Conquista da quarta estrela completa 30 anos

Célio Silva garantiu o título colorado

O título que marcou uma geração: assim pode ser definida a conquista da Copa do Brasil de 1992, que garantiu ao Inter sua quarta estrela nacional. Ao longo de 10 jogos, o Colorado marcou 20 gols e conquistou seis vitórias e três empates – enquanto o único revés, sofrido na partida de ida da decisão, foi rapidamente superado com a força do Beira-Rio. Há 30 anos, durante o entardecer em Porto Alegre, o país, mais uma vez, foi pintado de vermelho. A partir de então, a noite do povo gaúcho, regozijado em alegria, não tinha hora para acabar.

O contexto;
A campanha;
A escalação da final;
Alma lavada;

+ Confira o especial do Mundo Colorado sobre a conquista;


O contexto no pré-Copa 🔙

Gauchão de 1984 foi o último título conquistado na década

Assim como na geopolítica mundial, a década de 1980 também reservou anos perdidos para o Inter. Depois de conquistar o Tetra gaúcho em 84, o Clube do Povo acumulou consecutivas derrotas nos âmbitos estadual, nacional e continental, as quais sepultaram a senda de vitórias construída a partir da inauguração do Beira-Rio.

O gosto da prata, que já ficara enjoativo depois do vice-campeonato nos Brasileirões de 1987 e 1988, virou saudade em 1989, quando uma dramática eliminação nas semifinais da Libertadores, sofrida nos pênaltis e dentro de casa, adiou a tão sonhada conquista da América. Desse momento em diante, ‘crise’ viraria a palavra da moda no Beira-Rio.

Estadual de 1991 reconduziu o Inter às glórias

Incríveis 10 profissionais passaram pela casamata colorada entre Abel Braga, treinador na derrota para o Olímpia-PAR, e Cláudio Duarte, comandante que reconduziria, com o Gauchão de 1991, o Clube do Povo ao caminho das taças. No embalo do título, o Inter abriu 1992 com mais uma troca de técnico, que resultaria na chegada de Antônio Lopes, e expectativas atualizadas. Queríamos, afinal, novas voltas olímpicas!


A campanha 📊

O desempenho no Brasileirão de 1992 ficou aquém das expectativas coloradas. Eliminado na primeira fase, porém, o time havia lutado até o fim pela classificação, dando sinais de que poderia render bons frutos no segundo semestre, marcado pelas disputas da Copa do Brasil e do Gauchão. Assim, a comissão técnica foi mantida, e os resultados começaram a chegar.

Na primeira fase da Copa do Brasil, o Clube do Povo não teve problemas para despachar o Muniz Freire. É verdade que o rival até ameaçou o Colorado no jogo de ida, mas o ídolo Gato Fernández brilhou, inclusive com defesa de pênalti, para assegurar o triunfo de 3 a 1 do Inter no Espírito Santos. Na volta, o Beira-Rio festejou impecável goleada por 5 a 0.

Antes de encarar o Corinthians nas oitavas de final, o time de Antônio Lopes embarcou para o Japão, onde disputou, e venceu, a Copa Wako Denki. Decidida em jogo único, a taça ficou com o Inter após maiúscula vitória de 5 a 2 sobre o Panasonic Gamba. De volta a Porto Alegre, o elenco trazia, mais do que o troféu, os aprendizados legados pela viagem, e se mostrava ainda mais entrosado para encarar o restante da temporada – para o azar dos paulistas.

O bom público que ocupou as arquibancadas do Pacaembu no primeiro duelo entre Inter e Corinthians assistiu a uma atuação impecável do Colorado. Logo cedo, Gérson aproveitou escanteio cobrado por Marquinhos e, livre na grande área, finalizou para as redes paulistas. Ainda no primeiro tempo, Márcio fez valer a Lei do Ex, e ampliou a conta depois de um foguete desferido da meia-lua.

