira-Rio, debaixo de chuva fraca, mas constante, o Clube do Povo foi a campo em busca da reabilitação no Campeonato Brasileiro.

O azar, presente em recentes frustrações do Clube do Povo no certame, ameaçou a quinta-feira colorada logo cedo. Aos três minutos, Alex Mineiro cavou e cobrou pênalti para os visitantes. Pouco depois, Diego Souza ainda desperdiçaria clara oportunidade de gol. O bom momento, entretanto, subiu à cabeça dos palestrinos, que, ansiosos por marcar o segundo, esqueceram do poderio ofensivo colorado. A consequência? A virada, construída em um minuto. Primeiro, aos 18, Alex cobrou falta na cabeça de Índio, que empatou. Depois, aos 19, o canhoto camisa 10 soltou uma bomba de fora da área para colocar o Inter na frente.

A magra vantagem do Inter resultou em um começo de segundo tempo bastante agitado. Principal nome da etapa inicial, Alex, que retornava de lesão, precisou ser sacado cedo, aos 11. Sem o camisa 10, D’Alessandro ocupou protagonismo ainda maior na criação de jogadas. De modo praticamente simultâneo à saída do companheiro, que deixou o campo para a entrada de Taison, El Cabezón brigou contra dois marcadores, levou a melhor e cruzou rasteiro para Nilmar, que finalizou de primeira levando perigo à meta de Marcos. Pouco depois, aos 16, o craque argentino bateu falta pela esquerda da área paulista. Açucarada, a bola viajou até a segunda trave para, dentro do retângulo pequeno, encontrar Índio. Goleador, o zagueiro não perdoou. No placar, 3 a 1, e o camisa 15, logo em sua terceira exibição com o manto alvirrubro, já servia a primeira das 113 assistências que hoje soma pelo Clube do Povo.

Momento histórico: a primeira assistência de D’Alessandro pelo Inter

Já nos acréscimos, enquanto a torcida celebrava a vitória, D’Ale deu lindo corte na marcação e deixou com Adriano, dentro da área rival. O atacante dominou com a esquerda, limpou para a direita e soltou um foguete, espalmado por Marcos. O rebote, dentro da área, foi de Taison, que fuzilou para anotar o quarto. Goleada alvirrubra, celebrada com dança por seu autor e o garçom argentino, que aos poucos começavam a nutrir belíssima amizade.


O gol de número 1


O alto nível das primeiras atuações de D’Ale no Inter foi reconhecido, ainda no mês de agosto, com convocação do craque para a Seleção Argentina. Desfalque na 24ª rodada do Brasileirão, o gringo retornou a tempo de atuar contra o Botafogo, na jornada seguinte. Realizado no Engenhão, o confronto diante dos cariocas foi o primeiro disputado pelo inesquecível losango de Tite. Armador, El Cabezón correspondia ao vértice superior do meio de campo colorado, enquanto Edinho fazia a base. Pela direita, quem atuava era Magrão, ao lado do canhoto Guiñazú. O quarteto, ilustre, antecedia a dupla Nilmar e Alex.

O duelo contra os cariocas também contou com brilho do trio ofensivo alvirrubro. No primeiro tempo, aos 30, D’Alessandro, demonstrando grande entendimento das características de seu companheiro, lançou Nilmar em velocidade. Na corrida, o atacante venceu até mesmo o goleiro carioca para cruzar na direção do gol, onde Alex, livre, apenas completou. Inter na frente!

A grande pintura da noite ainda estava por vir. No início do segundo tempo, Guiñazú e Taison escaparam em grande tabela pela esquerda que chegou às cercanias da meta carioca, onde o argentino acionou seu compatriota D’Alessandro. El Cabezón dominou com a direita, já colocando na frente e invadindo a área. Com ângulo para arrematar de canhota, enquadrou o corpo e enganou o zagueiro Renato, que decidiu dar o bote. Genial, o camisa 15 colorado cortou para dentro, deixou o marcador no chão, reconduziu para fora e, com o pé bom, arrematou rasteiro. Golaço, o segundo do Clube do Povo no jogo, primeiro dos 94 marcados por D’Ale com o Inter.

Na comemoração, o futuro ídolo, eufórico com o marco que alcançava, e também com a jogada que produzira, convocou todos seus companheiros para o abraço. Destaque, é claro, para a celebração com Taison, reafirmando a crescente amizade da dupla.

O Botaofogo até conseguiu descontar, marcando o seu com André Luiz. A proximidade no placar, contudo, não resultou em grande pressão do time da casa. Maquiavélico, D’Ale assumiu o controle da partida e passou a ditar o ritmo de cada movimento realizado dentro de campo, escolhendo, a bel-prazer, quando o jogo deveria ser acelerado ou ter seu ritmo diminuído.

Com espaço no centro do campo, o gringo desfilou, sempre de cabeça erguida, inversões milimétricas, passes teleguiados, dribles desconcertantes e uma boa dose de experiência hermana. O show de Andrés apenas foi finalizado quando o camisa 15 deixou o campo para a entrada de Rosinei, que ajudou o Inter a garantir os três pontos.