Na etapa final, Gérson converteu pênalti sofrido por Marquinhos para fazer o terceiro, enquanto Maurício, em linda jogada de contragolpe, deu números finais à partida. A vitória de 4 a 0, conquistada apesar da precoce expulsão de Daniel – Viola, mais tarde, receberia o vermelho pelo lado mandante -, permitiu que o Clube do Povo jogasse pelo empate no Beira-Rio. E assim foi, com o placar do Gigante não saindo do zero.

Gato brilhou na fase de quartas de final/Foto: RBS

Três anos depois do Gre-Nal do Século, o destino reservou novo capítulo eliminatório para a maior rivalidade do país. Agora com Nilson, outrora herói colorado, vestindo azul. Ainda bem que tínhamos Gérson (e Gato)! No Olímpico, Alcindo colocou os donos da casa em vantagem, mas logo o centroavante do Clube do Povo igualaria a conta. Com um foguete de perna direita, o ídolo deixou tudo em aberto para o Beira-Rio.

Mandante, o Inter assumiu as rédeas na partida de volta e, de novo com Gérson, desta vez assistido por Maurício, vazou o adversário. Adicionando boas doses de dramaticidade ao clássico, Carlinho devolveu o empate ao escore, e conduziu a decisão da vaga aos pênaltis, quando a tradição falou mais alto.

Responsável por abrir a série, Arlindo mandou para longe. Seguro, Gérson deixou o Inter em vantagem. Nervoso, Vilson parou em Gato Fernández. Tranquilo, Marquinhos anotou o segundo. Carrasco, nosso goleiro salvou a batida de Jandir. Pronto para ser herói, Célio Silva fechou o caixão. Novamente, o Clube do Povo eliminava o Grêmio.

A fase semifinal não diminuiu o nível de exigência para o Inter. Pelo contrário, o Colorado precisou superar o poderoso Palmeiras para chegar à decisão da Copa do Brasil. Estrelado, o Alviverde reunia craques como César Sampaio, Mazinho e Zinho, mas não foi páreo para o Rolo Compressor.

Em São Paulo, Élson e Gérson construíram o 2 a 0. No Beira-Rio, o centroavante e Maurício fizeram a festa da torcida, que pouco se preocupou com o tento de honra dos visitantes, anotado por Dorival Júnior. Mais um paulista era despachado por um placar agregado goleada.

“E-ô, e-ô: o Colorado é o terror!” No embalo de sua gente, o Inter estava na final do país. Pela frente, o Fluminense pareceu interpretar como literal o canto da torcida vermelha, e tratou de armar um cenário de horror para os primeiros 90 minutos da decisão. No lugar do Maracanã, os cariocas escolheram mandar a partida nas Laranjeiras, onde qualquer cortesia foi dispensada no trato ao Clube do Povo.

Completamente hostilizado pelo público presente no acanhado estádio, o Inter sequer pôde realizar seu aquecimento no gramado. Relegado ao estacionamento das Laranjeiras, o elenco não escapou incólume dos maus tratos e, pela primeira e única vez na Copa do Brasil de 1992, saiu de campo derrotado.

Com gols de Wagner e Ézio, o Fluminense venceu o embate por 2 a 1, mas graças ao golaço do jovem Caíco, que driblou três marcadores e deixou o goleiro no chão antes de finalizar para as redes, o Inter precisava de uma vitória simples, em seus domínios, para ficar com a taça. Históricos 90 minutos despontavam no horizonte da Padre Cacique.


Os 11 finalistas 👏

Roberto, o Gato, Fernández: o apelido não surgiu do acaso. Arrojado e dono de grande reflexo, o paredão comprovou a máxima de que todo grande time começa por um grande goleiro. Ao longo da campanha, foi vazado em míseras seis ocasiões, e defendeu quatro penalidades – duas no tempo normal e duas na decisão contra o Grêmio. Conterrâneo do também ídolo Benítez, garantiu a dobradinha de paraguaios campeões nacionais na meta do Clube do Povo.

Célio Lino: lateral-direito dedicado, de boa capacidade de marcação e apoio ofensivo. Evoluiu junto ao time ao longo da trajetória do título, e participou dos 10 jogos. Na formação de Antônio Lopes, tinha liberdade para se somar ao ataque, e fez importante dobradinha com Mauricio, extrema pelo mesmo lado.