Homem Gre-Nal


Do alto de seus 51 anos de vida, o Beira-Rio ostenta história rara entre os estádios do mundo. Ao longo das últimas cinco décadas, o Gigante já serviu de palco para diversas gerações vitoriosas e craques renomados. Foi ele, por exemplo, quem revelou Falcão, muito vibrou com Valdomiro, reverenciou Jair, aplaudiu Lula, amou Rubén Paz, eternizou Fernandão e consagrou Sobis, entre muitos outros geniais criadores. Sozinha, nossa casa sabe ocupar o papel de protagonista para superar batalhas difíceis. Humilde, também consegue servir de moldura perfeita aos espetáculos de artistas colorados. Poucas exibições foram tão belas quanto a oferecida por D’Alessandro no dia 28 de setembro de 2008.

D’Ale chegou ao Inter talhado para encarar o significado do Gre-Nal. Duas semanas depois de estrear com a camisa colorada no maior clássico do país, o argentino seria um dos destaques do jogo de volta da primeira fase da Sul-Americana, encerrado com empate de 2 a 2 e classificação do Clube do Povo em pleno Estádio Olímpico. Nada do que produzira contra o Grêmio ao longo do mês de agosto, todavia, pode ser comparado à magnificência do que ofereceu aos 42.590 colorados e coloradas que lotaram o Beira-Rio para acompanhar o confronto de número 373 na história entre Alvirrubro e Tricolor.

O Gre-Nal do segundo turno do Brasileirão de 2008 foi diferente. Antes da partida, o presidente gremista vociferara às rádios gaúchas que, no Beira-Rio, o time visitante “passaria a máquina” sobre o Inter. Ingênuo, injetou ainda mais ânimo no esquadrão colorado. Não que adrenalina fizesse falta, pois o Clube do Povo, vivendo grande fase, ansiava por coroar o bom momento superando o rival e, assim, dando fim a jejum de quase dois anos sem triunfos em clássicos. O infeliz comentário do dirigente, contudo, certamente alimentou a sede dos comandados de Tite, que entraram em campo sedentos, emulando o saudoso Rolo Compressor.

Maestro, El Cabezón transformou o Beira-Rio em teatro – nada silencioso, por óbvio. Como se conduzisse uma orquestra de tango, desfilou no tapete de nossa casa alternando entre o drama de passes estonteantes e a agressividade de arrancadas e finalizações incontroláveis. Sutil como são os gestos de um regente, aos quatro minutos progrediu até a área gremista mirando rebote que se oferecia à feição. Diante da bola, enquadrou o pé direito e chicoteou com a canhota, desabafando. Golaço do Inter, o primeiro de D’Ale no templo que, aos poucos, começava a chamar de casa.

Pouco depois, Tcheco empataria para os visitantes. O gol, verdade seja dita, não passou de ousada provocação a um time que apenas respirava, preparando-se para o segundo ato, que nada custou para chegar ao clímax. Muitos dos presentes, inclusive, sequer prestigiaram o reinício do espetáculo, culpa do maestro, que decidiu aprontar com a desatenção do público. O que você consegue fazer em oito segundo? D’Ale precisou deste punhado de centésimos para ter um lampejo e cobrar rápido falta pela direita. No pé de Alex, a bola foi fuzilada pelo camisa 10, que mandou rasteiro. Era o segundo.

A Maior e Melhor Torcida do Rio Grande jamais se comportou como plateia teatral. Se D’Ale regia uma orquestra, a reverência que recebia como resposta nada tinha de silenciosa, e sim apoteótica. Porque o Inter, naquele momento o gringo descobriu, não é o Clube do Povo por acaso. Instituição nascida em berço popular e embalada por blocos e marchas carnavalescos, carrega a efervescência como sobrenome. Todo colorado é um pouco Rao ou Charuto. Toda colorada sabe ser coreana. Em meio a esta bela mistura, perfeitamente heterogênea e bagunçada, seguiu o espetáculo. Primeiro, catapultado por Índio, que mandou, de cabeça, cruzamento de Andrés para as redes. Depois finalizado, também em um testaço, por Nilmar, completando lançamento açucarado do argentino. Massacre alvirrubro por 4 a 1, que ficou barato (assim como o ingresso, se comparado à excelência oferecida pela sinfonia dalessandrina), confirmado.

“Quando cheguei aqui, só se falava do Gre-Nal. É um clássico, e é preciso ganhar. O time necessitava da vitória. Hoje, tive sorte de ter uma atuação tão boa, meu gol foi importante para mim e para a torcida, mas amanhã pode ser com outro jogador. Para mim, o importante mesmo foi a vitória.”

D’ALESSANDRO, APÓS O CLÁSSICO

Debut continental


Lutando para atingir as primeiras posições no Campeonato Brasileiro, e ainda reticente quanto ao desenho da Sul-Americana, Tite preservou diversos atletas nos 180 minutos que compuseram a fase de oitavas de final do torneio, disputada contra a Universidad Católica. D’Alessandro, envolvido também em convocações para a Seleção Argentina, foi um deles, e sequer entrou em campo nas partidas diante dos chilenos.

O cenário de cautela para com o certame continental foi transformado a partir da classificação para as quartas de final e consequente proximidade do título. Na luta para garantir vaga entre os quatro melhores da América, o Clube do Povo enfrentou o Boca Juniors, recente algoz que eliminara o Colorado da competição nos anos de 2004 e 2005 e campeão da Libertadores na temporada anterior. Escalado com força máxima, o Clube do Povo venceu a primeira partida contra o time xeneize, antigo rival de D’Ale nos tempos de River, por 2 a 0. Disputado no Beira-Rio, o confronto, primeiro da trajetória de Andrés no Inter contra equipes do exterior, contou com dois gols de Alex, grande protagonista da noite.

Duas semanas depois, o Clube do Povo foi a campo, na Bombonera, para garantir a classificação às semis do continente. Disputado no dia 6 de novembro, o confronto foi o primeiro disputado pelo time de Tite com uma linha de quatro zagueiros na defesa. À frente de Lauro, um dos grandes destaques da partida, Bolívar, na direita, Marcão, na esquerda, e a dupla Índio e Álvaro, no miolo, formaram a defesa. A escalação era continuada, no meio, pelo já tradicional quarteto de Edinho, Magrão, Guiñazú e D’Alessandro, argentino que se somava a Alex e Nilmar para formar mágico trio ofensivo.

Extremamente vaiado a cada toque na bola, D’Alessandro, carrasco do Boca no início do século, ajudou a construir uma etapa inicial cadenciada, sem grandes sustos para o Inter. Imperante antes do intervalo, a morosidade foi completamente abandonada no segundo tempo, que contou com gol colorado logo no minuto inaugural. Nilmar, lançado por Magrão, foi ao fundo pela direita e cruzou na medida para o camisa 11, que mandou no travessão. A bola até picou dentro, mas, por via das dúvidas, o meio-campista completou, de cabeça, estufando as redes. O time da casa respondeu com as entradas de Riquelme e Dátolo, duas das estrelas xeneizes, que reacenderam a Bombonera. o mítico palco hermano foi ao delírio pouco depois, aos 12, quando Juan Román empatou.

Insuficiente para classificar o time da casa, a igualdade apenas impulsionou ainda mais o Boca Juniors, que tentava, a todo custo, encurralar o escrete colorado. Atuar de maneira desesperada contra o Inter de Alex, Nilmar e D’Alessandro, contudo, jamais foi uma ideia inteligente. Entregue a fortuitos cruzamentos na área alvirrubra, os quais raramente eram finalizados na direção do inspirado goleiro Lauro, o time xeneize aprendeu a lição a duras penas.

Aos 27, D’Alessandro foi lançado pela esquerda. Pouco depois da quina da grande área, mas ainda fora do retângulo, o argentino, esbanjando visão de jogo rara para os seres humanos, mas comum na rica carreira que ostenta, serviu, de canhota, assistência precisa para Alex. Em velocidade, o camisa 10 sequer precisou dominar e, de frente para o goleiro, apenas desviou buscando o canto. Golaço, à altura da épica atuação colorada, consagrador de vitória incontestável e maiúscula de um elenco que desejava ser campeão.

Ganhar do Boca,

na Bombonera,

é especial para mim!

D’ALESSANDRO, COMEMORANDO A EPOPEIA COLORADA

Aproximadamente quatro minutos após o gol da vitória, D’Ale, sacado para a entrada de Taison, fez questão de não deixar o campo sem antes agradecer a festa dos milhares de colorados e coloradas que lotaram o setor visitante da Bombonera. O craque, que aos poucos conquistava o coração do povo vermelho, não somente ganhou preciosos segundos durante o aplauso, como também despertou a ira da torcida local, reforçando sua fama de protagonista em clássicos. Gigante, Cabezón!


A primeira taça


Depois de eliminar o poderoso Boca Juniors com o maiúsculo placar agregado de 4 a 1, o Clube do Povo encarou, nas semifinais da Sul-Americana, o forte time do Chivas de Guadalajara. Com problemas intestinais, D’Alessandro desfalcou o Inter no confronto de ida, disputado no México, mas a ausência do gringo, felizmente, não foi sentida. Atuando com Andrezinho, que, como de costume, entregou grande exibição, o Colorado contou com noite inspirada da dupla Nilmar e Alex para vencer por 2 a 0, um gol de cada, e trazer a vantagem para o Beira-Rio.

Para a partida de volta, o desfalque foi outro – assim como o protagonista. Desfalcado de Alex, convocado pela Seleção Brasileira, o Inter encontrou em D’Alessandro o substituto ideal para o camisa 10. Reposição, esta, ocorrida não na criação de jogadas, já que o gringo, desde sua estreia, evoluía continuamente enquanto meia dos sonhos do povo vermelho, mas sim para o faro artilheiro em bolas paradas.

Cada vez mais adaptado ao corredor esquerdo, Marcão construiu excelente jogada individual aos 18 da primeira etapa, invadindo a área mexicana perseguido por três marcadores. O camisa 6 apenas perdeu a posse quando tentou fintar para dentro, mas o corte da zaga, parcial, encontrou o pé canhoto de D’Alessandro. Pisando na meia-lua, o gringo fingiu chutar e, esperto, ajeitou para a direita, adiantando na área e escapando do primeiro zagueiro. Pressionado por um segundo, tentou fazer o giro, mas foi derrubado por violento carrinho. Assinalado o pênalti, o próprio Cabezón abraçou a bola e, um minuto depois, bateu com exímia perfeição. Era o primeiro.

Os três gols de vantagem no agregado deixaram o Clube do Povo ainda mais tranquilo na partida. Armado com Taison e Nilmar na linha de frente, o Colorado, decidido a explorar a velocidade da dupla, soube oferecer parte do campo para os mexicanos, que passaram a cruzar a região central com relativa facilidade para, logo depois, esbarrar na defesa vermelha. Perfeita para contra-ataques, a receita ofereceu boas escapadas ao Inter.