Pinga: Jorge Brum no nome, o zagueiro surgiu nas categorias de base do Clube do Povo. Figura constante nas convocações realizadas pela Seleção Brasileira a partir de 1985, o defensor sofreu uma grave lesão durante Gre-Nal válido pelo Gauchão de 1987. Seu retorno aos gramados ocorreu apenas em 1991, e foi coroado, no ano seguinte, com a conquista da Copa do Brasil.

Célio Silva: titular em todas as partidas disputadas pelo Inter, o zagueiro era um dos capitães do elenco. Dono de potente chute de perna direita, assumia a responsabilidade nas cobranças de falta de longa distância, e também figurava entre os principais batedores de pênalti. No futuro, o autor do gol do título seria até convocado para a Seleção Brasileira.

Daniel: mais um nome formado na base colorada, o lateral-esquerdo chamou atenção pela vitalidade que apresentou ao longo de toda a competição. Considerado um dos melhores jogadores em campo na finalíssima, o camisa seis tinha liberdade não apenas para se somar ao ataque, mas também para realizar inversões de lado, muitas vezes aparecendo como elemento surpresa no corredor direito.

Ricardo: volante de origem, era o homem da confiança de Antônio Lopes para o setor defensivo. Camisa cinco contra o Fluminense, ficou de fora de apenas três jogos na campanha, dois deles por lesão. Alternativa tanto para a zaga quanto para a lateral-esquerda, protegia a cabeça de área do Inter, e realizava as necessárias coberturas em resposta a cada avanço dos alas alvirrubros.

Élson: o incansável volante participou de todas as partidas. Conhecido como Homem Borracha, misturava elegância para jogar com alto índice de acerto nos desarmes. Mortal quando chegava ao ataque, marcou duas vezes na competição – uma contra o Muniz Freire, no jogo do Beira-Rio, e outra diante do Palmeiras, em São Paulo.

Marquinhos: camisa 10 autêntico, era o cérebro da equipe. Organizador do meio-campo, principal garçom dos atacantes e responsável pelos escanteios e faltas frontais, ofereceu seis assistências e marcou dois gols na campanha do título. Tirando proveito da qualidade do craque, Antônio Lopes dispunha de um vasto leque de jogadas ensaiadas para surpreender as retrancas adversárias.

Maurício: a história do camisa sete com o Inter não começou na década de 90. Ponta-direita clássico, atuou no Beira-Rio entre os anos de 1988 e 1989, e não queria saber de mais um vice-campeonato com a camisa vermelha. Referência ofensiva na conquista da quarta estrela, o atacante marcou gols decisivos contra Corinthians e Palmeiras, e foi o garçom de Gérson no Gre-Nal de volta das quartas de final.

Caíco: o mais jovem dos campeões, conquistou a titularidade com apenas 18 anos de idade. O camisa 11 assumiu a vaga de Silas, e deu o equilíbrio necessário ao ataque colorado. Pela esquerda, não economizava nos dribles, e com eles encontrava espaço contra qualquer defesa. Seu único gol, a pintura feita nas Laranjeiras, se provou decisivo para que o Inter ficasse com a taça.

Gérson: o centroavante marcou nove gols nos 10 jogos disputados pelo Inter na Copa do Brasil de 1992. À época, ele já havia sido o goleador de outras duas edições do torneio – até hoje, nenhum outro jogador conseguiu repetir seu feito, de três artilharias isoladas na competição. O ‘Nego’ é um dos grandes ídolos da história colorada, e só não atingiu mais feitos pelo Clube do Povo pois, infelizmente, faleceu, vítima de problemas de saúde, em maio de 1994.


Título lava a alma colorada 🏆

A concentração colorada, até os anos 1990, era realizada nas dependências do Beira-Rio. Debaixo das arquibancadas, os atletas se preparavam para as partidas ao mesmo tempo em que a torcida começava a tomar as dependências do Gigante. Em dias de jogos decisivos, era impossível não ficar contagiado pelo clima da multidão que caminhava pela Padre Cacique. Foi assim ao longo de todo o 13 de dezembro, quando jogadores e torcedores lutaram juntos pela taça.