Em uma destas, aos 35, o jovem atacante que substituía Alex chamou D’Alessandro para tabelar, mas, derrubado por trás, não conseguiu receber a devolução do argentino. Oscar Ruiz flagrou a irregularidade e indicou a falta. Coube ao grande nome do jogo, é claro, fazer a cobrança. Inteligente, El Cabezón percebeu pulo do goleiro na direção da barreira e cobrou no canto do arqueiro, pegando-o no contrapé. Indefensável, ela morreu na rede.

Marcão, de novo ele, investiu contra dois adversários pela esquerda e, experiente, cavou escanteio aos 43 do primeiro tempo. A cobrança, desta vez, coube ao destro Taison, que bateu fechado, buscando olímpico. No reflexo, o goleiro Hernandez até espalmou, mas manteve a bola na pequena área, entregue ao cabeceio de Nilmar, que ampliou. A dupla de ataque também aprontou na segunda etapa, com nova assistência do jovem camisa 20 para o artilheiro dono da 9. Mais do que garantir a classificação para a final, a vitória de 4 a 0 também serviu como homenagem perfeita a Arthur Dallegrave, ex-dirigente que figura entre os mais importantes políticos da história colorada, falecido dois dias antes da partida.

O adversário colorado na decisão foi o Estudiantes-ARG. Tradicional equipe do futebol sul-americano, o Pincha abriu a final, em seus domínios, apostando na magia de La Brujita Verón para largar em vantagem. Disputados no dia 26 de novembro, os primeiros 90 minutos do embate de alvirrubros envolveram tudo o que um duelo de gigantes continentais cobra. Drama, raiva, euforia, injustiça, heroísmo e uma boa dose de sorte flertaram com a maiúscula e histórica exibição do Clube do Povo, que teve em D’Alessandro um de seus referenciais. Genial como de costume, o gringo soube se adaptar às circunstâncias da partida, construindo atuação multifacetada.

No primeiro tempo, D’Alessandro foi letal no ataque. Mesmo deslocado de função a partir dos 24 minutos, quando Guiñazú recebeu injusto cartão vermelho, o gringo orquestrou todos os escapes colorados. Atuando pela direita da linha de quatro meio-campistas, formou, no flanco, triângulo perfeito com Bolívar, lateral, e Magrão, volante. Combinado, o trio misturava força e leveza, imposição física e alto quilate técnico.

Empolgado com a superioridade numérica, o Estudiantes se mandou para o ataque, deixando espaços letais na defesa. Aos 32, D’Alessandro percebeu um desses e, após receber passe de Nilmar, devolveu para o camisa 9 lançando, de direita, em profundidade, nas costas de Desábato. Incomodado, o beque atropelou o jogador colorado. Pênalti, que Alex bateu duas vezes para valer uma e abrir o placar!

Aos 37, D’Ale quase ampliou. Afiado nas cobranças de falta, o gringo mandou, da intermediária, chute forte no canto de Andújar. Venenosa, a bola triscou na ponta dos dedos do arqueiro, explodiu no poste esquerdo e retornou para os braços do camisa 1 pincharrata. Por detalhe o Clube do Povo não marcava o segundo, mas D’Alessandro demonstrava ser ele, e não Verón, o grande regulador do duelo. Como joga, Andrés!

Mais do que continuar dando exemplo de aplicação defensiva para fechar os espaços na retaguarda, na segunda etapa D’Alessandro, apoiado pela vantagem colorada no placar, passou a cozinhar o confronto. Sempre chamando a bola de “tu”, tratando a redonda com carinho, o gringo irritou seus compatriotas que, incrédulos, assistiam ao matrimônio de D’Ale com a esférica sem conseguir interferir no relacionamento. O camisa 15 ainda ofereceu assistência espetacular para Magrão, acionando o volante com um ganchinho surpreendente. Forte, o arremate do número 11 foi defendido por Andújar. Desta forma, findada a partida, o Inter garantia vantagem para a volta em Porto Alegre: 1 a 0!

Em campo, Lauro; Bolívar, Danny Morais, Álvaro e Marcão; Edinho, Andrezinho, Magrão e D’Alessandro; Alex e Nilmar. No Gigante, 51.803 apaixonados, decididos a conquistar o último título de elite que faltava na galeria de troféus alvirrubra. A terceira noite do mês de dezembro reuniu todos os ingredientes para ficar na história.

O clima de mobilização visto no Beira-Rio catalisou grande atuação colorada na etapa inicial. A exibição, é claro, passou longe de um massacre, como costumeiramente são disputadas as finalíssimas, mas era evidente a superioridade do Inter na partida. Incendiado por um Gigante que praticamente pegou fogo, o time do técnico Tite criou sua primeira oportunidade aos 4, com D’Alessandro, que pegou a sobra de boa jogada de Alex e finalizou, forte, com a canhota. A bola saiu por cima, levando muito perigo. Já às vésperas do intervalo, El Cabezón deu lindo passe para Andrezinho chutar colocado e exigir milagre de Andújar.

O Estudiantes cresceu no segundo tempo, especialmente depois dos 10 minutos. Time matreiro, conhecedor dos mata-matas, aproveitou o momento positivo para balançar as redes do Inter. A vitória pelo placar mínimo igualou o placar agregado, levando a decisão para a prorrogação. Uma vez mais, o Beira-Rio precisou exercer papel de protagonista para compensar o desgaste de seus heróis e amedrontar os visitantes mal-intencionados. Incendiário, o Gigante começou a jogar, e serviu de parceiro perfeito para a canhota de Andrés.