Beira-Rio lotou na finalíssima

Os 90 minutos foram de uma nota só. Enquanto o Fluminense não teve vergonha de apelar para a cera, o Inter quis jogar, e empilhou oportunidades desde cedo. A primeira chance clara foi de Célio Lino, que recebeu ótimo cruzamento de Marquinhos e, já dentro da grande área, cabeceou para milagre do goleiro Jéferson. Mais tarde, quem assustou foi Caíco, dono de arremate que até venceu o arqueiro, mas logo foi cortado em cima da linha por Vica.

Com o perdão do trocadilho, José Aparecido, árbitro do jogo, quis aproveitar os holofotes para aparecer, e também complicou o Inter no primeiro tempo. Lançado na grande área, Marquinhos foi derrubado por Sandro logo após dominar no peito, mas o juiz, além de ignorar a possível penalidade, puniu o craque colorado com cartão amarelo. Simulação percebida apenas pelo homem do apito.

Gérson foi um capítulo à parte na final. Lesionado, o craque era dúvida para o jogo de volta, mas aceitou ir para o sacrifício. Visivelmente descontado, o centroavante teve a chance de ser herói quando, com domínio de muita classe, transformou chute forte de Célio Silva em assistência. De imediato, o artilheiro fez o giro e mandou com a perna canhota. Por cima! Pelo menos, o lance já estava invalidado pelo bandeira, que assinalara impedimento duvidoso.

Mauricio era um daqueles atacantes que serviam como válvula de escape em qualquer circunstância. No começo do segundo tempo, ele, que sofria com a falta de espaços pela direita, se soltou na esquerda, e também arrancou suspiros da torcida. Por detalhe, a assistência que planejara morreu nas mãos de Jéferson.

O relógio seguia correndo, e as chances continuavam aparecendo. De sua meta, o espectador Fernández certamente gritou gol quando Caíco reeditou a brilhante sequência de dribles das Laranjeiras e invadiu a pequena área carioca. Desta vez, a falta de ângulo foi a vilã colorada.

Caíco não dava descanso para os rivais/Foto: Adolfo Gerchmann

O futebol não é uma ciência exata, mas algumas variáveis podem ser facilmente previstas pelo fã mais apaixonado. Em jogo decisivo, por exemplo, todos sabem que o famoso chuveirinho vira regra quando o placar persiste antipático. Mauricio não é exceção, e tentou complicar a vida carioca com um cruzamento fechado. Acertou o travessão. No rebote, Célio Lino encheu o pé. De novo, no travessão.

Àquela altura, o Brasil inteiro lembrava da final do Brasileirão de 1989. Diante do Bahia, o Inter perdera a ida, fora de casa, por 2 a 1, e não conseguira reverter o cenário na volta. Àquela altura, contudo, o Beira-Rio seguia acreditando. E Daniel também! Pela esquerda, o lateral partiu para cima de três, e somente foi parado com falta. Na cobrança, o sempre letal Marquinhos encontrou Pinga, que foi derrubado. Pênalti, assinalado aos 38.

Com o Gigante de moldura, Célio garantia o título

Sem Gérson, já substituído, a cobrança se ofereceu para Célio Silva. Sem cabeça, os jogadores do Fluminense partiram para cima do árbitro, e armaram seu escândalo. Malandros, alguns tentaram castigar a marca da cal. Atentos, os colorados evitaram maiores prejuízos. Aos 42 minutos, o zagueiro enfim partiu rumo à bola, mas teve sua corrida interrompida por um último protesto do desesperado Jéferson, que pouco conseguiu além de retardar o inevitável.

Segundos mais tarde, Célio levantou grama, torcida e bola. Em um piscar de olhos, o Beira-Rio saiu do silêncio para a catarse. O Colorado era campeão do Brasil, e a alegria estava só começando. Da Coreia, o cortejo seguiu rumo ao campo, e dele para todos os rincões do Rio Grande. Era noite de festa para o povo gaúcho e brasileiro. Era noite para lavar a alma de toda uma geração.