O time que começou a disputa do tempo extra exibia diferenças em relação ao escalado para a partida. No lugar de Alex, Taison compunha veloz linha de frente com Nilmar, enquanto Gustavo Nery, que substituira Andrezinho, acrescentava maior vigor físico na esquerda do meio. No início da etapa final, Sandro ainda foi alçado a campo na vaga do extenuado Magrão. Uma escalação pautada na imposição e na força, portanto, buscava a taça continental. Controlando o ímpeto e adicionando pitadas de brilhantismo à robustez, D’Alessandro capitaneava cada avanço vermelho, sempre acompanhado por seus companheiros, que ofereciam respostas perfeitas aos movimentos do camisa 15. O gringo, consciente de sua responsabilidade, criou as melhores oportunidade do Clube do Povo na prorrogação.

Ainda nos primeiros 15 minutos, D’Alessandro progrediu, a seguidos cortes, pela esquerda da área rival. Com espaço, alçou bola milimétrica para Bolívar, que cabeceou na zaga, deu início a verdadeiro caos e, ainda, encerrou a jogada soltando um petardo milagrosamente defendido pelo goleiro. No segundo tempo, aproveitando o recente entrosamento com Bolívar e tirando vantagem do fôlego renovado de Taison, o argentino ocupou, com grande frequência, o lado direito do campo. Por ali, aos 6, driblou dois marcadores para invadir a área, aplicou o La Boba em um terceiro e cruzou de direita por cima de Andújar. Posicionado sob as traves, Nilmar teria o gol aberto para marcar, mas fora cortado, segundos antes do arremate, por Angeleri. Apesar de desperdiçada, a oportunidade deixava claro qual era o caminho do gol.

O relógio indicava oito minutos e quatro segundos da etapa final da prorrogação quando D’Ale, empurrado pela curva sul do Beira-Rio, partiu para levantar escanteio na área argentina. Cavado por Taison, o córner, pela direita, permitia ao canhoto a possibilidade de cobrança fechada. Exatamente assim o camisa 15 alçou, procurando a entrada da pequena área. Ali, quem subiu foi Danny Morais, testando para o solo.

Na subida, a bola resvalou nos dedos de Andújar e explodiu no travessão, oferecendo-se para Nery. De esquerda, o meio-campista soltou o pé, mas também foi bloqueado pelo goleiro. O rebote, contudo, sobrou para o artilheiro. Encarando um gol aberto, Nilmar não teve problemas para honrar o faro goleador de sempre e empatar para o Clube do Povo. Gol de título, de um campeão de tudo. E o Beira-Rio? Ficou catártico!

O título da Sul-Americana foi o primeiro dos 13 que D’Ale conquistou, até o presente dia, com o Colorado. Já amado pela torcida após míseros quatro meses de Beira-Rio, o argentino não titubeou ao escolher a comemoração perfeita para o triunfo. Com a taça em mãos, disparou até a saudosa goleira do placar e, de frente ao público ensandecido, subiu no antigo fosso do Gigante. Encarando cada torcedor nos olhos, provou ser um capitão nato para erguer o cobiçado troféu, levando dezenas de milhares ao delírio. Clube do Povo, campeão continental! Vamo, Inter; e Dale, D’Alessandro.

A primeira temporada do capitão

Oficialmente anunciado como reforço do Inter há exatos 16 anos, Fernandão fez história com a camisa colorada desde o passo inaugural que deu no gramado do Beira-Rio. O primeiro grande feito alcançado pelo capitão no Clube do Povo, entretanto, não pode ser simbolizado através de placa ou troféu. Muito antes de vencer América e mundo, o goiano centroavante tratou de conquistar, com maestria, o coração da Maior e Melhor Torcida do Rio Grande.

Fernandão comemora o Gol Mil dos Gre-Nais/Foto: Mauro Vieira, RBS

Polivalente para desempenhar diversas funções na linha de frente colorada, Fernando ignorou tempo de adaptação, primeiro, e lesão, depois, para, em apenas quatro meses, finalizar sua temporada de estreia na Padre Cacique como artilheiro do ano alvirrubro. Em campo, o goleador somou atuações empolgantes a ponto de chegar ao mês de dezembro como um dos grandes responsáveis pelo entusiamo latente da torcida vermelha, que se preparava para entrar em 2005 certa de que, muito em breve, momentos especiais seriam vivenciados pelo Clube do Povo. Os números registrados pelo futuro ídolo, é bom que se diga, justificavam qualquer empolgação. Com 16 gols marcados em 31 jogos disputados, o camisa 9 foi uma das grandes notícias do segundo semestre do Inter em 2004.


O Gol Mil

Apresentado menos de duas semanas após o Clube do Povo conquistar o Tetra do Rio Grande, Fernandão precisou esperar quase um mês até ter sua situação regularizada para a estreia. Neste ínterim, o Clube do Povo trocou de técnico, com a saída de Lori Sandri para a chegada de Joel Santana, e acumulou insucessos no Campeonato Nacional. Foi, portanto, encarando cenário de grande pressão que Fernandão vestiu, no dia 10 de julho, a camisa do Inter pela primeira vez. Contra quem? “Apenas” o maior rival.

Após empate sem gols no primeiro tempo, Joel decidiu abrir o time, retirando o zagueiro Wilson para a entrada do cabeludo Fernando, que na ocasião vestia a camisa 18. Com a troca, Bolívar, que passara a etapa inicial na ala-direita, foi recuado para a zaga. Granja, por sua vez, passou a ocupar o corredor, enquanto o substituto ficou encarregado da armação, municiando a dupla de atacantes formada por Sobis e Danilo. Mudança ousada, mas que se provou correta logo aos oito minutos, quando Vinícius completou cruzamento de Alex e mandou de cabeça para as redes tricolores. Inter na frente no Gre-Nal 360!

Empurrado pela torcida e percebendo seu rival acuado, o Inter passou a ocupar ainda mais o campo de ataque, pressionando intensamente. Como consequência, aos 33 minutos Danilo recebeu a bola na direita, pedalou para cima da marcação e acionou o pivô de Fernandão. Do camisa 18 a bola seguiu até Marabá, que lançou Alex, livre.

O Gol Mil

Mais rápido do que os carros que corriam ao seu lado na Padre Cacique, o garoto paranaense deixou a marcação para trás com facilidade, ganhando espaço para usar sua famosa perna canhota. Com ela, alçou na área, buscando o segundo pau. Precisa, a bola foi cortada, parcialmente, pelo gremista Cocito, mas, para a infelicidade do marcador, a sobra ficou com Élder Granja, que teve tempo para ajeitar a redonda com carinho e levantar na marca do pênalti.

Gigante, Fernandão pareceu crescer ainda mais e, esbanjando presença de área, mandou testaço indefensável no canto da meta adversária. De tão forte, seu arremate não pôde ser acompanhado por câmera alguma. O que ficou registrado, em contrapartida, foi a explosão dos mais de 23 mil colorados e coloradas presentes no Beira-Rio, que vibraram muito com o gol de número 1 mil do maior clássico do Brasil. Um tento histórico, a princípio ignorado por seu ator.

No momento em que tocou o chão novamente e percebeu que marcara o gol, o abençoado artilheiro se emocionou e, tapando o rosto, ajoelhou-se no gramado. Certamente, a lágrima que teimava em escorrer não pôde ser contida quando ouviu Sóbis, eufórico, anunciar a importância do momento que protagonizara: “Tu marcou o gol mil do Gre-Nal!”. Inesquecível, o tento foi também o último marcado na gélida tarde de outono em Porto Alegre.


Final de turno complicado

A estreia de alto nível garantiu para Fernandão sua vaga entre os titulares. Apenas 72h após anotar o milésimo gol dos Gre-Nais, o craque atuou durante os 90 minutos de duelo contra o Guarani, em Campinas, encerrado com vitória dos mandantes por 2 a 1. Encarregado de municiar Sobis e Dauri, exerceu, na ocasião, a função de meia-atacante no 3-5-2 de Joel Santana, mesma posição que ocupou, desta vez jogando atrás de Rafael e Danilo, na goleada de 6 a 0 do Inter sobre o Athletico, ocorrida no dia 17 de julho. Diante dos rubro-negros, marcou, vestindo a camisa 8, seu segundo gol pelo Clube do Povo, além de oferecer, para Danilo, nome do jogo, autor de quatro tentos, sua primeira assistência com a camisa vermelha.

Fernandão, Rafael Sobis e Nilmar. Trio de ataque que, caso tivesse atuado por mais tempo junto, certamente figuraria entre os maiores da história do futebol, reuniu-se, pela primeira vez, no dia 20 de julho, data de duelo contra o Corinthians, no Pacaembu, encerrado com o placar inalterado apesar da grande pressão alvirrubra. Quatro dias depois, o futuro ídolo sofreu, para o Juventude, sua primeira derrota no Beira-Rio, escore de 2 a 1. Por fim, encerrando o sétimo mês do ano, nova derrota, agora por 2 a 0, diante do São Caetano, fora de casa, manteve o Clube do Povo estagnado na tabela.

Titular na 20ª rodada, Fernandão foi substituído no intervalo do confronto entre Inter e São Paulo, disputado no Gigante e finalizado com igualdade de um gol para cada lado. Na jornada seguinte, foi preservado de partida contra o Cruzeiro, no Mineirão, terminada com triunfo dos locais por 2 a 0.

Seu retorno aos gramados, em melhores condições físicas, aconteceu no dia 8 de agosto, quando o Inter recebeu a Ponte Preta. Indigesto, o time campineiro ampliou o jejum do Clube do Povo ao somar vitória por 2 a 1. O gol do Inter na ocasião foi marcado por Granja, após assistência de Fernando, que, embora tenha criado as melhores chances do Colorado na partida, não conseguiu impedir o novo revés. A sequência de insucessos alvirrubros chegou ao fim na rodada seguinte, última do primeiro turno, graças à vitória sobre o Paraná, no Durival Britto, placar de 2 a 1.


Os primeiros atos de genialidade

A abertura do segundo turno do Brasileirão foi extremamente positiva para o Clube do Povo. Recém-convocado para a Seleção Brasileira, o atacante Nilmar marcou dois dos quatro gols colorados sobre o Figueirense, destacando-se como o grande nome da partida disputada no Beira-Rio. Fernandão, que formou a dupla de ataque com o jovem artilheiro, também deixou o seu, anotando o segundo do confronto.

Na rodada seguinte, o Inter sofreu injusto revés para o Palmeiras, em São Paulo, sucedido por empate em 1 a 1 com o Coritiba, no Gigante, em confronto disputado no dia 22 de agosto. Contra o Coxa, o já camisa 9 produziu, aos 21 minutos do primeiro tempo, obra de arte que figura entre as mais bonitas de sua carreira. Após aplicar um lençol no marcador, o futuro ídolo não deixou a bola cair e emendou bicicleta perfeita, que morreu no canto das redes visitantes, não oferecendo qualquer reação ao goleiro adversário.

Inscrito com o número 9 na competição, Fernandão estreou com a camisa colorada em torneios internacionais no dia 25 de agosto, em Florianópolis, onde Inter e Figueirense não conseguiram alterar o marcador da partida de ida da primeira fase da Copa Sul-Americana. No final de semana seguinte, o Clube do Povo voltou suas atenções para o Brasileirão, visitando o Paysandu, em Belém-PA. Formando, junto de Sobis, o ataque vermelho, o capitão não conseguiu impedir a derrota, por 2 a 1. Revés, inclusive, também foi o resultado do duelo disputado quatro dias depois, este diante do Fluminense, finalizado em 3 a 1 para os cariocas. Como consequência, Joel Santana foi demitido do comando técnico alvirrubro. Em seu lugar, assumiu Muricy Ramalho, treinador de grande passagem pelo Beira-Rio em 2003.


Surge o matador

E como foi a tensa a reestreia de Muricy na casamata alvirrubra! O técnico, que muito em breve entraria em definitivo para a história como um dos principais comandantes da biografia do Clube do Povo, mandou o Inter a campo, para o duelo de volta contra o Figueirense, válido pela Sul-Americana, escalado no 3-5-2. Fernandão, como se tornaria regra a partir da chegada do novo comandante, esteve encarregado de armar a equipe. Melhor em campo, o Colorado deixou a vitória escapar no último lance da partida, quando André Santos empatou para os catarinenses e levou a decisão para os pênaltis. Na marca da cal, o capitão converteu o seu, Clemer brilhou, e a vaga foi conquistada!

Classificado no torneio continental, o Inter disputou as rodadas de número 29 e 30 do Brasileirão desgastado pela dramática vitória nos pênaltis. Assim, empatou sem gols com o Flamengo, em casa, e perdeu por 1 a 0 para o Goiás, fora. Resultados negativos, cobravam rápida resposta, que chegou no dia 15 de setembro, data da partida de ida da segunda fase da Sul-Americana, chave disputada contra o Grêmio.

Pela primeira vez na história, era disputado um Gre-Nal válido por competições internacionais, que teve o Beira-Rio como sede e Fernandão na figura de artilheiro inaugural, abrindo o placar após excelente cruzamento rasteiro de Felipe. Chiquinho, na etapa final, ainda marcaria o segundo e último do clássico.

O primeiro gol em um Gre-Nal de competições internacionais na história

O triunfo sobre o maior rival deu novo ânimo ao Clube do Povo, que, no final de semana seguinte, superou o Vitória, no Beira-Rio, por 2 a 1. Inspirado, Fernandão marcou os dois gols, o primeiro de cabeça, completando cruzamento de Marabá, e o segundo após grande jogada individual. Passados três dias, o Inter foi derrotado no Olímpico, por 2 a 1, mas fez a festa, garantindo vaga nas oitavas da Sul-Americana.

De volta ao Brasileiro, empatamos, na 32º rodada, com o Atlético-MG, placar de 1 a 1. Fernandão, em nova pintura, marcou o golaço de empate para o Inter, que comemorou muito o ponto conquistado no Mineirão, especialmente porque, no meio de semana, enfrentaria o Santos, time sensação do campeonato, líder e embalado por grande geração que encantava a América naquele início de século. Um dos principais nomes do Alvinegro era Elano, que abriu o placar em chute de perna canhota. Empurrado pelo Gigante, o Clube do Povo empatou, aos 12 do segundo tempo, com Vinícius, criando clima perfeito para a virada, que chegou, aos 19, em cabeceio meticuloso de Fernandão, completando cruzamento açucarado de Élder Granja.


O início da idolatria

Gol sobre o Criciúma, com assistência de Rafael Sobis

Após duas derrotas consecutivas longe do Beira-Rio, a primeira para o Vasco, por 2 a 0, e a seguinte diante do Criciúma, com Fernandão marcando o do Inter no revés por 2 a 1, no dia 10 de outubro recebemos, no Gigante, o Cruzeiro, em partida de abertura das oitavas da Sul-Americana. Dando continuidade ao seu tradicional esquema 3-5-2, que tinha no capitão colorado o ponta-de-lança ideal, Muricy certamente esboçou grande sorriso quando, logo aos 19 da etapa inicial, seu camisa 9 abriu o placar, em bonito cabeceio. Leandro, ainda no primeiro tempo, empatou para os visitantes, mas Wilson e Chiquinho, já nos 45 minutos finais, garantiram a vantagem alvirrubra.

Nova vitória por 3 a 1, esta em partida da 36ª rodada do Brasileirão, aumentou a paixão de nossa torcida pelo camisa 9. Goleador, Fernandão fez dois no triunfo do Inter sobre o Botafogo, no Beira-Rio, assim chegando a 13 tentos marcados em 26 jogos disputados pelo Colorado. Nas graças da torcida, via o canto “Uh! Fernandão” se tornar uma espécie de hino no Gigante, sempre entoado por milhares de fiéis que semanalmente peregrinavam até a Padre Cacique esperançosos em assistir a mais uma exibição de luxo de seu capitão. Contra o time da estrela solitária, converteu de pênalti e, é claro, em preciso cabeceio.

Impecável, o Clube do Povo voltou a superar o Cruzeiro, desta vez por 1 a 0, no Mineirão, para garantir vaga nas quartas da Sul-Americana. Titular, Fernandão participou da jogada do gol de Sobis, que coroou feito especial para um Inter que voltava a sonhar com grandes feitos após anos de insucesso. Classificado, o Colorado voltaria a disputar, pela primeira vez desde 1993, quando participou da Copa Libertadores da América, um duelo válido por competição oficial contra adversários sul-americanos, no caso, o Junior de Barranquilla.

Especial, o mês de outubro também esteve marcado, a exemplo de seus predecessores, por vitória do Inter sobre o Grêmio, agora no Estádio Olímpico. Em uma rara atuação como atacante sob o comando de Muricy no ano de 2004, Fernandão, que vinha de dois gols marcados nos últimos três clássicos que disputara, comprovou, mais uma vez, sua vocação para carrasco de nosso rival. Dono do Gol Mil dos Gre-Nais e responsável por marcar o primeiro tento válido por competições internacionais na história do duelo, o camisa 9 fez, de cabeça, o segundo da vitória alvirrubra por 3 a 1, na Azenha.


A lesão que postergou a primeira taça

Gol contra o Athletico/Imagem: SporTV

Completamente focado em superar o Junior de Barranquila, adversário nas quartas continentais, e apoiado nas duas vitórias consecutivas que conquistara pelo Brasileirão, o Inter poupou alguns atletas na dupla de partidas nacionais que antecedeu a abertura do duelo contra os colombianos. Fernandão foi titular nos dois reveses sofridos, o primeiro para para o Guarani, 3 a 1, e depois em jornada frente ao Athletico, esta fora de casa, terminada com o escore de 2 a 1. De sua parte, o camisa 9, sempre jogando pelo meio, não deixou de marcar gol, seu 15º pelo Clube do Povo, anotado em cobrança de pênalti contra os paranaenses.

Poucas foram as partidas tão aguardadas pela Maior e Melhor Torcida do Rio Grande no início do século XXI quanto o duelo contra o Junior-COL. Ocorrido no dia 3 de novembro, o confronto simbolizou o retorno do Clube do Povo ao seu tradicional posto de protagonista continental. Primeiro gaúcho a participar, marcar gol e chegar a uma final de Libertadores, o Inter sofrera, na década de 90, dolorosas frustrações que acabaram por afastá-lo da elite sul-americana. Uma grande atuação diante dos colombianos, portanto, significava afirmar, para todos as tribos latinas, que a Academia do Povo estava, enfim, retornando ao seu lugar. Responsável por liderar o Colorado nesta empreitada americana, Fernandão se provou, ainda no primeiro minuto de jogo, o capitão ideal para um novo ciclo alvirrubro.

Mesmo marcado por três jogadores, o ala-esquerda Chiquinho descolou, pela lateral do campo, cruzamento na medida para Fernandão. Na altura da marca do pênalti, nosso capitão subiu soberano, gigante como o Beira-Rio, e cabeceou respeitando o figurino. Picando, a bola voou como um foguete no canto direito da goleira do Gigantinho, fazendo explodir os quase 25 mil colorados e coloradas que ocupavam as arquibancadas do templo da Padre Cacique.

O 16º e último gol de Fernandão pelo Inter em 2004

Poucos minutos depois da explosão com o balançar de redes, o Beira-Rio assistiu, incrédulo, à injusta travessura do ingrato destino. Após esticar a perna na tentativa de dominar lançamento forte, Fernandão foi ao solo acusando dores intensas na perna direita. Desta vez, não existia Gabiru no banco capaz de substituir o capitão com estrelismo equiparável ao do camisa 9, que precisou deixar o campo. Pior ainda, a lesão sofrida na vitória por 1 a 0 sobre os colombianos em nada se pareceu a uma cãibra. Pelo contrário, a injúria acometeu o músculo posterior da coxa direita, afastando o goleador dos gramados até o final da temporada.

Mesmo sem Fernandão, o Inter garantiu, após empate em 1 a 1 na Colômbia, a classificação para as semifinais continentais. Diante do temido Boca Juniors de Pato Abbondanzieri, Carlitos Tevez, Guillermo Schelotto, Martín Palermo e companhia, a ausência do capitão, contudo, foi sentida. Contra a melhor equipe do continente, faltaram ao Colorado dois gols para a conquista da vaga, que ficou com o time da Bombonera, futuro campeão da Sul-Americana. Eliminação dolorosa, pela certeza de que, com Fernandão, poderíamos ir mais longe, mas encarada com grande orgulho pelo povo vermelho.

Quase 50 mil colorados e coloradas encheram o Beira-Rio para a partida de volta das semifinais continentais, público que fez questão de aplaudir o elenco após o apito final, em clara demonstração de sintonia entre time e torcida, também entendida, por todos os presentes, como uma cerimônia de casamento. Naquele instante, cimento e grama concordaram que a história não acabaria por ali. Nossa casa voltaria a ser palco continental, e jamais aceitaria novo hiato de afastamento da elite latino-americana.

A conquista da vaga para a Sul-Americana de 2005, nas rodadas finais do Brasileirão, reafirmou o pacto, impondo a todos a mesma expectativa: o surgir do amanhã seria ainda mais radioso de luz do que o festivo passado alvirrubro. Novos feitos relevantes aguardavam o Clube do Povo do Rio Grande do Sul, que encontrara em seu camisa 9 o líder perfeito para ocupar o papel de guia. O povo vermelho tinha, agora, um capitão, e nunca mais eles seriam separados.

Predestinado Fernandão, para sempre nosso Eterno Capitão